sábado, 30 de novembro de 2013

Caminhos de fé em Francisco Costa

CARLOS MANIQUE DA SILVA


Quem leu a obra literária de Francisco Costa (1900-1988) ficou certamente com a ideia de estar perante um autor de profundas convicções religiosas. O epíteto por que ficou conhecido, “romancista católico”, parece não pôr em causa essa tese. No entanto, conforme o próprio expressou no “Esboço de Autobiografia Literária”, dado à estampa em 1978 e depois incluído em Última Colheita (1987), a procura de Cristo, que iniciara na década de 1920 na leitura do celebrado livro de Ernest Renan, Vie de Jésus (1863), manteve-se insaciável ao longo da sua vida.

Para traçar o percurso dessa “conversão” socorrer-me-ei do citado “Esboço de Autobiografia Literária”, bem como de um texto lido por Francisco Costa numa sessão de homenagem aos padres Carlos e Amaro Teixeira de Azevedo, corria o ano de 1950; recorrerei, ainda, à poesia que escreveu na década de 1920.

Recuemos aos tempos da I República. Francisco Costa é adolescente. A posteriori, isto é, em 1950,retrata em tom crítico a ambiência e as alterações sentidas na vila de Sintra no período imediatamente subsequente à implantação da República. Ouçamos, então, a sua perspetiva dos acontecimentos, à qual não é estranha a posição de monárquico assumido:

Uma parte da população, fascinada pelos comícios onde se prometia, convictamente, o bacalhau quase de graça e o pão ainda mais barato, descobriu de repente que era republicana, desfraldou a bandeira verde-rubro, começou a insultar a memória das majestades a quem oferecera flores nas boas-vindas anuais, e aplicou-se a escarnecer dos padres e dos fiéis, quando estes passavam furtivamente a caminho das igrejas. (Espólio Francisco Costa, Sessão de homenagem aos reverendos padres Carlos e Amaro Teixeira de Azevedo, 23 de julho de 1950)

Aos domingos, essa hostilidade crescia de tom, pois nesses dias, em frente do Paço Real, agora convertido em museu de raridades, os ociosos trocistas juntavam-se aos fanáticos da política, para zombar e maldizer dos fiéis que se atreviam a atravessar as praças em direção às igrejas de S. Martinho ou da Misericórdia. (Idem)

À época, o pai de Francisco Costa, José Bento Costa, frequentava a igreja da Misericórdia, justamente aos domingos. Pelo filho se fazia acompanhar, pelo menos até este completar treze anos de idade, pois aos catorze, conforme refere o romancista: 

Já eu me desprendera da mão dele e pulara o mais atrevido ateísmo, escandalizando a família com esta descoberta estupenda: demonstrado, como estava, graças a Darwin… que todos os seres vivos descendiam da amiba, protozoário microscópio existente no fundo do Pacífico, estava demonstrado a inexistência de Deus e, portanto, o disparate de todos os credos religiosos.

Meu pai, muito sereno, perguntou-me nesse dia memorável:

- E quem fez essa tal amiba?

- É simples, respondi cheio de importância. A matéria existe desde sempre, e um dia, por um feliz concurso de circunstâncias, produziu a célula viva. E dessa veio tudo o mais.

- Inclusive as tolices que o menino diz… - rematou o meu pai, sempre sereno. (Idem)

No “Esboço de Autobiografia Literária”, Francisco Costa recorda peripécias desses tempos, intitulando-se “adolescente e ateu”. Para essa condição terá concorrido, mais do que a atmosfera de “desenraizamento” religioso vivida na I República, à qual aludi muito tangencialmente, algum conhecimento dos trabalhos de Darwin, Haeckel e Moleschott. Importa, por outro lado, não esquecer a natural descoberta e vivência da juventude, numa altura em que os rapazes “abriam os olhos para a vida”, para adotar a expressão do escritor. Nessa fase, parece marcante a intenção de fruir despreocupadamente os dias:

