segunda-feira, 26 de maio de 2014
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Casino, novo destino
Museu das Artes de
Sintra - MU.SA! Ora aí temos, bem mais cedo do que jamais imaginaríamos, o novo
espaço museológico que, aproveitando as características de um edifício tão
interessante como é o Casino, permite explorar a subtil polivalência de
propostas que ali é possível concretizar para benefício dos munícipes e
visitantes em geral.
Apesar de tão bem a conhecer, fascina-me cada vez mais esta
grande casa da Heliodoro Salgado. Depois do inicial Casino, sem quaisquer jogos
de azar, Sintra exigiu-lhe cenas de Biblioteca Municipal – onde trabalhou a
grande figura da Cultura Portuguesa que foi o filósofo Manuel Lourenço – também
de Secção de Finanças ou Escola Preparatória e, mais recentemente, Museu de
Arte Moderna-Colecção Berardo.
Enfim, para nossa permanente surpresa, as sete vidas que lhe
vamos acrescentando, dele têm feito um verdadeiro felino, flexível, adaptável a
todas as circunstâncias… E, de facto, esgalhado pelo gabarito do Arquitecto
Norte Júnior, aquele edifício tem aguentado tudo o que se lhe pede, com uma
ductilidade fora do comum.
Ora bem, cumpre lembrar que, como tem sido público e notório,
através dos artigos nestas páginas dados à estampa ao longo dos últimos meses,
estive perfeitamente convencido de que o último pedido ao Casino tinha sido
oportunamente formulado, no sentido de acolher a designada Colecção Bartolomeu
Cid dos Santos, já que decorria dos termos do Protocolo celebrado entre a
autarquia e Maria Fernanda dos Santos.
A montante do MU.SA
Praticamente, desde o início do mandato do actual executivo
autárquico, se sabe que existiam divergências de interpretação de algumas e
importantes cláusulas do referido documento contratual. Naturalmente, tal
circunstância suscitou a necessidade de recorrer aos consultores jurídicos de
ambas as partes. De acordo com as informações que obtive, embora prolongadas e
ainda não concluídas, é de prever que as negociações tenham o desfecho que mais
convirá à salvaguarda tanto dos interesses da autarquia como da cedente.
Confortável com esta explicação, considerei que, dispondo da
mais-valia de tal edifício, não era possível protelar, sine die, a ocupação do
Casino que – entretanto, tal como tenho dado conhecimento – foi devidamente
beneficiado e dotado das condições necessárias e suficientes ao funcionamento
como espaço propício à promoção de exposições de artes plásticas permanentes e
temporárias. Pois bem, tanto quanto indaguei, foi neste contexto que se
evidenciou e concluiu como a solução MU.SA se revestia da maior pertinência.
Quando me apercebi de que, surpreendentemente, e em tempo
curtíssimo de trabalhos de preparação, a Câmara Municipal de Sintra já estaria
a perspectivar a reabertura para uma data tão próxima quanto era a do dia 17 do
corrente mês de Maio, procurei inteirar-me. Logo entendendo que era esse o meu
objectivo, o Vice-Presidente Rui Pereira, também Vereador com o Pelouro da
Cultura, sugeriu-me integrar o pequeno grupo que, no passado dia 9, se deslocou
ao Casino em visita de reconhecimento.
Se, em boa hora o fez, ainda em melhor aceitei eu o convite
porque, só assim, teria o privilégio de partilhar opiniões e impressões
indispensáveis à redacção destas linhas. Em primeiro lugar, gostaria de
sublinhar o facto de, já há alguns anos, ser este um projecto cuja
eventualidade de concretização foi objecto de frequente troca de impressões
entre técnicos dos serviços, tal como, participante activa da visita, a Dra.
Conceição Carvalho, assessora do Conselho de Administração da SintraQuorum,
teve oportunidade de recordar.
A verdade é que, ultimamente, esta mesma hipótese de montar
um museu no Casino ganhou novo realce depois de ter sido ventilada por Fernando
Castelo, no seu blogue Retalhos de Sintra, num texto em que propunha, além da
exposição das obras de pintura do valiosíssimo espólio municipal, também a
possibilidade de constituir um núcleo museológico com as peças oportunamente
doadas pela escultora Dorita de Castel-Branco e considerar mais outro espaço
para a realização de exposições temporárias.
