I PARTE EM
O 25 DE JANEIRO DE 1964
25 de Janeiro de 1964. Apresentação do Novel Conjunto
Sintrense Diamantes Negros, era o que dizia o programa da Sociedade nesse dia.
22 horas, pano fechado, grande expectativa, tudo a postos.
Eis que surge no palco um jovem de 18 anos completamente fora do estalão
português, ou seja, alto, louro e de olhos azuis, se não são azuis peço
desculpa, pois na família dele há olhos para todos os gostos, até tem um irmão
com um olho azul e outro castanho. O apresentador da noite mágica tem nome, e
que nome…Fui buscar um bom amigo de infância, com quem partilhei muitos dias e
anos em sua casa, também pela amizade que tinha com os outros irmãos,
especialmente o do meio, o Zé.
Inteligente e muito perspicaz, tinha habilidade para tudo que
tivesse relação com o desporto, no hóquei em patins esteve entre os melhores. Não
frequentava bailes, tão pouco ia à Sociedade União Sintrense. Eu arrisquei nele
porque o conhecia bem, pela sua inteligência, o saber dizer, a presença e
apresentação. Tinha de dar certo, o meu escolhido tal como nós também ia
debutar.
E foi logo aí que começámos a ganhar. O Carlos José da
Conceição Nascimento (Carlos Nascimento) pois é dele que falo, foi um sucesso,
apresentou-nos como um profissional experiente, eventualmente tremendo por
dentro como amador que era, mas nada transpareceu.
Feita a apresentação, surge a primeira música- Round and Round- às 22 horas, mais coisa
menos coisa, o velho pano de boca de cena, verde pela frente e vermelho para o
palco, abriu-se, apareceram quatro jovens, nervosos mas decididos, a tocar uma
música dos Shadows, sem viola baixo. Foi
o delírio. Só posso falar por mim, deu-me uma dor tão forte no peito que acho
que só tive igual agora depois de usado e por isso só parou no hospital
Amadora-Sintra com oito dias de “estágio” à mistura.
Mas as palmas foram tantas que daí até às cinco da manhã,
cada música, cada êxito, palmas e mais palmas.
Ainda me lembro de alguns números que interpretámos com
sucesso: vários dos Shadows, o tema
de abertura que já referi e que passou a ser durante muito tempo, Peace Pipe, e mais alguns. O Xixó tocou
piano com estrondo no Quando calienta el
sol , e cantou em espanhol, o que para ele, todo virado para o inglês, era
assim o mesmo que lhe arrancar os dentes todos. Mas nós queríamos ser e éramos
abrangentes, tínhamos música inglesa (era a base) francesa, italiana, e no dia
da apresentação, meus senhores, eu cantei!. Não que eu não saiba cantar, mas a
minha voz nunca me ajudou muito. E cantei uma canção do Marino Marini, com o
Xixó ao piano, o Álvaro José na guitarra, o Carlinhos Rodrigues no sax e eu à
bateria e voz o Perdoname.
O nosso instrumental:
Aparelhagem de vozes, o que era isso? Tínhamos para a
apresentação coisas muito rudimentares. Quem estava melhor equipado, embora mal
e por pouco tempo, era o Xixó. Ele tinha uma viola nova, Egmond, era a marca e custou três contos, uma fortuna para a época;
o Álvaro José tinha uma Tulip comprada
em segunda mão; eu tinha uma bateria velha que fui desencantar numa casa de
penhores e que, se virem bem a foto da época, concluem que era impossível tocar
alguma coisa naquele instrumento, mas deu para a festa de apresentação.
Aí ganhámos bom dinheiro, e apetrechámo-nos dentro das nossas
posses. Sempre nos preocupámos em comprar bom equipamento, em detrimento de
levar dinheiro para casa.
Éramos mesmo amantes da música, fazíamos tudo com muito amor,
até as discussões permanentes, Xixó/Luís, Caínhas/Luís, Caínhas/Xixó/Luís, o
Luís, como vêm…
Temos vários episódios giros, mas ainda sobre equipamento,
posso acrescentar que a aparelhagem da guitarra de acompanhamento do Álvaro
José era uma telefonia que o senhor Cochicho tirou de sua casa e, a ligação
para o pick up era feita com duas
bananas. E aquilo dava som? Quase nada, mas naquele tempo davam-se bailes no
Parque da Vila para mil pessoas ou mais, sem aparelhagem e com o Avelino Gil a
cantar, ou com uma aparelhagem de 15 watts.
É que o pessoal era pacato.