Dos dezasseis para os dezoito anos, esta sabedoria petulante [a da inexistência de Deus] e as primícias literárias recitadas com entono distinguiam-me entre a mocidade afidalgada que se juntava na Vila Velha, para o bilhar e o jogo de cartas, e também para as fugas varonis até às vielas do fado, que nós alternávamos com serenatas muito castas, sob o luar ou neblina de Sintra, em louvor das raparigas bonitas. (“Esboço de Autobiografia Literária”, in Última Colheita

Todavia, algo iria mudar a breve trecho. De facto, a súbita e inesperada doença, corria o ano de 1918, alteraria por completo o curso de vida do poeta. Fechado num quarto (“clausura”), tendo outro para guardar os livros que o pai lhe ia oferecendo, Francisco Costa inicia o seu encontro com Jesus (“conversão”). Porém, no conjunto de sonetos que publicou em 1920, intitulado , é ainda notório um sentimento de “angústia descrente”.

Eu gosto destes dias tristes, pardos,

em que, inundado de um prazer agudo,

eu descreio de mim, dos mais, de tudo,

e em mim próprio, impiedoso, cravo dardos. (“Auto dissecação”, in Pó)

 Em 1925, Francisco Costa é declarado clinicamente curado. Nesse mesmo ano recebe a primeira comunhão. Sintomaticamente, no prefácio a Verbo Austero (1925), Fidelino de Figueiredo sublinha que, “rumando para a fé religiosa, Francisco Costa logrou drenar e aquietar essas dolorosas interrogações”. O próximo trecho de Verbo Austero, com o qual, de resto, encerro, devolve-nos o contexto que presidiu à “conversão” do poeta:

Preso o meu corpo no teu férreo braço [doença],

Ergui-me pelo espírito no espaço,

Senti que há Deus! […] (“Salutaris morbus”, in Verbo Austero) 
    




sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A caça às bruxas

BÁRBARA JORDÃO RODHNER


No outro dia sentei-me no jardim para contemplar os pássaros.

Há muito que a Natureza é a minha via. Uma concha que se enrola, internamente, em espiral como a ponta dos dedos da minha mão são provas vivas e infinitas de que Deus, em qualquer formato, Existe.

Qual meu espanto quando um vizinho, homem de Cristo, se aproxima para trocar ideias, um vizinho que eu admiro, que escuto, um vizinho que nem é velho, antigo ou antiquado, é um Homem que se tenta apresentar e se experimenta, muitas vezes ou quase sempre, por aquilo que se chama, no comum do inconsciente, o Bem. Falamos sobre Arte, como se apresenta A arte e o meu corpo foi rasgado, trespassado, com facas afiadas e finas de forma lenta mas atenta.

"A Arte, é quase sempre e toda Obra inteira do Diabo. Tudo o que está bem escrito, tudo o que está perfeito é d'ele. Ele mora nos detalhes."

Fiquei sem palavras, não apenas naquele momento, mas n'uma semana inteira, se O Diabo mora na escrita, na poesia, na dança, na música; QUEM SOU EU?

Que Deus é esse que me fez à sua imagem e perfeição, me deu olhos para chorar, braços para dançar, corpo para amar, e depois me "acusa" de pecar por Ser Criadora como o meu próprio Pai, aquele... "que me Fez á sua Imagem"?

Calei.

Calei e comi.

Calei e engoli.

Calei e digeri.

Calei mas vomitei.

Sou livre!

Sou livre para discordar, sou livre para amar a Arte e toda a Natureza como quem ama Jesus e ama a sua Cruz.

Se há historia e livro mais morbidamente bem contada e escrito é esse mesmo, a Bíblia que tem como protagonista esse Ser mágico que eu tanto admiro mas chega de fanatismo! Chega de d-i-v-i-s-ã-o, de discórdia, de matar em nome de.

Sou tão filha perfeita quando recuso uma ida à missa com a benção de uma mão alheia como qualquer um que vá e não entenda ou oiça absolutamente NADA do que lá foi dito.

Sou tão pura e inocente quando me ajoelho na terra húmida e escura dando graças ao que Ela me dá como qualquer um que chore em frente á imagem linda de uma Virgem Maria.