Ao reconhecer o seu manifesto interesse, o Vice-Presidente
Rui Pereira, durante a conversa que comigo manteve antes da aludida visita, não
perdeu a oportunidade de me dar a entender como aquela proposta fora
determinante para a efectivação do projecto e, portanto, como a autarquia está
atenta às sugestões dos cidadãos.
A visita
Integrei-me, então, no tal grupo visitante que, contando com
a já mencionada Dra. Conceição, era composto pela Dra. Ana Santos, adjunta do
gabinete da Vice-Presidência, Dr. Carlos Vieira, Chefe da Divisão de Cultura,
Pintor Vitor Pi, fotógrafo Nuno Antunes, foi guiado pelo Coordenador do Núcleo
de Museus e Galerias de Arte da CMS, Mestre Jorge Martins, cuja estratégia e
coerência de opções teve oportunidade de connosco partilhar.
Uma das notas salientes é a presença da obra de Dorita, já
que não se limita à ocupação do núcleo museológico que, no rés-do-chão, à
direita de quem acede ao interior do edifício lhe é totalmente afecto. De
facto, quer na esplanada exterior quer no primeiro andar, algumas das suas
peças sublinham as afinidades de um percurso que o visitante deverá entender,
como será a da tapeçaria de grandes dimensões que, na parede fronteira, ao cimo
da escadaria, naquele impositivo patamar do primeiro andar, é um marco da
distribuição da pintura, da escultura e da fotografia do importante acervo do
município de Sintra.
À direita, teremos uma zona de homenagem a Emílio Paula
Campos, a quem é consignado o devido reconhecimento e destaque. Á partir daí se
parte para uma viagem que, através das sucessivas e contíguas salas, nos levará
à obra de consagrados, como Júlio Pomar, Milly Possoz, Cristino da Silva ou de
Adriano Costa, o pintor de Sintra, na apreciação de Fernando Pamplona no seu
“Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses”.
Obra de Júlio Pomar de 1942 no MU.SA
Neste piso, um lógico circuito vai privilegiando a paisagem,
desde obras figurativas, até à abstracção, num bem encadeado novelo de
conotações, igualmente circulando por uma componente espacial em que se
articulam obras premiadas no Concurso D. Fernando II, finalizando com a
vertente da fotografia. Depois de descer e retomar o rés-do-chão, eis um espaço
afecto às exposições temporárias – a primeira das quais dedicada a Vitor Pi – e
o Lab.Art, zona de lugar à vanguarda, cuja primeira iniciativa contemplará a
instalação “Entrentrente” de Jorge Cerqueira.
Pendentes
Não poderia deixar de aproveitar a oportunidade para lembrar
que, ininterruptamente, entre 2005 e 2013, o “World Press Cartoon” viveu 9
edições, de início, no Centro Cultural Olga Cadaval e, posteriormente, no
Casino. Trata-se de um evento anual do maior interesse que já está
indissociavelmente ligado a Sintra e que Sintra não tem qualquer vantagem em
perder para um enquadramento alheio.
Final e compreensivelmente, o grande destaque de pendência
para a Colecção Bartolomeu Cid dos Santos. Como é sabido, além do espólio do
grande artista, cujo magistério na Slade School de Londres ainda hoje é
reclamado pelos maiores gravadores mundiais, a Colecção integra um núcleo de
obras assinadas pelos mais prestigiados pintores portugueses contemporâneos,
tais como Paula Rego, Vieira da Silva ou Júlio Pomar, bem como peças do também
seu amigo Francis Bacon, um conjunto perfeitamente deslumbrante que, não tenho
a mínima dúvida, passarão a constituir um extraordinário polo de atracção
cultural em Sintra. Tendo sido prevista para o Casino, há que lhe equacionar a
melhor solução.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
terça-feira, 13 de maio de 2014
O maior dos Ribafrias
FERNANDO MORAIS GOMES
Janeiro de 1659. Há
três meses que Elvas sofria o cerco dos homens de Luís Mendes de Haro, primeiro-ministro de Espanha. Nesse dia 14,
porém, os factos precipitaram-se, e o sangue falou mais alto.
