terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Jardins de Queluz- mais uma excelente notícia

JOÃO CACHADO

A Parques de Sintra arrancou em dezembro com as obras de recuperação do Jardim Botânico nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz. Esta intervenção, com um investimento superior a meio milhão de euros, faz parte do projeto global de recuperação do Palácio Nacional e Jardins de Queluz, cujas obras arrancaram em janeiro de 2015. (…)

Esta intervenção surge ainda como resposta à urgente necessidade de recuperação, salvaguarda e valorização do património cultural e paisagístico que os jardins de Queluz compreendem, com o intuito de lhes devolver o caráter lúdico e interpretativo, respeitando a sua composição e a sua relação com a envolvente. (…)”

[Início das obras de recuperação do Jardim Botânico nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz. 15 Dezembro, 2015]
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Quando deparamos com frequentes notícias deste teor, sempre nos ocorre o facto de se tratar de obras que, em todos os domínios, são extremamente significativas, envolvidos que estão valores como a ética da recuperação do património, a estética, a soberba qualidade das intervenções e os custos afins. Porém, tendo em consideração que, no caso da Parques de Sintra, os recursos financeiros têm origem, praticamente exclusiva, no produto das bilheteiras, ainda mais surpreendidos ficamos.

É neste contexto que, de facto, se enquadra a pertinente questão que passo a colocar. Como regatear o preço dos ingressos se, tão manifestamente, se entende, avalia e conclui acerca do alto discernimento e proveito com que são aplicadas as verbas assim geradas? E, assim acontecendo, durante três anos consecutivos, quando, cumulativamente, a mesma entidade promotora das obras é reconhecida como a melhor do Mundo em recuperação do património?! Ah, se coisas semelhantes sucedessem em tudo «o resto», não só em Sintra mas também em todo o país!...

De qualquer modo, como se verifica em todas as latitudes, é invariavelmente caro o preço do bilhete para visita a qualquer monumento congénere. Não pode ser de outro modo. Por isso e para isso, previamente preparam os visitantes a respectiva bolsa. Sabem que é caro. É caro, torna-se caro e, naturalmente, também por este factor tão determinante, a concretização da visita se transforma num evento perfeitamente extraordinário, raro. Repare-se que se trata de um «investimento» cultual que a família decide aplicar, necessariamente, em detrimento de outras opções.

Famílias haverá às quais jamais se lhe coloca sequer a questão de aceder a um tal espaço, não porque não disponham da verba para o efeito mas porque, pura e simplesmente, é coisa que não lhes interessa. Não foram nem estão motivadas, ignoram olimpicamente, têm diferentes opções. Em contrapartida, outras pensarão, frequentemente, em aproveitar todas as oportunidades de acesso o mais conveniente possível.

A propósito, como não propor um pequeno exercício. Imaginem, por exemplo, uma família de Coimbra, de Castelo Branco ou de Beja, de recursos médios, com um mínimo de interesses de ordem cultural. Quantas vezes visitará a Pena em vinte anos, ou na vida inteira? Talvez uma, duas, quando o(s) filho(s) andava(m) na escola, por ocasião de alguma especial comemoração? E os Palácios de Queluz, da Vila, de Monserrate, o Castelo dos Mouros ou o Convento dos Capuchos?

Pois o mesmo acontece na Áustria, país que bem conheço, com uma família de Melk - cidade que faz parte da Paisagem Cultural de Wachau, classificada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO - de visita a Salzburg. Nem mais nem menos! Visitará uma vez os famosos Festung Hohensalzburg ou Schloss Hellbrunn. E, tanto em Sintra como em Salzburg, todos ficarão com uma extraordinária memória para o resto das suas vidas…

Estes «investimentos culturais» das famílias nacionais e estrangeiras serão, aliás, tanto mais ou menos frequentes quanto mais «viradas» elas estiverem para o mundo da Cultura e menos focalizadas nos centros comerciais e similares «superfícies» alcatroadas, cimentadas ou arrelvadas... Aliás, como não poderia deixar de acontecer, a verdade é que tal conclusão também é evidente no caso de Sintra porquanto, mesmo com o ingresso gratuito aos domingos, é perfeitamente residual a percentagem de munícipes que usufruem essa vantagem tão generosa.

