terça-feira, 19 de abril de 2016

Em três parágrafos

NUNO BASTOS


Nuno Bastos formou-se em artes plásticas e desenvolve o seu trabalho, sobretudo, na performance e na escrita. Nas suas performances diz textos da sua autoria.

 

 

Encaro como um aborrecimento a minha tentativa de escrever o texto que agora tendes perante vós e não fosse a minha caneta regular o fluxo contínuo de exteriorização e nunca teria dado início a este disparate. Teria sido mais proveitoso lançar o meu corpo ribanceira abaixo, quebrando um osso aqui e outro acolá ou provocando hemorragias internas devido a embates violentos contra o solo à medida que me fosse despedaçando. Com um pouco de jeito romperia um tendão ou enfiaria uma farpa aguçada crânio adentro ou até, talvez, vazasse um olho. Mas parece-me que a melhor solução será a construção de um segundo parágrafo para que este primeiro se feche.

 

Ora cá está ele, o tal de segundo parágrafo que dificilmente irá adiantar alguma coisa ao seu precedente. Sinto-me até um pouco frustrado por me supor legítimo ao ponto de ter lhe ter dado início, mas o certo é que este segundo só se justifica porque existe um anterior que regulou a vitalidade deste. Apesar disso, continua a parecer-me pouco provável que eu consiga tomar-lhe a rédea e compor nele uma bela história, daquelas que ficam nas mentes das gerações e que passam de pais para filhos e destes para os netos. Será até descabido ver um neto e o seu clã sentados em redor de uma fogueira, ouvindo o ancião relatar o passado neste texto. E creio também que a melhor solução será despachar este escrito do modo mais breve possível para que não fira os olhos de quem o lê. É possível que lhe tenha de adicionar mais umas tantas palavras e frases de modo a que se pareça com um texto aproximadamente legível ou algo que se perceba como tal e que, mesmo que as palavras à vista funcionem como tampão, lhe seja possível penetrar entre as letras e aguçar o apetite com o outro lado. Mas isso aconteceria se, de facto, cada letra deste texto possuísse esse tal de outro lado pois, caso não o tenha, poderá não haver qualquer necessidade de investir no seu interior. Resta-me por agora dizer que vou a caminho do terceiro parágrafo que começa imediatamente a seguir ao término deste, anexando a vil esperança que nele surja algo de inefável e espantoso.

 

Agora que já avanço pelo terceiro parágrafo, espero que este texto se quede por algum término encontrado. E é, sem dúvida, conveniente que venha o ancião e me oferte um par de chapadas em cada face para que eu pare imediatamente a escrita deste devaneio execrável e me estenda solo abaixo, enterrando qualquer sopro que de mim sobre.

 

1 comentário:

  1. Meus caros,
    Preciso de entrar em contacto com o escultor Eduardo Sérgio (que participa no vosso blogue), por causa de um artigo que estou a escrever, no qual falo de um busto realizado por ele e que ainda se encontra em Cabo Verde, no local em que foi erigido.
    O meu email é o seguinte: mindelosempre@gmail.com
    Antecipados agradecimentos e cumprimentos,
    JS

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