JOÃO RODIL
No próximo ano
comemoram-se 20 anos da elevação de Sintra a Paisagem Cultural da Humanidade,
pela UNESCO. É louvável e justo que se comemore esta efeméride, pois levou o
nome e as belezas de Sintra mais além, trouxe mais pessoas com vontade de
conhecer as nossas paisagens e monumentos, obrigou os portugueses e, muito
particularmente, os sintrenses a defenderem e a zelarem por este lugar único no
mundo. Temos, hoje, uma maior consciência patrimonial e ambiental. Estamos mais
atentos e despertos para acudirmos ou denunciarmos atentados contra a Natureza
ou a nossa História.
Mas nem tudo são rosas
neste glorioso Eden que Byron tão bem soube cantar. Sintra merece mais e
melhor. E para atingirmos outros níveis de excelência não são necessários
projectos megalómanos, nem tiradas demagógicas e desculpas esfarrapadas com as
quais já estamos habituados a conviver. Basta amor ao espírito do lugar.
Sem querer apontar o
dedo ou melindrar alguém ou alguma instituição, porque o que está feito, feito
está, e o que não está ainda vai a tempo, obrigo-me a deixar aqui dez questões
sobre o património de Sintra. Porque me preocupo. Porque amo esta terra.
1.
Quem fiscaliza os espaços históricos, na
posse de particulares, inseridos na área de Património Mundial? Tem a Câmara de
Sintra, o IGESPAR, o Ministério do Ambiente, alguma entidade fiscalizadora das
obras nessas propriedades? Alguém sabe o que se passa no interior do Paço dos
Ribafria, em pleno Centro Histórico? Alguém sabe que obras foram feitas na
Quinta da Penha Verde? Alguém sabe quando é que a Quinta do Relógio será
recuperada? E o Convento da Trindade, ainda permanecem na casa e na cerca todos
os seus valores artísticos?
2.
O património sob a alçada do Patriarcado
é uma incógnita. Obras de dimensão foram feitas na Quinta do Saldanha. Sabemos
quais e que possíveis danos causaram? As igrejas e capelas – mesmo as do Centro
Histórico, como São Martinho, Misericórdia, Santa Maria – estão quase sempre
encerradas ao público. Não seria bom abrir esses espaços, numa coordenação
entre as paróquias e a Câmara Municipal?
3.
Quanto ao património da responsabilidade
da empresa Parques de Sintra – Monte da Lua, apesar de reconhecer o bom
trabalho efectuado em muito dele (Chalet da Condessa, Monserrate, Pena, Castelo
dos Mouros, etc.) existem, no entanto, algumas questões pertinentes, sobretudo
para a nova direcção que se avizinha. Para quando a recuperação da Quinta da
Amizade? Vão deixar desaparecer de vez, já que se encontra em avançado estado
de ruína, o Chalet da Tapada do Mouco, casa do Infante dom Afonso? E o Palácio
de Queluz? Já existe um projecto de recuperação e restauro?
4.
A Quinta da Regaleira, nas mãos da
CulturSintra que, parece, vai deixar de existir e a responsabilidade passará
para a Câmara Municipal, é um espaço que dá lucro. Muito mais poderia dar, em
meu entender. Mas, então, não podemos deixar de perguntar, passados tantos anos
da sua aquisição, para quando as famigeradas obras de restauro do palácio? Vamos
continuar, eternamente, com as salas emplastadas por painéis de contraplacado?
Não seria de aplicar alguma da verba ganha nessa recuperação?
5.
Infelizmente, muitos dos edifícios
degradados no Centro Histórico de Sintra são propriedade do Município. Basta assinalar
o vasto conjunto de casas abandonadas das Escadinhas do Hospital ou a do Rio do
Porto, que eram duas e uma delas já foi recuperada por um particular. Uma
instituição com responsabilidade máxima no seu território, como é o caso da
Câmara Municipal, tem que dar o exemplo. Exigir aos outros aquilo que não faz é
imperdoável.
6.
