terça-feira, 24 de novembro de 2015

Tresler Ciência

EDUARDO SÉRGIO



PARTE I

1.O desenvolvimento alcançado modernamente pelas ciências, em especial pelas ciências naturais (ramo que as opõe naturalmente às ciências artificiais) deu ensejo a que se procurasse relacionar os resultados obtidos pelas investigações científicas com as VERDADES REVELADAS.

2. Ora, estas verdades, as designadas por REVELADAS, provém da chamada CIÊNCIA INFUSA. Esta CIÊNCIA INFUSA (por vezes difusa para aqueles que nela acreditam em percentagens movediças) provém de um ente tido por supraHumano. No antigo Egipto esse ente, como se sabe, era o Sol – o astro-rei que veio a saber-se ser uma estrela. Em outras mais recentes religiões, esse ente toma a designação de deus no singular e, para bem o distinguir do plural “deuses”, mandam grafa-lo com D maiúsculo. E, como o povo dantes dizia, “manda quem pode & obedece quem deve”. Mas, como quem não deve, não teme, temos que…

3.… nos vários credos que vêm grassando pelo mundo, com +/- graça têm aparecido teóricos dessa deidade, chamados de teólogos ou de teósofos (conforme a cor, a direcção, o peso e a densidade das teorias em causa) que sustentam não poder haver contradições entre a ciência dos ateus e a ciência dos crentes. No entanto, há autores – e nãoPoucos – que afirmam haver de facto demasiadas Contradições demasiado Evidentes.

4.Serenamente, percebe-se então que há de facto inumeráveis contradições entre a religião e a ciência, entre a fé e a razão. Não vamos, porém, tratar de qualquer fé – a fé não se discute, aceita-se sem que a razão intervenha. E prontus!

5.Antes de serem inventadas as ciências infusas, existiram as ciências ocultas; matéria muito séria que ainda hoje faz sorrir boa gente.

Antes de ter sido inventada aquela matéria científica, que veio depois a ser designada por – por exemplo – Psicologia das massas amorfas, já o sorriso amarelo de diferentes tonalidades era a reacção dominante dos bem e mal pensantes com pretensões cientificantes dentro do sériÓsisudo.

6.As principais ciências ocultas que atingiram grande celebridade na denominada Idade Média europeia…

7… período histórico algo pardacento que, como sabido, se divide em Alta, Média e Baixa Idade Média, conforme o grau de circunspecção e concupiscência do tema em análise…

8.… foram a Alquimia, a Astrologia, a Cartomância e a Magia – importadas de modo mais ou menos directo da velha Caldeia (actual Palestina) e do Antigo Egipto.

9.Segundo corre por aí, certos arqueólogos que conseguiram decifrar restos de hieróglifos ainda aglutinados, afirmam que os faraós tinham ao seu serviço magos que pretenderiam imitar os prodígios pirotécnicos e de prestidigitação de Moisés – tal como converter varas em serpentes e estas em varas hirtas; e destas para viperinas ondulatórias.

10.A Astrologia tinha por fim adivinhar o futuro. A Alquimia, a transmutação dos metais – do ferro para o bronze e deste para o ouro (de preferência não volátil e ainda sem capacidade de entrar na bolsa de valores). A Magia ocupava-se da busca do remédio universal e, consequentemente, do estabelecimento do elixir da imortalidade.

11.Tanto acolhimento vieram a ter as ciências ocultas que no século X existia na Universidade de Bolonha uma cátedra para o ensino da Astrologia Judicial.

12.Chegando cada corte europeia do século XI, a ter um astrólogo que traçava os horóscopos e acompanhava os monarcas e seus ministros, conforme a disposição dos planetas e sinais encontráveis nas percentagens de cinzentos (mais ou menos escuros) nas nuvens que certos ventos tinham o poder de acumular em horizontes físicos mas sobretudo mentais.

13.Do exercício destas ciências, passou-se ao seu estudo ainda mais científico, tendo nascido – com lentidão exasperante – uma alquimia de terceira geração. Esta veio a denominar-se Química: uma muito invejada Ciência – Espavento.

14.Para a prática das várias classes e níveis de Magia (nunca esquecer os níveis!) empregavam-se objectos he-te-ró-cli-tó-Compostos. Nos sortilégios empregava-se sangue obtido fresco de galináceos, na falta de águias e gaviões; lebres e coelhinhos brancos, na falta de animais de maior porte.

