segunda-feira, 20 de julho de 2020

A Torre do Relógio


CARLOS JOSÉ SANTOS (CAÍNHAS)

O relógio da Vila, tinha e tem que ter sempre alguém que lhe dê corda, essa tarefa é nada mais nada menos que mover umas enormes rodas dentadas que fazem subir e descer uns pesos de umas boas centenas de quilos.
Na Vila do meu tempo, lembro-me do Júlio Santos, e do Luís Talagão, que tiveram essa incumbência, que devia ser mal remunerada, mas os ordenados eram pequenos, tinha que se aproveitar tudo.
Este relógio tão característico, e centenário, já “viu” muita coisa.
Já serviu de desculpas a muita gente, até a um antigo guarda redes do SPORTING, quando este clube estagiava cá no Hotel Neto, e se queixava que não conseguia dormir por causa do som das badaladas do relógio da torre, nós morávamos ali nem sequer o ouvíamos.
No rés do chão, havia um sapateiro, o Clemente, que certo dia lá estava ele na sua tarefa, quando se desprende lá do alto um peso do relógio, e como por milagre, foi cair separado por milímetros do lado direito do banquinho do Clemente. O susto do Clemente foi de tal ordem que ficou gago para o resto dos seus dias.
O Clemente morava na Rua do Arco do Teixeira, e era um homem muito calado e discreto, fazia parte da convivência dos mais velhos da Vila do meu tempo, depois do trabalho era cliente certo da Casa das Bananas do Sr. Acácio Soares Faria, onde ia beber o seu copinho.
Na Vila de que vos falo, logo ao lado da Torre do Relógio, para Ocidente, os CTT, que tinham uma azáfama digna de uma Sede de Concelho, até terem passado para a Estefânia. Ainda recordo os Chefes de Estação que ali residiam com as suas famílias, os carteiros e os outros funcionários que tinham a incumbência de transportar encomendas, num carro de madeira com duas rodas e varais, daqueles que o homem tem que empurrar e puxar para o movimentar até ao destino. Os seus uniformes eram em cotim, pele de rato, estavam na linha dos das Forças Armadas, ou seja, de um mau gosto atroz.
Da Torre do Relógio para Nascente, era a mercearia do Senhor Joaquim Vitoriano, que tinha, só na Vila, a concorrência de mais quatro mercearias: a do seu irmão, José Soares, a do Tonecas, a do Fernando Luz Costa (na Praça) e a do José Antunes, um misto de lugar de legumes e mercearia. O Sr. J. Vitoriano não tinha descendência, e deixou a casa para o seu fiel colaborador José Maurício, que foi andando até poder, tendo o epílogo esperado, o fecho. Este estabelecimento comercial ficou fechado anos, até que o comerciante mais bem-sucedido desse tempo, o Sr. Catalão, tomou o espaço.
À esquina, era o talho do Sr. António Simplício. O cortador que mais tempo esteve à frente do estabelecimento (no meu tempo), era um homem do Linhó, já falecido, que se chamava Otávio. Era o típico empregado do comércio daquele tempo, muito atencioso e educado, servil até. Amigo do copo, mesmo que estivesse a enrolar o cliente, tinha sempre boa cara, foi mais uma figura típica da Vila, sem ser de lá, deixou lá muitos amigos, que ainda hoje se lembram dele.
Este edifício centenário que foi cadeia comarcã noutros tempos, nos seus baixios, que se situam para a Rua da Pendôa, tinham o armazém de bebidas do Café Paris, e à esquina, mais abaixo, eram os urinóis da vila, uma coisa horrenda, que exalava um cheiro nauseabundo. Era sua responsável a Tia Alice, que se limitava a mandar uns baldes de água, e varrer as imundícies para a rua.
Deixou aquilo para se juntar com o Zé das Bananas, dono da Adega das Caves. Era um espaço de terror, porco e exíguo, que além de servir os dois sexos ainda, serviu depois da Alice de abrigo a uma senhora viúva com a sua jovem filha, embora que por pouco tempo. Mais tarde foram feitos debaixo do Paço, os atuais sanitários, com condições mais dignas de uma terra de turismo.
Carlos José Santos

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