Daí que não me canse de lembrar e aconselhar os residentes no concelho de Sintra a efectuarem as visitas nos fins de semana, na medida em que os 'nossos' monumentos dependentes da PSML gozam desse privilégio absolutamente excepcional, durante todos os 52 domingos do ano. Convém não esquecer que, em relação aos espaços dependentes do Ministério da Cultura, os portugueses apenas beneficiam de regime algo semelhante no primeiro domingo de cada mês, portanto, apenas 12 vezes por ano…

domingo, 27 de dezembro de 2015

Fim de Tarde

FILOMENA MARONA BEJA



      Eram quatro cadeiras e uma mesa.

     Era um sofá e, em frente, o aparelho de televisão.

       Era a sala.



     Na sala, ela passava a maior parte do dia. Almofada ao canto do sofá, caneca ao lado.

     Olhava o tecto, olhava as paredes. A mancha de humidade ao lado da janela, a mosca que se fora enredar numa teia de aranha.

     Ninguém para contar o que não acontecia. E as horas, umas atrás das outras.



     Um golo de café.

     Na lembrança, uma campainha a marcar o intervalo de dez minutos que parava a oficina. Deixavam-se as mesas de corte, as máquinas de costura. Corria-se para os sanitários.

     “Despacha-te!”

     “Estou aflita...”

     “Aflita!”

     “Olha... adiantou-se-me a coisa, este mês!”

     “Antes isso...”

     “...antes isso!

     A água remoinhava, as portas batiam. E já se estava na fila diante da máquina das bebidas.

    De copo na mão, tornava-se ao giz e às tesouras. Às máquinas que juntavam, cosiam, rematavam.

     Por quanto tempo, até à saída do turno?



     Era ele quem saía, de manhã, para fazer as compras. Trazia o pão, a hortaliça, alguma fruta, algum peixe.

     Carne? Quase nunca.

     “Faz melhor não comer”, dizia. “ E ao preço que está...”

     Era ele quem governava o que ambos recebiam de reforma.

    “É pouco, e tem de ir chegando...”

     Quando ele voltava da rua, ela ia para a cozinha. Fazia a sopa e amanhava o peixe, se havia peixe.

    “Já quase não sei assar um frango!” – dizia, às vezes.

     Entrecosto? O que levava de tempero? E fritar, como se fritava?

     Ao passar do meio-dia, punham a sopa na mesa e comiam.

     Depois, ela levantava-se e lavava, arrumava os pratos. Voltava para o canto do sofá.

     Outro golo de café.

     E, se precisava dar algum ponto, ia buscar o dedal, agulha e linhas.



     Guardava a caixa da costura no móvel da televisão.

     Armário em madeira, baixo, de um modelo que se usara muito noutro tempo.

     “Estilo rústico”.

     A caixa era de folha, o fundo picado pela ferrugem, tampa amolgada. Tinham-lha trazido de Espanha, cheia de caramelos.

     Emparelhava as peúgas que acabara de pespontar.

     “Estão a ficar usadas. Mas, por agora...”

     Ele ainda as iria calçando.

     Recostava-se na almofada e olhava para cima, para o tecto. Depois para a parede, onde a humidade continuava a entranhar-se.



     Ele olhava para fora

     Arredara da mesa uma das cadeiras e fora sentara-se no vão da janela.

     A rua por baixo, feita de gente a pé, postes de candeeiros, um ou outro toldo. Água de uma ruptura a jorrar para as sarjetas. Os carros à pressa pelo asfalto, e um autocarro que dava a curva para outra rua.

     A outra rua tinha árvores dos dois lados. E ia dar a um jardim.



     Ela tornou a ouvir a campainha.

     Agora a do fim do turno, que as punha de corrida para os vestiários. E de corrida, transpunham a porta, o portão.

     Ela também corria.

     Ao princípio porque era rapariga e ia namorar. Depois mulher casada, com pressa de chegar a casa, compor os desalinhos, fazer o jantar.

     Um dia, depois das férias, ela e as outras encontraram as oficinas vazias. Em duas semanas, as máquinas tinham sido vendidas. A fábrica fechada.

     Gritos. Vigílias. Desemprego.

     “Pois foi...”

     Até que chegara a idade da reforma.



     Levantou-se para ir buscar mais café.

     Voltou.

     Sem deixar de olhar a rua, ele disse que o dia estava no fim e era Outono.

     Engano:

     “Já é noite... e o Outono só acontece com o cair das folhas”.

     Com o vento que as leva, e outras coisas que desencantados e poetas costumam inventar.

     Não. Não era Outono.

     Mas talvez já se estivesse chegado ao Inverno.





     Ele chamava-se Camilo. Ela Cassilda.

