ANDRÉ MANIQUE
A Nau do séc. XVII e o seu naufrágio em 1621 (muitas
vezes confundido com o da Nau do mesmo nome, naufragada em 1651 em Buarcos, na
Figueira da Foz ou com o da naveta ao largo da Praia das Maçãs, em 1637), entre
a Ericeira e o Cabo da Roca, tem levantado múltiplas questões ao longo dos
últimos três séculos. Primeiro, e logo após o naufrágio, a da responsabilidade
do então general da armada D. António de Ataíde, acusado de não ter acorrido em
seu socorro logo que se souberam as notícias de uma armada de corsários
turco-argelinos nas imediações. Por fim, e já mais recentemente, a localização
do naufrágio, bastante procurado por equipas de caçadores de tesouros.
Esta Nau, de 22 peças de artilharia, foi a vigésima
primeira a ser baptizada em honra de Nossa Senhora da Conceição.
Comandada
por Jerónimo Correia Peixoto, largou de Goa no dia 1 de Março de 1621, com
destino a Lisboa, juntamente com a Nau Nossa Senhora da Penha de França.
Transportando pimenta, pedrarias e sedas, e abarrotada de passageiros com suas
respectivas bagagens tornou-se uma presa apetecível, não só durante o seu
percurso, como também pelos actuais caçadores de tesouros.
As
duas naus suportaram durante mais de um mês um fortíssimo temporal ao largo do
Cabo da Boa Esperança, acabando por se perderem de vista. Continuando sozinha,
a Nossa Senhora da Conceição fez escala na ilha de Santa Helena, onde viria a
morrer de acidente Jerónimo Correia Peixoto. O comando da nau foi entregue a D.
Luís de Sousa, que a dirigiu para os Açores. Ao largo do Faial voltou a
encontrar forte temporal, sendo necessário aportar na Terceira. Aqui foi-lhes
alertado, por duas caravelas que traziam notícias do reino, para o perigo de
encontro com uma frota de piratas argelinos, que se sabia rumarem de Argel em
direcção à costa portuguesa.
Com
apenas 14 artilheiros e 6 soldados e com poucos tripulantes para pegarem em
armas, D. Luís de Sousa pede ao governador da Terceira alguns soldados para
ajudarem a engrossar a guarnição da sua Nau. O pedido foi aceite, porém logo se
constatou que os embarcados ou eram bastante idosos, ou os mais novos, não
tinham qualquer experiência. Ainda assim foi então decidido rumar até à costa
portuguesa pelo norte das ilhas Berlengas, onde uma esquadra de Guarda-Costas
de D. António de Ataíde a escoltaria até à barra do Tejo.
As
Berlengas são avistadas a dia 8 de Outubro. Durante a madrugada avistam-se
alguns vultos de navios no meio da neblina e a ouvem-se vozes, o que fez os da
Nau de D. Luís de Sousa julgarem tratar-se da esquadra de D. António de Ataíde.
Mas o amanhecer logo veio revelar o mais temido. A Nossa Senhora da Conceição
encontrava-se rodeada de cerca de 17 naus e patachos Argelinos, cada um deles
com cerca de 30 a 40 peças de artilharia. Comandados por Tábaco-Arrais, esta frota
já havia capturado dias antes, ao largo do cabo Espichel, 19 navios ingleses. A
nau da Índia, carregada e solitária, mostrava-se assim uma presa fácil. Forçado
a navegar em direcção a terra, D. Luís de Sousa prepara-se no entanto para o
combate. Sendo mais velozes, os navios de Tábaco-Arrais logo se aproximam,
disparando um tiro de salva, no intuito de deter o navio português. Ao
responder com um tiro de bala, começou um prolongado combate de cerca de onze
horas, no qual a Nossa Senhora da Conceição sofreu vários bombardeamentos de
través, ficando bastante danificada e com inúmeros feridos. Um desses feridos
foi o próprio D. Luís de Sousa, que foi obrigado a comandar as operações
deitado sobre um caixote. Os argelinos, no entanto, também sofreram várias perdas.
