segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Desarmadilhar Sintra

JOÃO CACHADO
 
Se ainda precisa fosse qualquer demonstração suplementar para confirmar como Sintra  continua armadilhada, os feriados espanhóis entre os dias 4 e 8 deste mês de Dezembro, que tiveram o condão de exportar para este extremo sudoeste dezenas de milhar de viaturas, acabaram por confirmar como não há sequer uma hora a perder relativamente às soluções que cumpre concretizar imediatamente.

Neste quase fim de ano e, apenas há meia dúzia de dias, tendo celebrado a redonda data das duas décadas da classificação pela UNESCO de Sintra como Paisagem Cultural da Humanidade, gostaria de partilhar com os leitores, pela enésima vez,  algumas preocupações acerca de um assunto indissociável, qual seja o do acesso às sofisticadas peças de património paisagístico e edificado da sede do concelho.

Afectas à administração e gestão da Parques de Sintra – entidade que, pela terceira vez, acaba de ser considerada como a melhor do mundo em conservação do património – Castelo dos Mouros, Palácio e Parque da Pena, Palácio e Parque de Monserrate e Palácio Nacional de Sintra, são autênticas jóias da coroa que, de facto, não poderiam estar mais bem entregues.

Implantadas em plena Serra, nos pontos altos, a meia encosta ou pontificando no Centro Histórico, suscitam a procura anual de cerca de dois milhões de visitantes que, muito natural e justamente, Sintra pretende cativar, no sentido de cá passarem o máximo do seu tempo disponível, com as inerentes mais-valias.

Para o efeito, imprescindível se torna que a significativa percentagem de tais visitantes, que chega a este destino conduzindo a sua viatura, a possa estacionar civilizadamente, tal equivalendo à já decidida mas ainda não concretizada instalação dos imprescindíveis parques periféricos.

É impossível pensar noutros termos, noutro tipo de parques, já que os de proximidade, a exemplo do que aconteceu com o projecto do subterrâneo na Volta do duche, foi liminar e terminantemente condenado, aliás, porque tal hipóteses de solução até já tinha sido abandonada em qualquer latitude com idênticas características

Portanto, só por fatal ignorância, infelizmente, como tenho continuado a assistir, alguém poderá hoje advogar tal opção que, cumulativa e sintomaticamente, é deveras contundente para a memória de imensa quantidade de militantes da defesa do património, gente como eu e tantos amigos de Sintra, de todos os pontos do país e estrangeiro, incluindo artistas, mulheres e homens das Artes e das Letras, que tanto se empenharam, impedindo a construção de um parque de estacionamento a poucas dezenas de metros do coração de Sintra.

Há quinze anos, a mobilização dos cidadãos conseguiu evitar uma aberração. Será ainda preciso vincar e repetir que essa força residual de cidadania persiste? E que, surgindo  qualquer novo projecto de réplica, a mais ou menos duzentos metros, quer no Vale da Raposa quer nas suas imediações, o resultado será idêntico? Porque, caros leitores, se há quinze anos, já não era possível, agora muito menos!

Portanto, parques periféricos! Inequivocamente, parques periféricos, com a máxima celeridade, nos locais já selecionados, a partir dos quais funcionarão carreiras de transportes público para todos os destinos, incluindo os pontos altos da serra, destinos aos quais, pura e simplesmente, deixarão de aceder quaisquer veículos particulares através da Rampa da Pena. Naturalmente, tal não contunde com a devida manutenção e requalificação das pequenas bolsas de estacionamento já existentes.

Como tenho acompanhado o processo de perto, sei que a Câmara Municipal de Sintra está igualmente preocupadíssima com a situação. Na realidade, Sintra não tem mais quaisquer folgas. Os prazos estão esgotados e, neste momento, com a autoridade democrática que detém, depois de ouvidos todas as partes interessadas, uma vez decidida a moldura integrada de soluções, resta actuar.

A classificação atribuída pela UNESCO há vinte anos continua a exigir o melhor de nós. As tais jóias da coroa pressupõem que, a montante, tudo funciona no sentido de que o próprio acesso já seja uma atitude cultural e civilizada. Desgraçadamente, com a sucessiva protelação de medidas que, afinal, são inevitáveis, não temos dado prova cabal de capacidade que se nos impõe.  Concluo como iniciei, enfatizando que não há sequer uma hora a perder.



[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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