Tenho ouvido falar do súbito nascimento
de várias unidades hoteleiras em Sintra. Parece que estão para vir aí vários
desses estabelecimentos. São úteis e necessários, pela fixação do turista no
concelho, pela criação de emprego, pela geração de riqueza. Mas isso não pode
ser feito a qualquer preço. A Câmara adquiriu o Hotel Netto e agora diz-se que
o problema é o dinheiro que custa manter a sua fachada! Mas poderia ser de modo
diferente? Não se sabia, de um saber obrigatório, que a fachada era para
manter? É a Câmara que deve obrigar a manter todas as fachadas e, obviamente,
obrigar-se a si própria. E a Quinta da Torre dos Ribafria? Aquele valiosíssimo
património da História de Sintra e do país vai ser apenas uma unidade
hoteleira, com obras e gestão a cargo de privados? Então e o Palácio dos
Gandarinha? Esse celebérrimo esqueleto em pé (ainda), verdadeiro postal
turístico para quem entra na vila de Sintra?
7.
Há, no Centro Histórico, por inépcia ou
ignorância, alguns pedaços do património verdadeiramente esquecidos. Um deles,
e que me dói particularmente, é o medieval Celeiro da Jugada. Não se pode
adquirir aquele espaço, recuperá-lo e torná-lo público? E para quando um
restauro integral do V Passo da Via Sacra, em frente ao Museu Ferreira de
Castro? E a reposição das duas cobaias junto ao monumento ao Dr. Carlos França?
Sintra é feita de pormenores. Todos eles são importantes na dimensão universal
do seu património.
8.
Três destacados edifícios, todos eles
carregados de História longínqua, que se encontram devolutos e, por enquanto,
sem destino que se conheça. Falo do antigo Hospital de Sintra que pertenceu, ou
ainda pertence, à Misericórdia. Que solução? E o edifício dos Correios,
encerrado há tempos? Mais recentemente, a antiga Casa da Câmara, mais conhecida
como Museu do Brinquedo. Para que vai servir? Não me digam que vai ser mais uma
unidade hoteleira… Acho que ali ficaria muito bem um espaço museológico da
caricatura e do cartoon ligado a Sintra (Stuart Carvalhais, Francisco Valença,
Bordalo Pinheiro, Vasco de Castro, Maria Almira, Leal da Câmara, José Smith,
etc.). Fica aqui uma sugestão para o nome: Museu do Traço.
9.
O trânsito na Vila de Sintra. Filas
intermináveis de automóveis e autocarros a expelirem fumo horas a fio, no
coração de um espaço que se diz Paisagem Cultural da Humanidade. Que
preocupações ambientais e patrimoniais temos nós que permitimos este absurdo?
Não são medidas pontuais que resolvem este grave e nocivo problema. Mais silo
menos silo, mais parque menos parque, a solução deve passar por um projecto
integrado. Porque não voltar a colocar o Eléctrico a fazer o trajecto Estefânia
– Vila, passando pela estação de comboios? Creio que seria uma solução positiva
com duas faces: por um lado, o Eléctrico não é poluente e, por outro, poderia
rentabilizar aquele histórico meio de transporte, mesmo na época baixa. Porque
não utilizar autocarros não poluentes a fazerem o transbordo dos parques e
silos? Porque não restringir o trânsito e estacionamento a moradores, com
horários definidos para cargas e descargas?
10. O
Património Imaterial de Sintra. É urgente a sua difusão e o seu aproveitamento,
como mercado cultural de excepção. Valorizar esse património é valorizarmos a
nossa memória, a nossa identidade. A Literatura, nacional e estrangeira,
relacionada com Sintra é, talvez o maior monumento que possuímos. As nossas
lendas, usos e costumes são verdadeiramente únicos e deveras cativantes para
quem nos visita e com eles contacta. Não se fixam turistas apenas com hotéis. É
preciso muito mais. Cultura, diversão, espaços de lazer e de contemplação. Sem
o trânsito caótico de hoje, pode trazer-se cultura para as ruas, esplanadas e
música, teatro ao ar livre e poesia. Muita poesia, sobretudo, que é,
actualmente, coisa escassa no coração humano.