Eram quatro cadeiras e uma mesa.
Era
um sofá e, em frente, o aparelho de televisão.
Era a sala.
Na
sala, ela passava a maior parte do dia. Almofada ao canto do sofá, caneca ao
lado.
Olhava
o tecto, olhava as paredes. A mancha de humidade ao lado da janela, a mosca que
se fora enredar numa teia de aranha.
Ninguém para contar o que não acontecia. E as horas, umas atrás das
outras.
Um
golo de café.
Na
lembrança, uma campainha a marcar o intervalo de dez minutos que parava a
oficina. Deixavam-se as mesas de corte, as máquinas de costura. Corria-se para
os sanitários.
“Despacha-te!”
“Estou
aflita...”
“Aflita!”
“Olha...
adiantou-se-me a coisa, este mês!”
“Antes
isso...”
“...antes
isso!
A
água remoinhava, as portas batiam. E já se estava na fila diante da máquina das
bebidas.
De copo na mão, tornava-se ao giz e às
tesouras. Às máquinas que juntavam, cosiam, rematavam.
Por
quanto tempo, até à saída do turno?
Era
ele quem saía, de manhã, para fazer as compras. Trazia o pão, a hortaliça,
alguma fruta, algum peixe.
Carne? Quase nunca.
“Faz
melhor não comer”, dizia. “ E ao preço que está...”
Era
ele quem governava o que ambos recebiam de reforma.
“É
pouco, e tem de ir chegando...”
Quando
ele voltava da rua, ela ia para a cozinha. Fazia a sopa e amanhava o peixe, se
havia peixe.
“Já quase não sei assar um frango!” – dizia,
às vezes.
Entrecosto?
O que levava de tempero? E fritar, como se fritava?
Ao
passar do meio-dia, punham a sopa na mesa e comiam.
Depois,
ela levantava-se e lavava, arrumava os pratos. Voltava para o canto do sofá.
Outro
golo de café.
E,
se precisava dar algum ponto, ia buscar o dedal, agulha e linhas.
Guardava
a caixa da costura no móvel da televisão.
Armário
em madeira, baixo, de um modelo que se usara muito noutro tempo.
“Estilo
rústico”.
A
caixa era de folha, o fundo picado pela ferrugem, tampa amolgada. Tinham-lha
trazido de Espanha, cheia de caramelos.
Emparelhava
as peúgas que acabara de pespontar.
“Estão
a ficar usadas. Mas, por agora...”
Ele
ainda as iria calçando.
Recostava-se
na almofada e olhava para cima, para o tecto. Depois para a parede, onde a
humidade continuava a entranhar-se.
Ele
olhava para fora
Arredara
da mesa uma das cadeiras e fora sentara-se no vão da janela.
A
rua por baixo, feita de gente a pé, postes de candeeiros, um ou outro toldo.
Água de uma ruptura a jorrar para as sarjetas. Os carros à pressa pelo asfalto,
e um autocarro que dava a curva para outra rua.
A
outra rua tinha árvores dos dois lados. E ia dar a um jardim.
Ela
tornou a ouvir a campainha.
Agora
a do fim do turno, que as punha de corrida para os vestiários. E de corrida,
transpunham a porta, o portão.
Ela
também corria.
Ao
princípio porque era rapariga e ia namorar. Depois mulher casada, com pressa de
chegar a casa, compor os desalinhos, fazer o jantar.
Um
dia, depois das férias, ela e as outras encontraram as oficinas vazias. Em duas
semanas, as máquinas tinham sido vendidas. A fábrica fechada.
Gritos.
Vigílias. Desemprego.
“Pois
foi...”
Até
que chegara a idade da reforma.
Levantou-se
para ir buscar mais café.
Voltou.
Sem
deixar de olhar a rua, ele disse que o dia estava no fim e era Outono.
Engano:
“Já
é noite... e o Outono só acontece com o cair das folhas”.
Com
o vento que as leva, e outras coisas que desencantados e poetas costumam inventar.
Não.
Não era Outono.
Mas talvez
já se estivesse chegado ao Inverno.
Ele
chamava-se Camilo. Ela Cassilda.
Alguém
lhes quer dar outros nomes?
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