De
facto, são muitas e especialmente desafiantes as questões cuja resolução
depende da Câmara Municipal de Sintra. Espera-se que, durante este ano, se
resolvam algumas delas e se inicie o desbloqueio de problemas que suscitaram
desassossegos vários. Como as pessoas estão muito descrentes, a expectativa é
quase nula ou apenas moderada. É compreensível. Acrescentemos que, consoante os
casos, de tal modo a corda se foi esticando até ao limite que, agora, qualquer
adiamento não deixará de ser interpretado como incapacidade ou incompetência.
Comecemos
pelo Casino de Sintra, propondo uma visita comparada ao antes e agora.
Sediado no Casino, paredes-meias com o Centro Cultural Olga Cadaval, dois
edifícios traçados por Norte Júnior, um dos mais notáveis arquitectos
portugueses do século vinte, o MU.SA faz parte de um dispositivo cultural com
ímpares e invejáveis características no todo nacional.
A
verdade é que, depois do entusiasmo inicial, coincidente com o período da
inauguração, a solução ali vertida, indubitavelmente bem-intencionada – qual
seja a de expor a Coleção Municipal de Arte Contemporânea, incluindo zonas para
Arte Fotográfica, Livraria Municipal e Galeria de exposições temporárias de
artistas nacionais e estrangeiros – não está a surtir os benéficos efeitos que,
a partir de condições tão favoráveis, era suposto colher.
Moro
a escassos metros, conheço porque acompanho diariamente a situação, não posso
tapar o Sol com a peneira e, interessado que estou na resolução do problema, o
mais que tenho a fazer é ventilar, partilhar frontalmente a preocupação. Com
muito escassa procura actual por parte do público e, perante a ausência de
estratégia de promoção, inevitáveis são as comparações com o que ali acontecia
até 2013. Naturalmente, não me dedicaria a qualquer exercício de cotejo, com
previsíveis e tão desanimadores resultados em relação à actualidade, se o meu
propósito não fosse, tão só, o de propiciar matéria de reflexão.
MU.SA
vs SMAC
Uma
vez que só pode e deve comparar-se o que é comparável, terei de pedir-vos que
me acompanhem num regresso a 1997, altura em que a presidência do executivo
municipal era assegurada por Edite Estrela, que teve o rasgo estratégico de
fazer do edifício do Casino o Museu de Arte Moderna e Contemporânea-Colecção
Berardo (SMAC), negociando com o Comendador Joe Berardo um Protocolo que
vigoraria até 2013.
Não
farei quaisquer considerações acerca da qualidade do acervo em exposição
permanente que, se bem lembrados estão, enquanto parte de uma das mais famosas
colecções de Arte do mundo, incluía peças dos mais notáveis artistas.
Referir-me-ei, isso sim, às exposições temporárias que, durante quase década e
meia, constituíram propostas que muito honraram Sintra, tanto a nível nacional
como internacional.
Com
dados bastante acessíveis, através de catálogos de belíssima qualidade geral,
que guardo religiosamente, lembrarei alguns dos mais significativos sucessos,
referindo os patrocínios sem os quais é impossível trabalhar com uma certa
dignidade:
17.06.2000
a 30.09.2000 - Um olhar sobre a Colecção Berardo – Rui Sanches
15.10.2000
a 31.12.2000 –Durante o Fim – Rui Chafes (articulação Palácio da Pena e CMS)
08.04.2001
a 30.06.2001 – O Surrealismo na Colecção Berardo
10.11.2001
a 30.03.2002 – Living – Site Specific Wall Paintings - Michal Craig Martin (com
apoio da Robbialac e Tabaqueira)
19.04.2002
a 15.09.2002 –Pop Arte & Compª na Colecção Berardo
08.05.2004
a 07.11.2004 –Pomar – Autobiografia (com apoio Colecionadores privados e do
Millenium BCP)
01.02.2004
a 27.03.2005 – A Fotografia na Colecção Berardo
05.05.2005
a 09.10.2005 –Geração Esquecida – Erich Kahn, Judeu Sobrevivente –
Expressionista Alemão
26.11.2005
a 30.04.2006 -Fernando Lemos e o Surrealismo
17.03.2007
a 14.10.2007 –Art Deco
17.04.2009
a 14.07.2009 –Rafael Bordalo Pinheiro - Da Caricatura à Cerâmica (em
articulação com a CMS e Museu Rafael Bordalo Pinheiro)
26.07.2009
a 27.09.2009 –Gao Xingjian – Depois do Dilúvio (articulação com CMS, apoio Würth
e Museu Würth La Rioja)
17.04.2010
a 31.10.2010 –Leal da Câmara – Retrospectiva
No
meu diário, tenho registadas conversas com a Dra. Maria Nobre Franco, Directora
do referido Museu, durante as quais aquela minha querida amiga me mostrou
estatísticas das entradas de visitantes, por exemplo, cifrando-se na ordem
média da centena por dia, em eventos culturais da maior repercussão, inclusive
internacional.
