quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti

FREDERICO PARADELA DE ABREU


Nenhum homem é uma ilha, escreveu John Donne. Pois as diferentes áreas do saber também não devem ser ilhas. A insularidade intelectual não tem cabimento nos tempos actuais quando vivemos em sistemas abertos e extremamente voláteis.



No mapa mundi do conhecimento, vermos nitidamente determinada geografia mas olharmos para o lado e vermos tudo escuro é potencialmente das situações mais perigosas em termos de tomada de decisão e interacção com os diversos agentes do ecossistema laboral, pois essa nitidez afunilada trará falsa confiança (e até arrogância) à nossa leitura de determinada situação. Essa escuridão são os limites do nosso conhecimento. Aqui, digo: entra depressa nessa noite escura – só assim conseguiremos alargar o nosso mapa. Todos os elementos estão ligados entre si, afectando e sendo afectados, formando a grande rede de conhecimento. A tendência de compartimentarmos as diferentes áreas pode enevoar a nossa noção de interdependência das mesmas. Nada é sozinho, tudo é sistémico.



Quem quiser seguir o caminho da especialização (estrita) que o faça consciente de que se está a enfraquecer e que se tornará, isso sim, um especialista em tomar más decisões e não propriamente um especialista na área em que se decidiu isolar. Nada é sozinho, tudo é sistémico.



Tirar, por exemplo, uma licenciatura em Marketing e depois um mestrado em Marketing é das decisões mais absurdas que se pode tomar porque não irá acrescentar novas competências e noções às suas capacidades e acabará por cair na armadilha da nitidez afunilada. Se os títulos académicos forem frequentados na mesma instituição de ensino então deliberadamente oficializam a estagnação. Cada instituição de ensino tem o seu próprio mindset, a sua maneira de interagir com o conhecimento e com o mundo. Quanto mais essa idiossincrasia for diferente da nossa, maior é o crescimento profissional. Não há que temer o contraste, antes pelo contrário. Além do mais, em qualquer conjunto de pessoas (empresas, escolas, associações, grupo de amigos, et cetera) criam-se vícios que são indetectáveis aos «insiders». Dinâmicas que se cristalizam dentro de cada sistema e que tipicamente são anti-benéficos, ou até mesmo maléficos, sendo muito difícil ganhar-se consciência delas. Estes vícios são inerentes a qualquer sistema social, é possível fazer-se frente a eles mas são como ervas daninhas que, de x em x tempo, acabam sempre por voltar. O truque é mudar o contexto com regularidade.



Fazê-lo (repetir a área de formação) sob o desígnio de seguir a carreira académica desembocará a média prazo (quando estiverem a leccionar as suas unidades curriculares) em mais iatrogenia no ensino em Portugal. A empatia (cuja Psicologia define como a capacidade de compreender a perspectiva psicológica do outro) é fundamental para exercer qualquer actividade de forma integrada e realmente proveitosa para sociedade. A melhor maneira será, certamente, a de compreender a perspectiva do outro através da formação em áreas diferentes do background de base. O truque é mudar o contexto com regularidade.



Quem quiser fortalecer-se profissionalmente (entre as várias consequências deste fortalecimento a mais tangível será provavelmente a progressão na carreira), mude de cargo, mude de departamento, mude de área, mesmo que seja temporariamente, o regresso será robusto. O saldo entre o tempo em que não esteve a ganhar a experiência no seu antigo trabalho e o desenvolvimento de aptidões e noções da nova área é sempre positivo*. O cruzamento das perspectivas das diferentes áreas engrandece a nossa capacidade de trabalho e o nosso output. Na qualidade de pessoa não formada na área da medicina, creio que esta ideia de «cruzamento» poderá estar ligada ao facto de não ser o número de neurónios que determina os nossos dotes cerebrais mas sim o número de ligações (sinapses) entre eles. O cruzamento de perspectivas melhora o resultado.   



Num plano mais macro, a teoria de David Ricardo (luso descendente), sobre a especialização, é perigosa porque deixa os países altamente vulneráveis a mudanças de circunstâncias. Se as pessoas deixarem de consumir vinho (não pensem que este cenário é assim tão improvável, basta observar o comportamento dos consumidores ao longo dos tempos) ou se surgir outra praga, cujo impacto seja semelhante ou maior que o da filoxera, Portugal, caso tivesse depositado todos os seus esforços nesta especialização, ficaria devastado e sem armas para se defender ou, usando uma linguagem na linha do contexto, sem vantagens competitivas. Isto é válido também para regiões. O turismo em Sintra tem vindo a crescer fortemente e ainda há muito potencial para ser aproveitado. Se a Câmara Municipal de Sintra apostar exclusivamente no sector do turismo e este sofrer uma quebra, a economia da região quebrará com ele. O ecletismo combate a dependência.



Individualmente, ser ecléctico estimula-nos a explorar diferentes caminhos. Cada caminho trabalha-nos de forma única mas o seu desenvolvimento espalha-se sobre os demais. Esta é a linha de pensamento que tem vindo a ser desenvolvida até aqui. Mas o outro aspecto benéfico do ecletismo advém da criação de uma diversidade de caminhos que resulta em menor vulnerabilidade caso as coisas não corram bem num deles. O ecletismo combate a dependência. 



Num plano menos profissional, creio que uma actividade saudável para sairmos da nossa ilha passa por nos relacionarmos com todo o tipo de pessoas – todo o tipo. Sejam curiosos, façam perguntas, e liguem a escuta activa. Isto ajuda-nos a ver como essas pessoas (que têm diferentes percursos de vida) captam, de forma diferente, a mesma realidade. Não fiquem introvertidos por irem a festas em que só conhecem o aniversariante (mas preparem uma desculpa de salvaguarda caso não estejam a divertir-se muito – o que acontecerá muito menos vezes daquilo que expectavam), são oportunidades formidáveis para privarmos com pessoas de backgrounds bastante diferentes do dos nossos círculos de amigos. O cruzamento de perspectivas melhora o resultado.    



* ”Sempre?! Mas quem és tu para falares com essa convicção?!? Meu zé-ninguém sem experiência!” – Anónimo com experiência profissional mas que provavelmente sofre de nitidez afunilada.

Resposta: Procura olhar para o conteúdo da ideia e não para o cargo ou status da pessoa.



Estilo de rima emparelhado:



A – Nada é sozinho, tudo é sistémico



A – Nada é sozinho, tudo é sistémico



B – O truque é mudar o contexto com regularidade



B – O truque é mudar o contexto com regularidade



Estilo de rima interpolado



A – O cruzamento de perspectivas melhora o resultado



B – O ecletismo combate a dependência



B – O ecletismo combate a dependência



A – O cruzamento de perspectivas melhora o resultado


Sem comentários:

Enviar um comentário