Sou tão inteira e única quando me desmancho, me confesso, me condeno e peço perdão dentro das paredes da minha casa entre a minha família como qualquer um que o faz n'um confessionário. Se foi Jesus que disse eu repito.:

"Somos todos irmãos." Sejamos então.

Que o julgamento entre nós se desvaneça como as rochas se transformam em areia; isso sim É OBRA DE DEUS, que cada um seja livre para encontrar a SUA oração, o SEU Templo, a SUA Missão.

Se eu sinto Deus em todas as coisas vivas, se o sinto em cada artista, até mesmo num "vilão", como posso eu ser demoníaca?

Olho o mundo todos os dias e até neste encontros "menos felizes" vejo A sua Obra; absolutamente PERFEITA, sem ponta de mancha.

Obrigada Irmão por me mostrares o caminho, o MEU caminho:

(Dead can Dance By Pina Bauch)
Por Barbara Jordão
www.faymaymae.bloguespot.pt

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Gonçalo Moleiro, poeta do casario

FERNANDO MORAIS GOMES

Gonçalo Moleiro, arquitecto, artista plástico e também contribuidor do Sintra Deambulada tem presentemente uma exposição de trabalhos seus no Teatro Taborda, à Costa do Castelo. Possuidor dum traço firme e apaixonado, nele se detectam visões deliciosas de Lisboa e Sintra desconstruídas, a Cidade a pedir renascimento, tudo baralhando para tudo de novo renascer, poeticamente desordenado, e contudo, identificável e com tal registo confiável.
Sem pretensões, ali podemos descansar a vista na Cidade em Construção, reconhecível e apetecível, convidando a entrar e deleitar. Um conjunto notável de trabalhos que auspiciam outros futuros que aguardaremos com ansiedade. No casario.



quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Cultura e Cidadania-Oliva Guerra


DIOGO NUNES POCARIÇO
 

Diogo Nunes Pocariço tem 23 anos e é residente em São Pedro de Sintra. Em 2013 terminou a licenciatura em História na ULHT de Lisboa. Em 2013 frequenta o mestrado de ciências da informação e documentação- arquivos e bibliotecas na Universidade Nova de Lisboa. No dia 13 de Setembro de 2013 publicou o Roteiro histórico de São Pedro de Penaferrim e tudo o que o tempo deixou. Desde 2012 pertence à Comissão de Festas de Nossa Senhora do Cabo. Tem como interesses, bibliotecas, arquivos e história de Portugal.


Que ligação tem a artista Oliva Guerra com a freguesia de S. Pedro de Penaferrim? Vejamos adiante. Oliva Guerra nasceu em 1898, em Sintra. Elevando as artes e as letras ao altar da glória foi professora, poetisa e musicista portuguesa. Estando habilitada com o curso de piano e de cultura italiana, começou a exercer a docência, em 1946, de Português e Literatura no Conservatório Nacional de Lisboa. Obras suas de notável erudição foram: Os grandes mestres do piano, Espirituais versos, O tapete encantado. Com os seus conhecimentos apurados traduziu diversas obras do italiano para o alemão. Além das suas traduções colaborou em vários jornais, como O Século, A Voz, Diário de Lisboa.

A sua poesia ficou célebre em antologias, tendo sido elogiada por Alfredo Pimenta. Pianista apreciada e historiadora de música tomou lugar em várias conferências em Lisboa, Porto, Roma e Barcelona. A partir de 1959, Oliva Guerra aceita a presidência do grupo dos amigos da cultura italiana, através do qual, Portugal estabeleceu contato com os valores intelectuais mais qualificados.

Oliva Guerra, grande vulto da Literatura Portuguesa do séc. XX, com os seus 84 anos acabou por falecer, em 1982, tendo doado a Sintra, o seu valioso espólio literário.