Caso
do World Press Cartoon
E,
ainda neste contexto das exposições temporárias e temáticas, como não recordar,
desde 2005, o êxito verdadeiramente estrondoso do World Press Cartoon,
sob a coordenação de António [António Moreira Antunes] o nosso maior
cartoonista, ao longo de nove edições, no Centro Cultural Olga Cadaval e, a
partir de 2008, também no Museu de arte Moderna? Como não entender que tal
sucesso potenciou as mais-valias de outras exposições no passado e ainda o
poderia continuar a fazer no futuro?
Lembro-me
muito bem das razões invocadas pela Câmara Municipal de Sintra para deixar de
apoiar a realização deste grande festival do cartoon– meio de
comunicação e de expressão artística que ganhou tão trágico protagonismo na
semana passada – mas, de todo em todo, não as consigo entender. Ou também eu
deveria aceitar a ideia que para aí vai vingando segundo a qual o actual
executivo assim teria decidido porque um tão grande êxito, transitado dos
mandatos anteriores, constituiria marca demasiado impressiva?…
É que
o alcance da iniciativa era imenso, verdadeiramente global, projectando Sintra
em todas as latitudes, funcionando como extraordinária e requintada campanha
publicitária que, assim encarada, resultava num investimento perfeitamente
compatível, mesmo em tempos de austeridade. E já sabem para onde vai o World
Press Cartoon? Pois, nem mais nem menos do que para Cascais!... Aqui bem ao
lado, Cascais imediatamente entendeu o que, motu proprio, Sintra deixou
escapar. Que ironia!
No
mais alto nível
Estou
absolutamente convicto de que ninguém deixará de partilhar comigo o sacrossanto
princípio, comum a todos os domínios de actividade, nos termos do qual, uma
vez atingido determinado patamar de qualidade superior, como aconteceu com o
Sintra Museu de Arte Contemporânea, jamais se poderá retroceder para soluções
que não estejam à altura do nível e sucesso alcançados, princípio
particularmente crítico neste dificílimo e sofisticado terreno da
disponibilização da Arte moderna e contemporânea.
Foi
com base naquela ideia que, cessado o Protocolo entre a CMS e o Comendador Joe
Berardo, tanto me bati pela solução de ali sediar a Colecção Bartolomeu Cid
dos Santos que é o único acervo disponível com nível artístico idêntico ao das
obras que as paredes do Casino tinham acolhido nos últimos anos.
Se
assim tivesse acontecido, a CMS estaria capitalizando o investimento
concretizado durante o precedente período em questão, durante o qual aquela
casa passou a ser procurada, expressamente, por um público nacional e
internacional conhecedor, interessado, que se tinha habituado a demandar este
Museu como elemento da rede nacional e mundial da Arte Moderna. E sabem que,
ainda hoje mesmo, continua a aparecer gente à procura do que ali existiu?
Já
que acima aludi, permitam um parêntesis acerca da Colecção Bartolomeu Cid dos
Santos que, na realidade, já é uma extraordinária mais-valia para Sintra. Em
2013, Maria Fernanda dos Santos, viúva do gravador da maior reputação mundial,
cedeu o espólio à Câmara Municipal de Sintra mediante Protocolo que, há largos
meses, está em vias de reformulação no sentido de garantir a máxima protecção
dos interesses de ambas partes. Os juristas já se terão pronunciado pelo que
estaremos em vias de conhecer decisões.
Estou
certo de que, dentre as várias opções em perspectiva, se encontrará o local
mais adequado para acolher a obra e o centro de investigação que o Barto, meu
querido e saudoso amigo, deixa a Sintra. A quem ainda possa desconhecer, cumpre
esclarecer que o gabarito artístico de Bartolomeu Cid dos Santos é dos de maior
abrangência, entre os melhores do mundo, por exemplo, como o de Paula Rego, de
quem, aliás, foi amigo íntimo cá e em Londres.
Se,
por desígnio do município vizinho, Paula Rego já está em Cascais – sempre a
atenta e culta Cascais, constantemente a desafiar-nos com tão boas iniciativas
no passado recente e na actualidade – então Barto, pela relação que manteve com
Sintra, tem muitas mais e acrescidas razões para ficar entre nós, de acordo com
o que estabelecerá o referido Protocolo. Assim saiba Sintra estar à altura de
privilégio tão especial.
