CARLOS CAMACHO
José Valentim Lourenço, de alcunha o Zé Massano.
Certamente a figura mais carismática das aldeias de Fontanelas e
Gouveia.
Muito para escrever. Tarefa árdua sintetizar quem era o Zé Massano em
meia dúzia de linhas.
Figura central das duas aldeias até 2002 ano em que, prematuramente,
faleceu.
Era um lunático bom. Um despistado em pessoa. Uma pessoa fora do
tempo. Fazia só o que queria, como queria e o que gostava.
Sempre gostou de animais. A sua Quinta estava sempre recheada de
bicharada, mas era tão despistado que uma vez quando lhe deram um cachorro na
Malveira, pô-lo na mala do carro, esqueceu-se e lá ficou durante 15 dias.
Todos quanto estávamos a ouvir ficámos estarrecidos. Era uma falta
terrível, um animal, sem água, sem comida, o calor...
“E o que é que aconteceu ao
cachorro?” Perguntou o Mascarenhas.
Meteu-se outra conversa qualquer, alguém chegou com uma piada, qualquer
conversa com o Zé mudava repentinamente ao sabor do seu raciocínio.
Tudo o que dizia tinha piada. A Piada vinha sobretudo da expressão
corporal, dos gestos, da intensidade e do tom de voz. A graça com que dizia as
coisas, a forma como contava, o ar alucinado, os olhos esbugalhados plenos de
convicção, a capacidade de rir de si próprio, enfim, tudo isto e muito mais,
fizeram dele uma figura incontornável das nossas aldeias, da nossa freguesia,
do nosso concelho, ...
“Mas o que é que aconteceu ao
cachorro?” Perguntou outra vez o Mascarenhas.
“Espera!!!”.
O Zé era muito guloso. Por chocolates, “nougats”, gelados, coisas
doces. Em 2000 estivemos na direcção da União Recreativa e Desportiva de Fontanelas
e Gouveia e, como habitualmente, cabia-nos a preparação da Festa da Páscoa. Durante
essa preparação e nas sucessivas reuniões, descobrimos num armário dois sacos
grandes de “nougats” fora da validade mas, aparentemente, bons para consumo. O
Zé andou, mirou, cheirou, provou, comeu e “limpou-os” todos em meia dúzia de
reuniões. Qual validade, qual caraças. Sempre que olhávamos para o Zé estava
ele a desembrulhar o barulhento plástico amarelo desculpando-se,
invariavelmente, com qualquer treta arranjada à pressa para todos se rirem.
“Mas o que é que aconteceu ao cachorro?” Perguntou mais uma vez o
Mascarenhas.
“Qual cachorro?”
“O que ficou na mala do carro por 15 dias!”
Durante muitos anos e antes de ter o talho, o Zé Massano comprava
vitelos e gado de leite nas aldeias, vendendo-os de seguida na Feira do Gado,
na Malveira. Era prática corrente as famílias terem gado de curral, fornecedores
de leite e vitelos, para além do importante estrume, abundante e barato adubo
natural para as terras, depois de curtido.
Em minha casa tínhamos um curral com lugar para 5 vacas, uma burra e
duas ovelhas. No palheiro contíguo assisti, em miúdo, a um negócio de uma vaca
que os meus avós tinham para venda. Lá em casa quem negociava era a minha avó
Gertrudes até o meu pai assumir a parte comercial. O meu avô Labareda, Domingos
Francisco Franco de alcunha “Tanoeiro”, nunca se ajeitou para negociar nem que
fosse um copo de vinho. Dava tudo. Uma desgraça!...
“Ó Ti Gertrudes. A vaca só vale
3 contos e quinhentos. É muita nova e ainda não pariu”. Dizia o Zé Massano,
argumentando no negócio.
Ripostava a minha avó - “Chega-lhe
o boi que ela enche. É da maneira que pega bem.”
“Mas a primeira barriga não
presta. Morre tudo antes de nascer”. Dizia o Zé.
“A vaca vale 4 contos. Está
aparelhada como deve ser, não tem ferro e come bem. Dá 5 litros de leite cada
mugidela e não pega com as outras”, Ripostava a Ti Gertrudes já a ficar afinada.
“Ó Ti Gertrudes. Quatro contos é
muito. Depois não sou capaz de a vender a ganhar cem mil réis. Para a conta
ficar como deve de ser, a gente divide a coisa a meias e ficamos por aí. Três
contos, setecentos e cinquenta escudos e a gente chega a negócio.”
Argumentava o Zé.
“Mas tu deste 4 contos pela vaca
da Maria Mariana a semana passada”. Teimava a minha avó.
Ripostava o Zé - ”Mas era uma
vaca feita com quatro barrigas e a dar 15 litros.”
“E esta há-de lá chegar. ”
mantinha a Ti Gertrudes.
Horas naquilo. Não sei se a vaca foi vendida nem porque preço. O que é
certo é que o Zé me disse, 30 anos mais tarde, que “não gostava de negociar com
a Ti Gertrudes porque que ela era muita teimosa. Queria levar sempre a dela
avante.” Dois teimosos...
“Mas o que é que aconteceu ao cachorro, pá? ” Inquiriu novamente o
Mascarenhas.
“Epá, tu és mais chato que a
potassa!”
“Mas diz lá o que aconteceu ao
cachorro”...
“Qual cachorro?”
“O que ficou na mala do carro
por 15 dias!!!!!”
“Ahhhhhh. Olha, levei-o para
casa.”
“Mas morreu?” Inquiriu o
Mascarenhas.
“Nãaaa. É de louça!
O Zé Massano era assim. Nunca se esgotava. Uma caixa de surpresas e
uma risota pegada...
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