Havia dezanove anos que os Braganças tinham recuperado o trono, mas nunca os espanhóis o reconheceram, persistentes, no Alentejo os portugueses batalhavam pelo Reino, sob o comando do conde de Cantanhede. Na frente contavam com mil homens, com armas e faxinas para cegar os fossos, comandados pelo general Diogo de Figueiredo, os infantes, cerca de três mil, eram comandados pelo conde de Mesquitela e por André de Albuquerque Ribafria, outros dois mil pelo sargento-mor Mendes Leitão. De reserva, dois mil mais, às ordens de Pedro de Lalande.
A artilharia ocupou posições perto de Amoreira, donde batia eficazmente o campo de batalha e bravos armados decidiam a sorte do reino. O troar das armas cedo virou para o lado português, cortando os homens de Diogo de Figueiredo as linhas, auxiliados pelos terços do conde de Mesquitela. Um fortim foi tomado, e pela brecha foram entrando as forças, que tomaram posição, pressionando os de Espanha.
André Albuquerque de Ribafria, 4º alcaide de Sintra, evidenciava-se no campo de batalha. De compleição rija, barba afiada, em forma de sabre, hábil manejador das armas, era uma lenda, qual Nuno Álvares, respeitado pelos pares e idolatrado pela soldadesca. Histórias a roçar a fantasia corriam pelos botequins e tabernas. Órfão aos treze, criado por D.Antão Vaz de Almada, treinara-se para as armas em Sintra, caçando com seu irmão Pedro sob o olhar do pai, Gaspar Gonçalves da Ribafria, o terceiro dos alcaides. Aos dezassete, combatera os holandeses no Brasil, aos dezoito herdara a alcaidaria. General com apenas trinta, nesse dia em transe cavalgou o campo de batalha, cerrando os dentes e incitando os homens:
-A eles, soldados! É Elvas ou o céu! -gritou, bramindo a espada, do cimo do cavalo que rodopiava num bailado bélico.Com o corpo marcado por sequelas do tropel, sofrera ferimentos na cara em Arronches, pisado no chão da batalha por cargas de cavalaria, e nessa altura quase dado como morto.
-O Forte da Graça já é nosso, vamos em apoio de Lalande, general! -sugeriu o conde de Mesquitela, mais cerebral.
Os soldados agigantaram-se sob o comando de Ribafria, o chefe que sabia recompensar, mas também castigar os que se lhe opunham. Adiantando-se numa zona mais alta, ficou alvo fácil dos de Espanha, e Don Luís de Haro, que comandava da retaguarda, vendo-o, ordenou o seu abate, cintilando no horizonte. Levantando um braço para repelir um peão, depois de já ter posto termo à vida a dois, uma bala assassina entrou-lhe pelo sovaco, mal protegido pela couraça. Os olhos ficaram turvos, o corpo mole, logo tombando desgovernado do cavalo. Em seu encalço foi Jorge da Franca, que lhe arrastou o corpo para junto de um sobreiro.
-Está ferido, General?
-Não é nada, Jorge -sorriu, passando a mão pelo braço estilhaçado, onde uma poça de sangue ia alastrando –nossa, e livre, será Elvas ainda esta noite, bom amigo!
-Vou chamar um físico, há que tratar o braço sem delongas, general!
-Não, deixa-atalhou, já pálido. -Diz a Afonso de Mendonça que finda a batalha mande um homem a Sintra, e diga a meu feitor que hoje um português que nunca temeu espada senão a da justiça, tombou em honra, no campo de batalha.
E cerrando os olhos, deixou-se partir, lentamente. Nervoso, o cavalo relinchou, órfão do companheiro de correrias pelo Alentejo, quase restaurado. Caída a noite, o cheiro a morte empestava os ares. Elvas estava liberta, e os espanhóis recuavam, dos dezoito mil, menos de um terço sobrevivera e recolhia a Badajoz. Pouco mais haveriam de durar as correrias, vencidos, os Filipes dobravam a espinha, perante a força indómita do povo.