Findo
o assunto que coube naquele parêntesis, volto à matéria com a qual está tão
inequivocamente relacionado. Inconformado com o statu quo, recuso-me a
aceitar a inevitabilidade daquele ambiente mais ou menos fúnebre do MU.SA. Há
soluções de animação que urge operacionalizar. Não é fácil, bem sei, recuperar
uma frequência média de cem visitantes por dia. Contudo, em 2015, o que fazer
para atrair os visitantes? Que estratégia desenhar? Que pequenas exposições
promover, v.g., Historia do Casino, História do Vinho de Colares, Historia do
Foral de Sintra, História do Desporto em Sintra, Figuras importantes da
História Sintrense etc?
Onde
estão as pessoas, as instituições, entidades nacionais, ibéricas, europeias, às
quais recorrer, através de convénios, parcerias? E os concursos, oficinas e
outras iniciativas, bem publicitadas, atempadamente anunciadas, sob a
coordenação e orientação de animadores bem conhecidos, param públicos infantis,
juvenis e seniores? Há falta de recursos? Quais? Humanos, materiais, ambos? É o
acervo que carece de uma outra abordagem, de diferentes diálogos e conotações
temáticas interrelacionais, ou de uma outra estratégia com diferentes grelhas e
linguagens expositivas? E que articulação ou articulações preferenciais com
outros suportes culturais, Literatura, Música, etc?
(…)
O
enquadramento da edição do Festival deste ano não pode deixar de radicar na
cerimónia que teve lugar no Casino de Sintra, numa das salas do MU.SA, em 6 de
Junho de 2014, ou seja aquando da apresentação da sua 49ª edição. Naquela
ocasião, o Senhor Presidente da Câmara, Dr. Basílio Horta, obrigado à
referência do redondo e jubilar quinquagésimo evento, anunciou-o em
termos de tal modo entusiástico que a todos nos surpreenderia.
Porque
importa recordar, passo a citar os dois parágrafos do artigo em que me referi à
circunstância:
“(…)
Finalmente, uma promessa que tem foros de compromisso público do maior realce.
Com a satisfação que se lhe adivinha por poder concretizar tão auspicioso
anúncio, o senhor Presidente da Câmara, informou e, perante a insistência de
Adriano Jordão, confirmou que, em 2015, por ocasião da sua quinquagésima
edição, o Festival de Sintra vai ter meios especiais para poder apresentar uma
programação digna de Salzburg!... Nem mais nem menos!
Enfim,
com os «descontos» que se me impõem perante a tão generosa hipérbole do Dr.
Basílio Horta, há tantos anos, que tão bem conheço a esplêndida oferta de
Salzburg, adivinho, nas suas palavras, isso sim, um empenho digno da efeméride
e da memória de quem foi a grande impulsionadora do mais sofisticado produto
cultural de Sintra. (…)” (1)
Abro
um pequeno parêntesis para melhor situar aquela referência a Salzburg, já que
ainda teve o efeito de me lembrar os números absolutamente astronómicos que
envolvem o festival austríaco, cifras que o remetem para uma realidade outra,
que não só parece, como se enquadra mesmo noutra galáxia cultural…
E, na
realidade, porque assim acontece é que convém perceber o alcance da insinuação
implícita nas palavras do Dr. Basílio Horta. Reparem que “(…) o último
estudo datado de 2011, elaborado pela Universidade de Salzburg, entre outras
conclusões, demonstra que o efeito deste Festival de Verão no domínio das
receitas fiscais equivale ao triplo do montante do investimento das entidades
públicas! Finalmente, que o impacto geral do Festival no volume de negócios e
na produtividade se cifra em cerca de 276 milhões de euros! E, não esqueçam, em
apenas 40 dias de Festival (…)”. (2)
Para
que se tenha uma ideia da extraordinária escala das verbas em presença, recordo
o facto espantoso de o orçamento geral da Câmara Municipal de Sintra ser
inferior ao deste Festival de Verão! Aliás, sendo o mais famoso, é apenas um
dos doze festivais que Salzburg promove ao longo do ano…
Fechado
o parêntesis, retomo já o tema que hoje me traz, para assinalar que, cerca de
um mês depois, escrevia eu:
“(…) De
acordo com o que foi oportunamente divulgado, já sabemos que, no próximo ano, o
Festival distinguirá a figura tutelar da Senhora Marquesa de Cadaval com
especiais atitudes programáticas. Será de prever, por exemplo, que se faça um
particular esforço em trazer até Sintra grandes figuras da actual pianística
mundial, algumas das quais galácticas que, na juventude e início das respectivas
carreiras, beneficiaram daquele mecenato.
