Morador em São Pedro de Penaferrim e amador da história do lugar. Reabriu a Sala de Banhos de Santa Eufémia e concebeu o Roteiro Medieval de São Pedro.
A reabertura em 2013
Por ocasião do IV Encontro de História de
Sintra, numa das comunicações, ouviu-se falar
da distinção, na idade média, entre a Sintra
militar e a Sintra do desenfado.
Ou seja, da existência, na idade média, de, primeiro, uma Sintra militar, com funções militares,
com o seu castelo. E mais tarde, uma
Sintra do desenfado, do veraneio, do prazer.
Podemos então falar de uma Sintra militar e do desenfado, e estudá-las,
neste momento em que nos orgulhamos de sermos uma Sintra turística, comentada em todo o mundo.
Mas há ainda, durante a idade média, uma Sintra, da qual muito pouco se tem
falado. A Sintra medicinal. E é dela
que se escreve um pouco, como introdução ao relato da reabertura, em 2013, dos
Banhos de Santa Eufémia da Serra.
A primeira provável fonte escrita, surge-nos
no Séc. XII, escrita por Osberno, um cruzado inglês, homem erudito, que vem na missão estrangeira e ajuda D.
Afonso Henriques a tomar a cidade de Lisboa, em 1147. A carta é muito conhecida
e é o relato da tomada da cidade, traduzido do latim para português pela
primeira vez em 1935.
E o que nos diz este homem estrangeiro sobre
Sintra, onde provavelmente nunca esteve, no Séc. XII, num território que ele não conhecia, ocupado
pelos mouros há séculos? O que ouviu ele, à distância, sobre Sintra ?
“Fica-lhe próximo (de Lisboa) o castelo de
Sintra, à distância de quási oito milhas, no qual há uma fonte puríssima, cujas
águas, a quem as bebe, dizem, abrandam a tosse e a tísica ; por isso quando os
naturais dali ouvem tossir alguém, logo depreendem que é um estranho...”.
Ou seja, houve tempo em que Sintra era conhecida
pelo seu castelo, mas sobretudo por uma fonte. Uma fonte com características
medicinais especiais.
Que fonte era esta? Não sabemos ao certo.
Mas, por tudo o que se pode supor sobre a antiquíssima aura de Santa Eufémia da
Serra; por tudo o que se sabe sobre a antiquíssima utilização da sua água para
fins medicinais, não se podendo considerar como certo, pode-se, contudo,
aceitar como o mais provável, ser a de Santa Eufémia a fonte de que nos fala
Osberno, nesse remoto século XII.
Félix Alves Pereira, em 1931, afirma-o implicitamente: “Não se trata
de qualquer nascente de água comum, mas de uma que, na grande antiguidade, foi
alvo de culto pagão, cuja natureza, a cristianização dos povos transformou,
coroando a construção fontenária com uma cruz, e erigindo, próximo do sítio,
uma ermida...”.Vid. “Sintra Do Pretérito”.
É desta opinião também Francisco
Gonçalves, em “Arquivo do Concelho de
Sintra”, de 1941, recentemente reforçada por José Cardim Ribeiro em
“Contributos para o conhecimento de cultos e devoções de cariz aquático relativos
ao território do Município Olisiponense”, de 1983, disponíveis na excelente Sintriana, da Biblioteca Municipal de
Sintra. O IGESPAR também assim o considera.
Em Março de 2013, os Banhos de Santa Eufémia
(fonte e sala de banhos) estavam em perfeito descuido e a sala dos banhos
estava fechada, pensa-se que desde os anos setenta. Um ácer de algumas centenas
de quilos tinha crescido junto ao beirado e ameaçava ruir o tecto da sala.
O autor deste artigo, no contexto da
realização de um roteiro que une os peculiares vestígios da medievalidade em S.
Pedro de Penaferrim, manifestou vontade de recuperar este espaço, de suprema
importância para a história local.
O único relato vinha de um sampedrino, o
último da última família a residir nas casas dos romeiros, junto à ermida.
Lembrava-se vagamente de, pelos anos 70, sendo ele ainda muito novo, ter
derrocado o frontispício da fonte, e de
seu avô e seu pai terem desentulhado o espaço para o terreno fronteiro, continuando assim a poder utilizar a água da fonte,
elevada para as casas por bomba eléctrica.
No dia 14 de Abril de 2013, obtém-se
autorização da “Parques de Sintra-Monte da Lua” que, juntamente com a autorização
da Paróquia, e uma parcelar colaboração financeira da Junta de Freguesia de São
Pedro, por indicação do seu presidente, Sr. Fernando Cunha, permite o começo do
trabalho no dia 15.