Em recolhimento, o cadáver de André de Albuquerque foi levado para Elvas, e velado na Igreja de S. Maria de Alcáçova, donde, com pompa militar, foi levado a sepultar na Igreja de S. Francisco dos Capuchos, a 16 de Janeiro. Morto o homem, nascia a lenda do maior dos Ribafrias.
Havia dezanove anos que os Braganças tinham recuperado o trono, mas nunca os espanhóis o reconheceram, persistentes, no Alentejo os portugueses batalhavam pelo Reino, sob o comando do conde de Cantanhede. Na frente contavam com mil homens, com armas e faxinas para cegar os fossos, comandados pelo general Diogo de Figueiredo, os infantes, cerca de três mil, eram comandados pelo conde de Mesquitela e por André de Albuquerque Ribafria, outros dois mil pelo sargento-mor Mendes Leitão. De reserva, dois mil mais, às ordens de Pedro de Lalande.
A artilharia ocupou posições perto de Amoreira, donde batia eficazmente o campo de batalha e bravos armados decidiam a sorte do reino. O troar das armas cedo virou para o lado português, cortando os homens de Diogo de Figueiredo as linhas, auxiliados pelos terços do conde de Mesquitela. Um fortim foi tomado, e pela brecha foram entrando as forças, que tomaram posição, pressionando os de Espanha.
André Albuquerque de Ribafria, 4º alcaide de Sintra, evidenciava-se no campo de batalha. De compleição rija, barba afiada, em forma de sabre, hábil manejador das armas, era uma lenda, qual Nuno Álvares, respeitado pelos pares e idolatrado pela soldadesca. Histórias a roçar a fantasia corriam pelos botequins e tabernas. Órfão aos treze, criado por D.Antão Vaz de Almada, treinara-se para as armas em Sintra, caçando com seu irmão Pedro sob o olhar do pai, Gaspar Gonçalves da Ribafria, o terceiro dos alcaides. Aos dezassete, combatera os holandeses no Brasil, aos dezoito herdara a alcaidaria. General com apenas trinta, nesse dia em transe cavalgou o campo de batalha, cerrando os dentes e incitando os homens:
-A eles, soldados! É Elvas ou o céu! -gritou, bramindo a espada, do cimo do cavalo que rodopiava num bailado bélico.Com o corpo marcado por sequelas do tropel, sofrera ferimentos na cara em Arronches, pisado no chão da batalha por cargas de cavalaria, e nessa altura quase dado como morto.
-O Forte da Graça já é nosso, vamos em apoio de Lalande, general! -sugeriu o conde de Mesquitela, mais cerebral.
Os soldados agigantaram-se sob o comando de Ribafria, o chefe que sabia recompensar, mas também castigar os que se lhe opunham. Adiantando-se numa zona mais alta, ficou alvo fácil dos de Espanha, e Don Luís de Haro, que comandava da retaguarda, vendo-o, ordenou o seu abate, cintilando no horizonte. Levantando um braço para repelir um peão, depois de já ter posto termo à vida a dois, uma bala assassina entrou-lhe pelo sovaco, mal protegido pela couraça. Os olhos ficaram turvos, o corpo mole, logo tombando desgovernado do cavalo. Em seu encalço foi Jorge da Franca, que lhe arrastou o corpo para junto de um sobreiro.
-Está ferido, General?
-Não é nada, Jorge -sorriu, passando a mão pelo braço estilhaçado, onde uma poça de sangue ia alastrando –nossa, e livre, será Elvas ainda esta noite, bom amigo!
-Vou chamar um físico, há que tratar o braço sem delongas, general!
-Não, deixa-atalhou, já pálido. -Diz a Afonso de Mendonça que finda a batalha mande um homem a Sintra, e diga a meu feitor que hoje um português que nunca temeu espada senão a da justiça, tombou em honra, no campo de batalha.