A artilharia portuguesa era de maior calibre, provocando graves danos no casco
e aparelho dos navios argelinos, bem como numerosos mortos e feridos entre os
mesmos. Um dos navios argelinos mais atingidos, estando a meter água, resolve
abordar o navio português, travando-se um duro combate no castelo da proa.
Amontoados em tão reduzido espaço os argelinos tornam-se presa fácil. Um deles,
mais atrevido, resolve cortar os cabos de manobra das velas para tentar reduzir
a velocidade da nau. Por engano, corta os cabos errados, fazendo cair
estrondosamente a verga da Gávea sobre o castelo, matando grande número de
argelinos. Os restantes, que não tiveram tempo de se atirar ao mar, foram
mortos pelos portugueses
Com
os seus navios bastante danificados os argelinos acabam por desistir da
perseguição, afastando-se com o cair da noite para oeste. A Nossa Senhora da
Conceição continuou a navegar em direcção à costa, bastante danificada. Mais de
30 mortos e feridos e dos 14 artilheiros, apenas 1 sobrevivera.
A
10 de Outubro é avistada a Ericeira. D. Luís de Sousa decide então aí fundear,
com o objectivo de pedir reforços para o caso de um novo ataque argelino.
Foi-lhe proibido fundear com o argumento que não era possível dar abrigo nessa
época do ano e aconselhado a dirigir-se para o largo, onde a esquadra de D.
António de Ataíde o aguardava. Foi-lhe também recusado o pedido de recolha dos
feridos, mulheres e crianças, por terem ordem de não atracar à nau. D. Luís de
Sousa não teve outra alternativa se não abandonar o intento e dirigir-se para o
largo, na esperança de encontrar a frota do capitão da armada de costa. Sem o
habitual vento de feição de noroeste, e incapaz de navegar mais rapidamente
para sul, a nau volta a encontrar-se com a armada de Arrais no dia 11 de Outubro,
entre a Ericeira e o Cabo da Roca. Da esquadra de D. António de Ataíde nem
sinal.
Depois
de pesados bombardeamentos por parte da frota argelina e uma abordagem do
navio, a Nossa Senhora da Conceição acabaria por incendiar-se, afundando-se com
toda a riqueza que trazia da Índia. Os portugueses que se salvaram foram feitos
cativos e levados para Argel, entre os quais, o heroico capitão D. Luís de
Sousa, que viria a falecer dos ferimentos causados três dias depois. Alguns dos
cativos conseguiram voltar ao reino após pagamento do resgate. Entre estes
constava João Carvalho Mascarenhas, libertado em 1625 ou 1626, e que viria a
deixar o seu testemunho na sua Memorável Relação da Perda da Nau Conceição.
Esta narrativa relata os eventos que estiveram relacionados com o naufrágio da
Nossa Senhora da Conceição, bem como o seu período de cativeiro em Argel.
A
D. António de Ataíde foi imputada a culpa da perda da nau da Índia e preso no
Limoeiro. O processo arrastou-se por três anos. Como defesa, D. António de
Ataíde justificou a incapacidade de poder socorrer a Nau, como era seu dever,
devido às condições de navegação que se faziam sentir na altura do infortúnio,
tentando no entanto perseguir a armada argelina no mar alto, porém sem sucesso.
Acabaria por ser considerado inocente.
BELLO,
Mónica. A Costa dos Tesouros, Temas e Debates, 2006.
PEREIRA,
José António Rodrigues. Grandes Naufrágios Portugueses (1194-1991), A Esfera
dos Livros, 2013.
DOMINGUES,
F.C ; GERREIRO, Inácio. D. António de Ataíde, capitão-mor da armada da Índia de
1611 in A Abertura do Mundo, Estudos de História dos Descobrimentos Europeus,
Vol. II, Editorial Presença, 1987.
MASCARENHAS,
Joam Carvalho. Memoravel Relaçam da Perda da Nau Conçeicam, Lisboa, 1627.
Muito obrigada.
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