     Alguém lhes quer dar outros nomes?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Desarmadilhar Sintra

JOÃO CACHADO
 
Se ainda precisa fosse qualquer demonstração suplementar para confirmar como Sintra  continua armadilhada, os feriados espanhóis entre os dias 4 e 8 deste mês de Dezembro, que tiveram o condão de exportar para este extremo sudoeste dezenas de milhar de viaturas, acabaram por confirmar como não há sequer uma hora a perder relativamente às soluções que cumpre concretizar imediatamente.

Neste quase fim de ano e, apenas há meia dúzia de dias, tendo celebrado a redonda data das duas décadas da classificação pela UNESCO de Sintra como Paisagem Cultural da Humanidade, gostaria de partilhar com os leitores, pela enésima vez,  algumas preocupações acerca de um assunto indissociável, qual seja o do acesso às sofisticadas peças de património paisagístico e edificado da sede do concelho.

Afectas à administração e gestão da Parques de Sintra – entidade que, pela terceira vez, acaba de ser considerada como a melhor do mundo em conservação do património – Castelo dos Mouros, Palácio e Parque da Pena, Palácio e Parque de Monserrate e Palácio Nacional de Sintra, são autênticas jóias da coroa que, de facto, não poderiam estar mais bem entregues.

Implantadas em plena Serra, nos pontos altos, a meia encosta ou pontificando no Centro Histórico, suscitam a procura anual de cerca de dois milhões de visitantes que, muito natural e justamente, Sintra pretende cativar, no sentido de cá passarem o máximo do seu tempo disponível, com as inerentes mais-valias.

Para o efeito, imprescindível se torna que a significativa percentagem de tais visitantes, que chega a este destino conduzindo a sua viatura, a possa estacionar civilizadamente, tal equivalendo à já decidida mas ainda não concretizada instalação dos imprescindíveis parques periféricos.

É impossível pensar noutros termos, noutro tipo de parques, já que os de proximidade, a exemplo do que aconteceu com o projecto do subterrâneo na Volta do duche, foi liminar e terminantemente condenado, aliás, porque tal hipóteses de solução até já tinha sido abandonada em qualquer latitude com idênticas características

Portanto, só por fatal ignorância, infelizmente, como tenho continuado a assistir, alguém poderá hoje advogar tal opção que, cumulativa e sintomaticamente, é deveras contundente para a memória de imensa quantidade de militantes da defesa do património, gente como eu e tantos amigos de Sintra, de todos os pontos do país e estrangeiro, incluindo artistas, mulheres e homens das Artes e das Letras, que tanto se empenharam, impedindo a construção de um parque de estacionamento a poucas dezenas de metros do coração de Sintra.

Há quinze anos, a mobilização dos cidadãos conseguiu evitar uma aberração. Será ainda preciso vincar e repetir que essa força residual de cidadania persiste? E que, surgindo  qualquer novo projecto de réplica, a mais ou menos duzentos metros, quer no Vale da Raposa quer nas suas imediações, o resultado será idêntico? Porque, caros leitores, se há quinze anos, já não era possível, agora muito menos!

Portanto, parques periféricos! Inequivocamente, parques periféricos, com a máxima celeridade, nos locais já selecionados, a partir dos quais funcionarão carreiras de transportes público para todos os destinos, incluindo os pontos altos da serra, destinos aos quais, pura e simplesmente, deixarão de aceder quaisquer veículos particulares através da Rampa da Pena. Naturalmente, tal não contunde com a devida manutenção e requalificação das pequenas bolsas de estacionamento já existentes.

Como tenho acompanhado o processo de perto, sei que a Câmara Municipal de Sintra está igualmente preocupadíssima com a situação. Na realidade, Sintra não tem mais quaisquer folgas. Os prazos estão esgotados e, neste momento, com a autoridade democrática que detém, depois de ouvidos todas as partes interessadas, uma vez decidida a moldura integrada de soluções, resta actuar.

A classificação atribuída pela UNESCO há vinte anos continua a exigir o melhor de nós. As tais jóias da coroa pressupõem que, a montante, tudo funciona no sentido de que o próprio acesso já seja uma atitude cultural e civilizada. Desgraçadamente, com a sucessiva protelação de medidas que, afinal, são inevitáveis, não temos dado prova cabal de capacidade que se nos impõe.  Concluo como iniciei, enfatizando que não há sequer uma hora a perder.



[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

(azul)

BÁRBARA RODHNER













- Se tu cruzares azul com preto o que é que acontece?
- Cinza.
- Cinza?
- Cinza.
- Hum...

- Se tu te cruzares comigo o que é que acontece?
- Dentes de mentiroso.
- Dentes de mentiroso!?
- Dentes de mentiroso.
- Hum...