O
uso de palavras em inglês torna-se num hábito cada vez mais presente na nossa
sociedade. E, pessoalmente, creio que essa situação está a passar para um nível
abusador, ainda que as razões para tal possam surgir por via de diversas
razões. Tentarei, pois, neste escrito debruçar-me um pouco sobre este assunto,
não tanto para lhe encontrar uma solução mas mais como uma reflexão (mesmo que
pouco profunda).
Começo,
assim, por afirmar que se compreende que quando, na nossa língua materna, não
existe uma palavra para designar algo, então que se utilize uma noutra língua e
se lhe dê uso, integrando-a no léxico utilizado. Este é um processo
perfeitamente natural de integração de uma nova palavra numa língua. Não é um
processo forçado. Ao longo do tempo, dos séculos, dos milénios, essa palavra
“emprestada” tornar-se-á, provavelmente, diferente da original obtida por ter
sido modelada pela língua e pela cultura que a acolheu, sofrendo como que uma
adaptação à cultura que a recebeu.
O
que me parece de difícil compreensão é a situação em que existe uma palavra em
português para designar algo e, mesmo assim, utiliza-se uma palavra em inglês
para a substituir (e sobrepor-se) à sua semelhante em português. Lembro-me, por
exemplo, de “personal trainer” (é o mesmo que dizer “treinador pessoal”);
lembro-me também de “running” (que tal utilizar “corrida” em vez de
“running”?); lembro-me de “sales manager” (utilize-se antes “gestor de
vendas”); lembro-me de “coffee break” (diz-se em português “pausa para café”).
E por aí adiante porque a lista é longa.
E
mais ainda: nenhumas das palavras que utilizei nos vários exemplos acima caíram
em desuso no português; todas essas palavras continuam a ser utilizadas no
nosso quotidiano: treinador, pessoal, corrida, gestor, vendas, pausa, café
(incluindo, claro, as preposições “de” e “para”).
Custa-me
que uma língua tão rica como o português esteja a ser atropelada desta maneira
e esteja a ser “escravizada” em prol de uma universalidade que se utiliza da
língua inglesa. Nada tenho contra a língua de Sua Majestade e nada tenho contra
a importância que o inglês adquire como língua universal nos tempos que correm.
É sabido que o nosso mundo está cada vez mais pequeno e mais próximo e alguma tem
de ser a língua comum e que sirva de forma de comunicação entre dois povos de
diferentes falas (quer seja o inglês a língua de um desses povos, quer não seja
e sirva apenas como língua de união); actualmente é o inglês e daqui a alguns
séculos será outra língua (isto é apenas a História a avançar, servindo-se das
circunstâncias que a constroem).
Bem
sei que uma língua não é estática, que evolui e que está em constante mutação
ao longo do tempo; o português que se falava há quinhentos anos não era igual
ao de hoje. E esta evolução dá-se (ou dever-se- ia dar) por motivos naturais e
não para agradar a determinados assuntos ou para parecer mais universal. E sim,
já sabemos que o inglês está quase permanentemente presente no nosso dia e que
se nos quisermos fazer entender num lugar algures do mundo iremos,
provavelmente, expressarmo-nos em inglês (desde que tenhamos, pelo menos,
algumas noções dessa língua). Mas nós estamos em Portugal e a língua oficial é o
português (e também o mirandês).
Poderão
alguns dizer que por estarmos num posicionamento global tendemos a usar
palavras ou expressões em inglês para que noutro país se perceba aquilo que
dizemos. Muito bem, certo. E compreende-se que um português diga a um
vietnamita ou a um sueco “eu sou sales manager” (já traduzindo do inglês o “eu sou”).
Mas parece-me abusivo que um português diga a outro português que “sou um sales
manager” ou “vou comprar artigos de running” (falando ambos em português).
Porquê optar por dizer a mesma coisa mas noutra língua?
Dirão
outros que usamos palavras como “mail” ou “net” (de “internet”) e que se
traduzem por “correio” e “rede” (que existem e se usam no nosso português
quotidiano). E sobre isto podemos dizer o seguinte:
Usamos
“mail” para o distinguir do correio tradicional trazido até nossa casa por um
carteiro. Dizemos “vou enviar um mail” e dizemos “vou escrever uma carta” (e
enviá-la pelo correio). Ou seja, sabemos automaticamente que um “mail” chegará
ou será enviado virtualmente e que não é um objecto físico como o é uma carta
guardada num envelope com selo. E, da mesma maneira, temos a palavra “net” que distingue
um sistema virtual de comunicação do objecto físico “rede”. É claro que (para
aqueles, como eu, que não estão permanentemente ligados à internet e/ou que não
lhe têm acesso através do telemóvel) podemos sempre dizer “vou à rede” em vez
de “vou à net” mas tornou-se usual de forma natural o uso de “mail” e de “net”.
São apropriações que se juntaram ao português e que vieram preencher uma
inexistência: a não-presença de palavras destinadas a habitar um espaço que é a
existência de um mundo virtual e de tudo o que lhe é agregado (a internet); e
assim foram integradas no léxico. Temos, claro, o “correio electrónico” e o
“endereço electrónico” (que há quem os denomine na versão em língua portuguesa)
mas o facto é que a internet é uma espécie de país global (ainda que virtual) cuja
língua-base é o inglês (ou tende a ser o inglês). E as palavras que constroem
esse país global e virtual não são “personal trainer”, “coffee break” ou
“running”.
Termino
dizendo que pode, talvez, parecer que estou a querer cristalizar a língua
portuguesa tornando-a pura ao máximo. Mas não, nada disso. Apenas pretendo que
se usem palavras em português quando elas existem. Por outras palavras use-se
“treinador pessoal” e não “personal trainer”, use-se “pausa para café” e não
“coffee break”, use-se “corrida” e não “running” e por aí fora. Pretendo que as
palavras entrem naturalmente numa língua e não a partir de uma espécie de
imposição exterior.
Nenhuma
língua e nenhum dialecto são eternos. A tendência é que existam enquanto houver
falantes. E, como tal, o português não existirá para sempre. Eventualmente
cairá em desuso e desaparecerá (como aconteceu a tantas outras) ou manter-se- á
vivo num modo semelhante ao latim, por exemplo. A língua portuguesa fala-se em
vários lugares do mundo (ainda que tenha variações locais) e é, em quantidade
de utilizadores, das mais faladas actualmente (apesar da maior parte dos
falantes não estarem na Europa).
Mas
não me parece correcto haver quem opte por, aos poucos, ir esmagando a língua
portuguesa, preferindo sobrepor-lhe sinónimos ditos noutra língua. E seja qual
for a razão que o leve a fazer isso (o hábito, as necessidades de mercado, as
modas, a ignorância, etc) é sempre importante decidir se há, de facto,
necessidade em dizer “personal trainer” em vez de “treinador pessoal” (para
citar apenas um dos muitos exemplos mas que é substituível por outro à escolha;
muitos mais haverá mas, para simplificação, mantive-me repetindo os três ou
quatro que utilizei ao longo deste texto).