Decorrente de uma investigação sobre as memórias de S. Pedro de Penaferrim, averiguou-se que Oliva Guerra viveu em S. Pedro de Penaferrim, na rua Manuel Adriano Mourato Vermelho, no edifício onde funciona uma repartição da Junta de Freguesia(foto abaixo). É de estranhar que ainda não tenha sido colocada uma placa de homenagem na casa onde viveu a artista Oliva Guerra que tanto soube honrar a sua terra natal. Faria sentido este ano, comemorar os 31 anos da morte da artista. A comemoração não só é digna de S. Pedro, mas sim do Concelho de Sintra.


A mostrar Cultura e Cidadania.docx.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Umas palavras sobre crise

JOSÉ MANUEL ARROBAS

Vivemos numa sociedade que está a atravessar mais uma vez, apenas mais uma vez, momentos difíceis. Generalizou-se, mais do que nunca o termo crise, de uma forma sempre negativa, perjurativa, como se de uma praga se tratasse, ou, como a palavra perjurativo significa na sua etimologia, a quebra de um juramento, como se alguma vez alguém tivesse de se culpabilizar perante um acontecimento que a nível internacional vem introduzir um determinado ruído. E a vida nunca manteve ninguém sob juramento.
Aliás penso que dizer que a sociedade está em crise é um grosseiro pleonasmo, já que a sociedade nunca o seria se não fosse crísica. A sociedade é crise, e é-o tanto mais quanto mais souber prevenir, viver e ultrapassar as crises de que se faz e vai fazendo.
Para me debruçar um pouco sobre a crise sou tentado a distinguir três modos de pensamento correspondentes a três realidades:o da troca e da regulação, em que a crise é apenas um desvio fora do equilíbrio; o modo de produção, em que a crise desvela – tanto no sentido de obrigar a ficar vigil como no sentido de aclarar, revelar – , as contradições que são o motor da história; e o nosso, o da auto-organização, em que a crise é uma reestruturação permanente, uma sempre inacabada reescritura do manuscrito da história.
Henri Atlan, diz que segundo a teoria da ordem pelo ruído, uma ordem só existe, uma forma só se mantém se é capaz de fazer circular informações que tenham um sentido para cada uma das partes. Dito isto, quando um ruído agride uma forma, ele aparece como sendo um “parasita” que interrompe a comunicação, conduzindo assim à redução do seu sentido.
Mas, por sua vez, ele também é capaz de criar sentido – num outro estádio da organização – , quer dizer, pode recriar uma complexidade, uma forma, e assim, a desordem acaba por ser criadora de ordem.
A “não-crise” é um movimento imensamente fugaz, é uma utopia volátil entre dois períodos de crise, ou seja, da tal reescritura da história da sociedade e por extensão, da história do mundo.
É pois um erro pensar que tudo está incomportavelmente perdido, sem solução e em que nada vale a pena. Pelo contrário tem é que se pensar que tudo está em aberto, em constante devir, e que só é preciso que haja pessoas atentas aos movimentos da história, e actuar, e fazer.
É que são as pessoas quem faz a história, mais ninguém!
E nunca nos podemos esquecer disso.

domingo, 24 de novembro de 2013

Cinco personagens que gostaria de ter criado, por Miguel Real

MIGUEL REAL


1-PERSONAGEM VAZIA: “Bernardo Soares”, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, personagem tão plasticamente vazia, entediante, arrastante, lenta, amolentada, meditabunda, aporética e céptica de um cepticismo que nada de nada conclui, que de si – um permanente nada - só nada pode sair. Em “Bernardo Soares”, penetramos num labirinto mental onde não só não existe critério diferencial seguro de separação entre verdade e falsidade, realidade e ficção, como igualmente não existe critério que demarque a existência da não-existência, gerando na alma do leitor uma vertigem de vazio que rapidamente o conduz a um nada de nada nivelador do todo da existência. 