Julgo
que, igualmente, será altura de convocar pianistas portugueses intimamente
relacionados não só com a génese mas também subsequente história do Festival,
programando recitais e concertos, juntando-os em mesas redondas, conferências e
atitudes análogas. Por outro lado, obedecendo a linhas de intervenção que eram
caras à Senhora Marquesa, propiciar nos programas a integração
de bandas de música, pensar na motivação do público jovem e na sua conquista para
iniciativas informais, etc.
Como
aconteceu há dez anos, veria com muito interesse a possibilidade de promover
uma grande Conferência de Abertura, a proferir por uma conhecida figura da
Cultura Portuguesa, tratando um assunto relacionado com o mundo da Música
gerador da maior adesão de público indiferenciado. Natural será que, de maior
fôlego ou como opúsculos, surjam obras sobre a História do Festival de Sintra.
Por outro lado, assim esperamos, deverão ter lugar uma boa exposição
documental, um ciclo de conferências, a disponibilização de materiais afins das
vertentes áudio e audiovisual para consulta e venda, um ciclo de cinema, etc.
(…)”
(3)
Ora
bem, tanto quanto me é possível afirmar e confirmar, porque participei em duas
das reuniões exploratórias de preparação do Festival 2015, o ambiente em
que decorreram não pôde ser mais auspicioso. Tudo leva a crer que, com a
competência que se lhe reconhece, o Prof. Adriano Jordão, Director Artístico do
festival de Sintra, apresentará uma proposta programática cuja matriz contemple
as ideias constantes do texto citado imediatamente supra.
Atraso
evitável
Dentre
algumas das preocupações que sempre subsistirão em iniciativas que tais, a
mais importante fonte de apreensão relaciona-se com o atraso da informação que
já deveria circular há alguns meses. Tão pouco tempo faltando para o seu
início, é com dificuldade que se aceita o desconhecimento sequer de uma linha
do programa, calendário, artistas envolvidos, lugar de cada evento musical, das
conferências, das actividades de animação paralela, etc.
Com o
objectivo de tudo preparar atempadamente e com o grau de profissionalismo que é
suposto estar dotada uma iniciativa congénere, considero que o Festival de
Sintra mereceria ter afecta uma pequena equipa, não mais de dois elementos, em
exclusividade de funções ao longo do ano, porque o trabalho a desenvolver assim
o determina.
Há
muito tempo que me bato pela sua concretização e, devo confessar, tive
esperança de que, totalmente afecta aos serviços culturais da Câmara Municipal
de Sintra, agora a organização pudesse ter dado esse salto.
Infelizmente, ainda não foi possível. Permito-me insistir na sugestão porque,
convencido que estou da sua pertinência, me parece que continuaremos a
verificar os atrasos do costume se, de uma vez por todas, ela não se concretizar.
A
verdade é que os nefastos efeitos decorrentes de tão lamentável
incumprimento de prazos, tornam impraticável – com a qualidade que se impõe – a
concretização de todas as atitudes e actividades de promoção, divulgação e
publicitação de um Festival de música erudita.
Acresce
que tais atitudes e actividades são tão específicas que pouco ou nada têm a
ver com outras iniciativas, aparentemente congéneres, que, promovidas pelos
mesmos serviços culturais da Câmara, não creditam experiência para este universo
tão particular. Hoje em dia, é cada vez mais exigente a promoção de um
festival com as características deste. Por isso, a aposta na equipa acima
aludida sempre se revelará acertada medida de gestão.
Não
esqueçamos que o Festival de Sintra é o mais antigo dos que se realizam em
Portugal e o que se reclama dos mais ilustres pergaminhos, tanto ao nível dos
artistas que nele participaram – sempre os melhores do mundo, ao longo de
décadas – como dos programas interpretados e dos locais de privilégio absoluto
onde os eventos se concretizam.
Também
é pelo peso de tão honrosa herança que, em 2015, uma sua quinquagésima edição,
sob os auspícios da tutelar figura da Senhora Marquesa de Cadaval, mesmo com os
atrasos aludidos, tem de corresponder ao alto nível em que a fasquia foi
colocada nos seus melhores anos. Se assim não acontecesse, estaria em causa o
propósito de disponibilizar recursos dignos de Salzburg, que o Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Sintra anunciou tão generosamente.
(2) JS,
Festival de Salzburg, outro planeta, edição de 20.06.2014
(3) JS,
Festival de Sintra, quarenta e nove, cinquenta! Edição de 18.07.2014