Francisco
Costa (1900-1988) foi sintrense de elevada craveira intelectual, tendo
desenvolvido, a par de carreira profissional na área da contabilidade, intenso
labor de romancista, de poeta e de historiador. Com uma vida longa, não se
estranha que no seu espólio pessoal, por entre os manuscritos das obras
produzidas, encontremos numerosa correspondência literária; tanto mais que a
epistolografia era uma forma habitual de partilhar ideias, experiências e,
mesmo, sentimentos. Para se ficar com uma ordem de grandeza, estamos a falar de
mais de 3000 missivas, entre registos ativos e passivos, constituindo um
importante repositório da memória coletiva, no qual se perspetiva, aliás, muito
da vivência cultural, social e política do país durante boa parte do século xx.
O caso que
trazemos hoje ao conhecimento dos nossos leitores diz respeito à
correspondência que Aquilino Ribeiro (1885-1963) trocou com Francisco Costa. Na
verdade, no citado espólio, encontramos duas cartas que o autor de O Malhadinhas endereçou ao escritor
sintrense. A primeira missiva, da qual não se apresenta transcrição, optando-se
por dar breve notícia, foi escrita em 15 de abril de 1956. Aquilino, em tom
intimista, solicita a Francisco Costa, à data diretor da Biblioteca e Arquivo Municipais
de Sintra, autorização (e facilidades) para fotografar frontispícios da
“Camiliana”; notável acervo municipal para a constituição do qual contribuiu
decisivamente o referido escritor sintrense. A segunda carta, porventura a mais
interessante, redigida em 12 de novembro de 1959, versa um assunto totalmente
distinto, conforme se pode verificar na transcrição que se apresenta. Antes,
porém, impõe-se uma nota para contextualizar a missiva. Trata-se de um pedido
que Aquilino formula no sentido de Francisco Costa ser uma espécie de
“testemunha abonatória” num processo que lhe movia o Ministério Público; o
assunto (que não está expresso no texto) prende-se com a edição do romance Quando os Lobos Uivam, visado pela
censura por (supostamente) conter elementos de troça da magistratura.
Desconheço ulteriores desenvolvimentos… Mas fiquemos com a carta de Aquilino.
Meu ilustre confrade e amigo:
O meu advogado no processo que me move o Ministério
Público, acusando-me de atentar contra a segurança do Estado!, manifestou-me o
desejo de vê-lo à barra da instrução contraditória a propósito de qualquer
quesito que respeite a liberdade do Pensamento.
Não gosto de incomodar ninguém, mas antes de formular
tal voto, já eu pretendia formulá-lo junto do meu colega. Não lhe repugnará
prestar-nos tal obséquio? Muito lhe agradecia.
O atento admirador e obrigado
Aquilino Ribeiro
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