E cerrando os olhos, deixou-se partir, lentamente. Nervoso, o cavalo relinchou, órfão do companheiro de correrias pelo Alentejo, quase restaurado. Caída a noite, o cheiro a morte empestava os ares. Elvas estava liberta, e os espanhóis recuavam, dos dezoito mil, menos de um terço sobrevivera e recolhia a Badajoz. Pouco mais haveriam de durar as correrias, vencidos, os Filipes dobravam a espinha, perante a força indómita do povo.
Em recolhimento, o cadáver de André de Albuquerque foi levado para Elvas, e velado na Igreja de S. Maria de Alcáçova, donde, com pompa militar, foi levado a sepultar na Igreja de S. Francisco dos Capuchos, a 16 de Janeiro. Morto o homem, nascia a lenda do maior dos Ribafrias.
domingo, 11 de maio de 2014
Perigoso- um poema de Bárbara Rodhner
BÁRBARA ROHDNER
mete aqui o pé que eu como-te.
os homens estão moles,
as mulheres também.
Vive-se numa época de mijo - xisto que eu abomino
Quero a Silvia Plath de volta assim como a Virginia!
Não é justo que mulheres interessantes morram-mortas-suicidas pela ausência de seres que as fodam-com-poesia-e-tremores.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
À Pena, penoso acesso
JOÃO CACHADO
Até
nem precisaria de convidar o Presidente Basílio Horta para nos acompanhar na
subida. Desde que iniciou o mandato como Presidente da Câmara, já tantas vezes
terá feito este percurso que esta chamada de atenção apenas lhe servirá de
revisão da matéria. É a íngreme, sinuosa, belíssima e célebre Rampa da Pena,
permanente objecto da ofensa resultante de circulação acumulada de milhares e
milhares de automóveis que, ao longo de anos, todos os dias, a prejudicam de
todas as formas.
Directo
ao assunto, o que preocupa é o estado da estrada, nomeadamente, as bermas ou a
ausência das mesmas, as pedras soltas, grandes pedregulhos ameaçando queda, os
muros destruídos, meio tombados, escalavrados, árvores descarnadas, lixo
acumulado, em suma um desleixo de bradar aos céus que nos deixa
irremediavelmente envergonhados, desolados.
A
pé, como não raro o fazemos, a sensação é de total frustração, bem simbólica de
todo um estado de coisas, muito mais geral, que afecta todo o país. No entanto,
em Sintra, protagoniza uma lamentável atitude de ataque e de desrespeito pelo
património – que, ali, só podia e devia estar sendo defendido – como em
qualquer outro local, onde as memórias de cada um se cruzam e confundem com
experiências e vivências do passado e no presente, só possíveis porque o
espírito do lugar isso mesmo propicia.
“(…)
A estrada sinuosa vai contornando a serra como um abraço. Abóbadas de verdura
protegem-na do Sol, separam o viajante ciosamente da paisagem circundante. Não
se reclamem horizontes largos quando o horizonte próximo for uma cortina
cintilante de troncos e folhagens, um jogo infinito de verdes e de luz. (…)”
[José
Saramago, Viagem a Portugal, p. 173, 1ª ed., Círculo de Leitores, Lisboa, 1981]
Sabem
os meus leitores de há muitos anos que radicais motivos de defesa do ambiente
me têm determinado à proposta do encerramento ao trânsito de veículos
particulares para acesso aos pontos altos da Serra de Sintra. Contam-se por
dezenas, muitas, tanto no Jornal de Sintra como noutras publicações, também nas
redes sociais, as vezes em que tenho abordado esta matéria, louvando-me de
exemplos bem conhecidos por essa Europa fora. Neuschwanstein? Claro que sim,
por uma imediata analogia. Mas, tantos, tantos outros, onde o acesso motorizado
é totalmente impossível.
