segunda-feira, 7 de março de 2016

Relatos de um Alagamarense em Cubucaré III



GONÇALO SALVATERRA
Sempre me perguntei como seria comer, aquilo que chamamos corriqueiramente de bichos. Bichos como aqueles que se comem lá no Oriente, onde a variedade alimentar é quase maior que o numero de habitantes.

Descobri aqui na Guiné que não precisamos ir para as terras de Mao experienciar esta exótica iguaria. Todos os dias engulo alguns, ora quando ando de mota ou bicicleta no sol poente, bem como no expoente, ora quando como pão e até quando como a famosa bianda (arroz) seja qual for o Mafe (acompanhamento) que acompanhe a minha refeição. Mas o pão de todas estas formas de degustação é o que mais aprecio, afinal de contas por apenas 100 francos cfa, posso comer uma baguete recheada. Faz lembrar aquele pão com passas, mergulhadas na massa.

Bom, o procedimento é o mesmo, com apenas uma excepção, não é o padeiro que decide mergulhar os insectos na massa, são eles que numa demonstração, algo admirável, de suicídio colectivo, escolhem um último banquete em glúten para depois torrar no fogo ardente do inforno.

Agora já não preciso ir à China, um dos pontos fortes da viagem era comer bichos, sim, porque os bichos portugueses não são comestíveis, se é para comer gafanhoto que seja de olhos em bico ou de pele negra, porque comer um bicho de pele branca soa a canibalismo, e portanto não pode ser.

Estou aqui só a falar da minha relação paladar com os bichos, e nem falo de quão boa é esta comida, o meu estômago adora comida guineense. Ai, ai, estou armado em Brutus a dar a facadinha nas costas da cozinha guineense. Vejam bem que a minha médica achava que eu ia esvair-me em diarreia, mas a única que tive foi no dia em que o professor ganhou as eleições.
Por aqui, come-se bem, como é maravilhoso o siti (óleo palma) e o bonto (caldo de palma), já para não falar do caldo de mancara (caldo de amendoim), tudo claro misturado com arroz, aquele arroz verdadeiro, sem produto - devo acrescentar, porque não há dinheiro para comprar insecticidas, só por isso - comprado na mão do produtor. Para intensificar a experiência da língua, colocamos um belo peixe seco, – que para ser franco, é bom de sabor, mas mau de aparência moído naqueles grandes pilões - e claro para alegria da minha mãe, uma boa dose diária de verdura com uma saborosa palha de batata (folha da batata doce).

Por cá também há cebola, alho e afins, plantado no que nós chamamos horta, e por eles hortaliça, aliás eu andei o tempo todo até há uns dias atrás a pensar que “hortaliça” era de facto a nossa hortaliça, mas não. Basicamente tenho quase 30 entrevistas para alterar nos próximos dias.

Amanhã é dia de comer, mas não sei ainda o que será o acompanhamento, a parte principal, essa já eu sei, o mesmo de todos os dias – para provar que certos determinismos existem - o belo do arroz, ou bianda se quisermos chamar as coisas pelos nomes. Tenho que me tratar bem, porque à velocidade com que os mosquitos me comem, se o almoço atrasar não restará nada se não pele e osso.

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