quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Sintra livre de maus ares

RUI OLIVEIRA



O Martim (Martinho) Albernas, oficial régio em Sintra escrevia ao seu Senhor, El Rei D. João III, a 17 de junho de 1527 uma carta, em que relata a situação da vila face à peste e recursos locais, nomeadamente, alimentares, para que o Rei pudesse aqui folgar e desenfadar-se. O teor da carta é ilustrativo da vida na Vila de Sintra, nos princípios do segundo quartel do século XVI. Aqui deixo a transcrição e imagem, dessa carta que integra o Corpo Cronológico (primeira parte), incerta no Maço 37 e com o numero de documento 56 : « Eu detremjney fazer sab[e]r a bos[s]a alteza como estava esta byla |1 a Inda que a ella qui[zes]se bir  folgar fazendo este Sam joham cy|2 nquo anos que quan[d]o beio. Syntra S[enh]or esta muyto fora dos |3  ares de peste nos[s]o S[enh]or deos seja sempre muyto honnrado e asy co[mo] |4 comarcas darredor. E p[ar]a ho [?] esta de pam muyto boa|5 e asy binho aInda q[ue] hi belho tem muytas carnes pescados|6 fruytas aInda que no[m] sam muytas muyto pouços calmos|7 E bo[o]ns ares e aguas muyto fr[es]cas esta de maneyra que|8 ouuera bos[s]a alteza nella de folgar porque asy ho fazy |9 am os Reis passados que ho mor descansso que tinham |10 by[e]ram cadano ca ter birom. E asy ho devera difazer|11 bosa alteza por Synt[r]a no[m] ser tam agravada porque S[enh]or |12 ser  certo que villa e seu termo e comarca manteram bosa |13 alteza mylhor que n[e]nhu[m]a billa de portugall tamanha p[or]|14 tamanha e  aInda agora posto que bosa alteza esta tam [?] |15 [?] podya fazer hu[m]a romarya a nossa S[enho]ra da pena e fol |16 gar qua [ o mesmo que: cá na Vila] binte ou trinta dias e desenfadar da cans |17 canseyra [?] [?] E si eu S[enh]or aceytem s[er] guarda da billa|18 há tantos tempos foi por amor di bosa alteza[?]|19 aella e no[m] ter razom de dizer p[er] [?] [?] |20 saa eu fora la folgar e por tyrar estes [?]|21 [?] ho miu [?] e no[m] ma aproveyta  pois bosa |22 alteza qua no[m] bem nosso S[enh]or  [?] Riall |23 estado de bosa alteza com [?] de  byda aseu S[er]|24 vyço [?] de sint[r]a a xbii d[ias] de Julho m[il]b10 [b = 510 = 500] e xxbii||25

Cryado de bosa alteza                                          m[ar]ty[nho] alb[er]naz||26»  (1)

 Esta família, de apelido Albernás, esta ligada a Sintra por via das suas actividades no Paço Real da vila. Temos notícia de um outro Albernás, um tal Fernão Martins Albernás, que julgo poder ser filho de Martinho, ou mesmo seu neto, que El Rei D. João III, no mesmo ano de 1527,  nomeia tangedor dos órgãos da capela do paço. Cargo que acumula com o de Escrivão das Obras do mesmo paço: « Eu ey por bem e me apraz que Fernão Martiz Albernaz, meu moço de camara, escriuão das obras de meus paços da villa de Syntra Tenha daquy em diamte carguo de tamger os orguãos da capella dos ditos paços, e de olhar por eles, e asy poll orguãos dos ditos paços e de os concertar e fazer alimpar asy pola maneira que o fazia frey D[iog]o já defunto, que o dito carreguo tinha: e ey por bem que o dito Fernão Martiz aja com ele deordenado em cada huu[m]  anno, de janeiro que passou deste presente anno de b[int]e Ij [1522] em diamte dous mil rs [reis], que he outro tamto como tinha o dito frey diogo, os quaes dous mil r.s [reis] lhe serão paguos com certidão do almoxarife dos ditos de como asy deles tem carreguo na maneira que  dito hee manduuos que lhes facais assentar os ditos dous mil r.s [reis] de mantimento no liuro das ordinárias de minha faenda e leuar em cada huu[m] anno do dito janeiro em diamte na folha do assentamento do almoxarifado da dita vila pera lhe nelle serem paguos polla dita maneira, e este aluaraa quero que valha e tenha força e uigor como se carta fosse feyta em meu nome per mim asynada e pasada pella chancelaria sem embargo das ordenações do segundo liuro que dispõem o comtrario – Luis Tauares o fez em Almeirim a dezasseis de março de jbeIi [ (1)527]  eu Antão dAfonsequa o fez escrever.» (2).

Dois vizinhos sintrenses, moradores na Vila, que conhecemos, hoje, através destes documentos mas que, por pistas documentais, a vida os levou também, para outras paragens ligadas ao nascimento do Império Marítimo do Reino de Portugal. A seu tempo acompanharemos tanto quanto for possível esse périplo. Seja como for, esta primeira geração de Albernás  jaz em terra sintrense, no jazigo de família, na Igreja de Santa Maria de Sintra.


(1)- Nota: As normas utilizadas nesta transcrição são as seguintes: o desdobramento das abreviaturas são feitas colocando os caracteres em falta entre parênteses rectos [z]; no caso de existir dificuldade de leitura de palavra o estas serem ilegíveis, colocamos um ponto de interrogação entre parênteses rectos [?]; qualquer comentário adicional, ao texto, original é colocado também em parêntese rectos e o respectivo comentário em corpo mais reduzido e a vermelho [a vila]. A mudança de linha no texto é assinalada com barra vertical com respectiva numeração, sobrelevada, a vermelho |0; no caso dos parágrafos ou mudança de folha a barra, vertical, é dupla||0

(2) - TT – Chancelaria Regia de D. João III, livro 67, folha 160.

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