2-PERSONAGEM TRÁGICA: “Margarida Dulmo”, de Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. Personagem caracterizada por um sentimento de falha, arrastando a existência em contínuos desencontros sociais e permanentes frustrações individuais,compensados por um forte desejo de fuga para a frente, gerador de novas iniciativas,rapidamente goradas. É a tragédia actual, pela qual os desencontros, os acasos, as perfídias subterrâneas, as pequeninas vaidades humanas, desembocam na mais pura e inviolável das rotinas: a anemia social, a indiferença, a passividade, o absentismo e, sobretudo, a resignação e a renúncia ao sonho. Margarida casa com André Barreto,salvando da falência e da ruína a casa dos Dulmos. Em troca, Margarida abafa os sonhos singulares de juventude, resignando-se a uma existência rotineira, parasitária, uma existência vazia. É nesta ausência de futuro - que não seja o futuro do tédio - que reside o elemento trágico da existência de Margarida. Neste caso, a tragédia não reside na vontade de lutar ou no desejo de desafiar, mas na sua renúncia e na consequente interiorização de um profundo luto pela vida que nunca se terá. A tragédia - a pior das tragédias actuais – evidencia que, depois do seu casamento com André, Margarida não tem biografia, deixou de haver História para Margarida, estará viva para os filhos e para a sociedade e morta para si própria. Qual a diferença entre a nova existência de Margarida e a existência de Antígona entaipada? 


3-PERSONAGEM COSMOPOLITA: “Fradique Mendes”, de Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queirós. Uma personalidade não indiferentista e não ecletista, mas suficientemente distante dos sistemas filosóficos, das crenças religiosas e das políticas institucionais para os poder severamente criticar, mas também suficientemente interessado e empenhado para os poder vivenciar. Neste sentido, Fradique, um comprometido intelectual e um descomprometido político, é um humanista, algo que falta com abundância na nossa literatura, costurada de personagens extremadas.

Fradique é, no que tem de melhor, todos os homens de todas as civilizações, não segundo uma visão eclética e sincrética de reunir uma parte de cada tipo de homem de cada civilização, mas, segundo uma visão humanista e universalizante, antropologicamente ideal, a síntese suprema de todos os homens: de todos os intelectuais e sábios, de todos os viajantes e nómadas, de todos os poderosos e distintos, de todos sacerdotes e crentes, de todos os servos e trabalhadores… 


4-PERSONAGEM COLECTIVA: A “arraia-miúda” da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, e fundir hoje a vontade, o ânimo, a força, a coragem do Joaquim serralheiro, da d. Isabel da Caixa Geral de Depósitos, da d. Fernanda do Garden Center, do Aníbal motorista da CP, da professora Ivone de Português, do Vasques alfaiate, da Vanessa do shopping, do sem-abrigo Octávio, do taxista Adrião, do Pereira do Sporting, o taberneiro Olegário, muitos, muitos mais, o editor Paulo, o intelectual Pedro, todos juntos, unidos “como os dedos da mão”, contra os poderosos da Governadoria, expulsando os eternos imbecis e incultos que nos governam, refundando Portugal, promovendo a “sétima idade do mundo” de Fernão Lopes, a “terceira idade do Mundo” de Agostinho da Silva e Natália Correia, o “Quinto Império” de Vieira e Pessoa, uma sociedade abastada, libérrima, igualitarista, sem dois milhões de pobres e oito milhões de ignorantes culturais, onde os bons livros não vendem mais que uns escassos mil exemplares e os óptimos quinhentos. 


5-PERSONAGEM HISTÓRICA: “Fernão Mendes Pinto”, o “pobre de mim”, narrado pelo próprio em Peregrinação. A personagem cafrenalizada do português miúdo à solta no Império, liberto da moral cristã e da lei do reino, profanador de túmulos, pirata do rio, canibal se preciso, rapinador de aldeias, abandonado ao exclusivo fito de enriquecimento. Mas também capaz de suprema devoção (F. Mendes Pinto faz- se jesuíta em Goa e assim viaja com São Francisco Xavier para o Japão). Seria hoje um perfeito adorador de Nossa Senhora de Fátima: todo o ano autor de ladroagens e crueldades; em 13 de Maio, profundo religioso, implorando perdão dos pecados que, com prazer, comete ao longo de todo o ano.