Com uma porta de chapa metálica fechada há
décadas, não havia relato do interior da sala dos banhos.
Após a limpeza do perímetro exterior, a
porta é aberta no dia 20 de Abril,às 11.30h, com a presença de praticamente
todos os intervenientes neste processo.
Lá estava tudo como tinha descrito Félix
Alves Pereira, em 1931: a pequena sala, de tecto abobadado, com o seu nicho e o
seu antiquíssimo tanque de pedra, onde se banharam inúmeros enfermos, ao longo
de séculos, na esperança de melhoras, graças às águas milagrosas de Santa
Eufémia.
Pelos rabiscos feitos com objectos
pontiagudos ou a lápis, há algumas décadas, próprios de um vandalismo recente,
sabemos datas em qua a sala dos banhos esteve aberta. Em 1942, esteve lá a Maria Helena. E outros por lá passaram
em 56, 57, 58, 68, 71 (e 86 episodicamente?).
Como
poder ter esta sala, tão solitária na serra, permanentemente aberta, sem ser
atingida por este tipo de vandalismo? Foi isso possível fazendo uma porta em varão de ferro de 12 mm, com
varões horizontais e verticais, possibilitando a qualquer pessoa introduzir a cabeça e ver a sala na sua
totalidade, sem nela entrar. Todo o trabalho de serralharia foi feito pelo Sr.
Dan Bojan, membro da já assente comunidade romena de S. Pedro e colaborador do
autor destas linhas.
Procedeu-se a uma limpeza dignificante, sem alterar em nada o actual estado dos materiais.
Foi revelada uma pedra inscrita, para além das quatro referidas no passado por
Félix Alves Pereira ou desenhadas por José Alfredo da Costa Azevedo. E porque
não o foi? Só parece haver uma razão. A lápide encontra-se no chão, mesmo à entrada
da sala dos banhos, já do lado de dentro, encostada ao lambril de entrada. É a
pedra de entrada da sala. Por essa razão, sempre com folhagem acumulada, a
pedra poderá ter passado despercebida. Deve lá estar há alguns séculos, e
parece ser mais uma prova da superior dignidade da sala de banhos e da fonte de
Santa Eufémia da Serra. Na posição em que está, dá a entender que o texto já
desaparecido foi desgastado ao longo dos tempos pela passagem dos pés, só
permanecendo hoje a parte do texto junto ao eixo giratório da porta, na parte não
sacrificada por essa passagem. Dessa parte, só se consegue perceber, como que
premonitoriamente, a palavra “FAZER”.
Não se referiu ainda que, no princípio do
trabalho, a “Parques de Sintra-Monte da
Lua”, em jeito de recompensa, prometeu duas execuções: em primeiro, o restauro
do caminho que sobe da Calçada da Pena, passa pelos Banhos de Santa Eufémia e
chega à antiga abegoaria do palácio da Pena, por baixo da ermida de Santa
Eufémia. Caminho medieval, mas sem carácter especial, sulcado desordenadamente
pelas águas das chuvas e calcado da mesma forma pelos humanos, desde há séculos. Em segundo, abater aquele
perigoso Ácer que, crescendo mais,
adquirindo mais massa, haveria de ser uma árvore pouco frondosa mas uma
perfeita alavanca para arrancar e destruir o tecto da sala. O prometido foi
cumprido, e hoje nós temos o mesmo caminho mais confortável e conforme. E a
indesejável árvore foi cortada. Foi muito eficaz a colaboração desta nossa
empresa pública, representada neste assunto pelo Dr. João Lacerda Tavares.
Esta colaboração não ficou por aqui. Tivemos
a possibilidade de visitar a mina, com a cautelosa guia do Sr. Engº Nuno
Oliveira. De um dos três braços, com 48 metros de extensão, corre ainda um persistente fio de água (já em
1880 assim era), que é, desde há anos, conduzido para um poço de onde é elevado
para a ermida, não correndo por isso pela bica para a pia...
A grelha em pedra com furação redonda, para
onde escorria a água da fonte que transbordava a pia, encontrou-se fragmentada
e misturada com o entulho, estando recolhida para restauro.
Foi isto que, desde há dois anos se fez, nos
Banhos de Santa Eufémia da Serra, testemunho vetusto do nosso passado longínquo
e dessa, já quase esquecida, Sintra medicinal.