Teria
de recuar à década de noventa do século passado para vos lembrar a última
oportunidade em que aquela sábia medida foi concretizada. Aconteceu durante o
mandato de Edite Estrela que bem pode orgulhar-se de ter subscrito uma atitude
tão corajosa como culta e civilizada. Na sequência daquela benéfica prática,
aconteceu a lamentável reabertura do acesso a tais veículos, acabando por
incentivar e, paradoxalmente, potenciar a sua circulação com a instalação de
parques de estacionamento nas cercanias do Parque…
Parques
dissuasores de estacionamento, estrategicamente instalados nas zonas de
Ramalhão, Ribeira e Lourel, em articulação com carreiras de transportes
públicos para todos os destinos turísticos, incluindo os alternativos – desde
os veículos eléctricos ao funicular e às hipomóveis galeras de grande dimensão
– eis algumas das soluções que, muito mais cedo do que tarde, não podem deixar
de ser adoptadas em Sintra.
Actualmente,
sempre continuando a advogar a urgente concretização destas medidas, também sou
de opinião que será mais criterioso aguardar pela sua operacionalização para,
só então, encerrar definitivamente a Rampa da Pena. Entretanto, impõe-se que a
Câmara Municipal de Sintra providencie à imediata beneficiação da estrada em
relação aos aspectos referidos. Por todos os meios ao seu alcance. E, por
favor, sem delongas nem desculpas.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
terça-feira, 6 de maio de 2014
Os “Heróis” e os “Vencidos”! Os Saloios não tinham culpa
RUI OLIVEIRA
Localização do Casal da Carregueira
A reportagem
é antiga, de Julho 1912. Inflamada de retórica, de ideais republicanos, épica.
Não fora o número elevado de mortos, de ambos os lados dos contendores, e quase
nos ficava a impressão de que se tratou de uma justa medieva, entre Nobres
Cavaleiros, do Rei, e Cavaleiros Vilões ou Concelhios. Mas, não! Foi uma
situação verdadeiramente perigosa para Portugal. Ensaio sequencial de ataque e
defesa, fruto de uma atitude hostil que, durante mais de uma década, a elite
política portuguesa de ambos os lados, o Republicano e o Monárquico, foram
alimentando. Pelo meio o Povo, sofrido, esgotado pelo trabalho duro do
quotidiano, foi sempre a grande vítima.
Tirando esta
triste realidade, subjacente da reportagem da Ilustração Portuguesa, número
335, de 22 de Julho de 1912, desenvolvida ao longo de 26 páginas, constatamos
que a contenda, tanto política como armada, entre os dois antagonistas,
decorreu exclusivamente em ambiente de Revancha. Do lado Monárquico, um dos
mais brilhantes oficiais do Exército, Henrique Paiva Couceiro. Figura Ilustre
da História Portuguesa, na viragem do seculo século XIX-XX. De forte cunho
tradicionalista monárquico, ideólogo a quem chamavam de paladino da Causa Real
Portuguesa. Do outro, uma elite política, heterogénea, de raiz cosmopolita,
apoiada em lojas maçónicas tanto civis como militares.
Seja como
for esta foi a segunda de três tentativas, de restaurar a monarquia. Ocorreu entre
6 e 8 de Julho de 1912. Teve como estratégia a entrada de uma coluna militar,
armada e municiada em Espanha, pela fronteira de Chaves. Para daí marchar, com
apoio da população e das forças militares locais, sobre Lisboa. No caso
concreto do Casal da Carregueira, em Belas, este funcionava como ponto de apoio
“dissimulado” e, fazendo fé na reportagem, como possível paiol. Da profusa
foto-reportagem, aliás excelente e trabalhosa dada a época, duas fotos alusivas
a populares, chamam a atenção; a primeira, mostra-nos seis indivíduos, quatro
homens e duas mulheres, uma delas perfeitamente “alheada” da situação
retratada, pois está a fazer renda. A segunda é a família do caseiro do Casal
da Carregueira, em pose estática, própria de quem não sabe o que se passa. É
caso para dizer os Saloios não tinham culpa. Mas outros tiveram e muito, foram
julgados e temos notícia disso. Os vencedores, republicanos, seriam julgados
mais tarde num golpe de 28 de Maio de 1926, cuja designação foi muito
elucidativa: Ditadura Nacional. O povo…… esse “Mouro de Trabalho” em nada “teve
voto”, mas os Saloios, também, não tiveram culpa.
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