sexta-feira, 31 de maio de 2013

Ilusão de Amor-Uma história de Pedro Vale

PEDRO VALE

Do alto da Vigia, um olhar jovem sobre os sonhos, misturados com a realidade da vida


Vejo-a da janela mais alta, do castelo do seu marido, condenado à morte, a espreitar como soubesse que me encontro dissolvido na chuva que cai, atrás da acácia centenária e enterrado na lama que alimenta aquelas silvas que ao pular o gradeamento me rasgaram a pele, mas ela… ela rasgou-me o coração, quando naquele anoitecer sereno, no baile de gala, me olhou, e aí, sem lógica, sem preliminares, sem racionalidade e explicações, tudo mudou.

Carolina Martins de Albuquerque, dama de alta sociedade, herdeira dum grande espólio monetário, acima de tudo educacional, casara com Francisco da Silva Mendes, sujeito pouco bem-parecido, e que tinha o que queria devido ao dinheiro, como o tinha ninguém sabe, apenas sei que era como um vagabundo que vestia um fato castanho caqui, e punha um chapéu de coco, um homem sem modos, que apenas possuía uma pérola como Carolina por ter conseguido iludir os pais dela ao casarem-se. O símbolo daquele casamento era para todos um ponto de interrogação, assim como quem era este Francisco, de baixa estrutura, aparentemente débil.

Ela sorria sempre que me via, um sorriso escondido, mas que por entre uns longos cabelos castanhos cor de mel parecia uma brisa primaveril vinda dum jardim repleto de margaridas…

Num pôr do sol e numa praia tão escondida que ainda não sei bem onde fica, estive com ela, e ao mesmo tempo que as ondas esculpiam as firmes escarpas com delicadeza e perfeição, eu esculpia com as minhas firmes mãos a sua redonda face, um rosado tom na sua pele, um brilho nos olhos verde-esmeralda, como que se pingos de água cristalina caíssem daquelas duas jóias, e o mais importante de tudo, esculpia-lhe uma sede pela minha quente paixão, por aquele amor proibido e eloquente, um amor secreto pelo qual me tornei viciado. Naquele momento, tudo foi perfeito, o tempo parou, as andorinhas do mar ficaram imóveis, assim como o ribombar das ondas e os moinhos de areia. Carolina deitada sobre o meu colo e eu sentado… tudo isto preso num quadro de aguarelas.

Foi uma verdadeira história de amor, até que, como tal, teve um final trágico.

Eu atrás da acácia centenária não observo minha musa! -Ai Carolina o quanto sente o meu corpo e alma o teu ser divino! Eu debaixo desta tempestade, imagino vê-la na janela mais alta do castelo do seu marido condenado à morte… condenado por toda a gente que o despreza, e por ter morto minha donzela. Choro – Ai Meu Deus, porque me deste uma filha tua para depois  ma tirares e me fazeres cumprir o fim deste homem que tanto atormentou e matou Carolina, com o mesmo descargo de consciência e paz com que o via beber aquele vinho na janela dela…porquê eu? Porquê?

Entro pela porta dos fundos, deparo-me com uma casa escura, decorada de modo a parecer o palácio de Versalhes, de tal modo requintado com tapeçarias, quadros, loiças, etc. Escorrendo água e raiva, começo a subir as escadas, sem forças, agarro-me no corrimão verde e frio com a mão esquerda, enquanto com a mão direita mal seguro no machado…

Já no corredor do último piso, com a luz do luar vinda do quarto do meu anjo, onde um demónio prospera, abro a porta que range, mas o desgraçado não se move, aproximo-me passo a passo, com um resto de força levanto o machado, e…

O machado trespassa-lhe o corpo, e este desvanece no ar… -Mas o que é isto? Um espírito? A porta tranca-se, os estores da janela também, fico no quarto dela às escuras, sem ninguém que me ouça… no escuro esquecido e a lembrar-me daqueles olhos verdes… os que me prenderam neste lugar que, quando caio em mim, me apercebo que não é no quarto de Carolina que me encontro trancado, mas sim nas recordações do amor dela.


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