15.E no maior porte, entenda-se aqui as fêmeas ovelha e cabra. Do sangue fresco dos machos esperavam aqueles cientistas obter melhores orientações racionais – usavam, assim, o cordeiro para tirar os pecados do mundo e o bode para espiar faltas de naturezas outras…

16.Para casos mais complexos e em hierarquias sociais superiores, era empregue o sangue de crianças. Se tais crianças eram obtidas entre os escravos, livros arquiArcaicos que certas religiões ainda utilizam, mencionam sangue de criança, filha do próprio mago oficiante.

17.Houve mestres e professores públicos de necromancia e escreveram-se numerosas e volumosas obras (algumas soberbamente ilustradas) com sentenças, receitas e aforismos em linguagem obscura ou criptografada.

18.Como reminiscências, que muita gente distraída julga temporalmente muito e suficientemente afastadas, existem as cartomantes, as sonâmbulas, videntes e outras exploradoras Certificadoras das incógnitas da vida. É curioso observar, porém, que essas profissões, tradicionalmente ocupações e vocações femininas na maioria dos centros civilizacionais, passaram a ter acesa concorrência do sexo oposto.

19.Este assunto pode parecer sem importância e perdido na poeira dos tempos. Acontece que atentos sociólogos descobriram, por exemplo, que demasiadas irrequietudes sociais da etnia roma ou romani (vulgo ciganos) se possa dever à perda da exclusividade de leitura da sina, feita agora por magos encartados, ora de raça negra, ora indo-ariana, com consultórios anunciados na grande imprensa e entrevistas na televisão.

20.Mas, não vos espanteis, Senhoras e Senhores! As chamadas cartas astrais, seus traçados a cores e decifração/interpretação, há mais de 30 anos que se encontra sob a forma de software para qualquer computador portátil adquirido no supermercado dali.

21.Desde que as estações de correios passaram a ter escaparates e expositores de “gadgets” e livralhada, fácil se torna adquirir ciência futurológica – cartologia “tarot”, invocação de anjos tutelares, levitação em 10 lições, etc.



PARTE II

1.Do confuso emaranhado com CIÊNCIAS OCULTAS, estivemos até agora expondo algumas facetas da ciência infusa, aquele dom preter-natural pelo qual um nunca visto Ente supraHumano comunica a uma inteligência Humana, a inteligibilidade das coisas sem o concurso dos sentidos nem do esforço intelectivo. É assim e pronto!

2.Infusão, como sabeis, é a conservação temporária de uma substância num líquido para se lhe extrair princípios medicamentosos ou alimentícios. E cremos bem terem percebido que a ciência infusa é a dos conhecimentos ou virtudes que alguém tem sem haver trabalhado para os adquirir…

3.Vamos falar-vos agora da outra ciência, aquela que precisa de trabalho, e não pouco, para a sua percepção. Isto é, o conhecimento certo e racional sobre a natureza das coisas e sobre as suas condições de existência. E também a investigação metódica das leis dos seus fenómenos.

4.Esse tipo de ciência nasceu da Grécia do século VI a.C. com a preocupação de fundamentar e sistematizar o saber. E tudo parece indicar que nasceu ao mesmo tempo que a indagação racional sobre o mundo e o Homem, com o propósito de encontrar a sua explicação última. Essa indagação racional passou a denominar-se Filosofia. “Filo” de amigo, + “Sofia” de conhecimento, como se ensina (ou ensinava…) nos bancos da escola d'Antigamente: “Amor da Sabedoria”.

5.Acontece que até hoje as questões da relação entre a ciência e a filosofia continuam a não encontrar consenso na mente humana. São possíveis, porém, três respostas fundamentais a este respeito. 1ª resposta: a Ciência e a Filosofia não têm qualquer relação.

6.2ª resposta: a Ciência e a Filosofia estão tão intimamente relacionadas entre si, que de facto são uma só e a mesma coisa.

7.3ª resposta : a Ciência e a Filosofia mantêm entre si relações muito complexas.
Complexidade A (de ABERTO, de ANGÚSTIA, de AGUDO): a relação entre as duas é de índole histórica – a Fi foi, e continuará a ser, aquela que se ocupada da formação dos problemas, depois tomados pela Ci para os solucionar.

8.Complexidade B (de BRILHO, de BURACO, de BERRO): a Fi é não só a mãe, como madrinha-madrasta-tia das Cis no decurso da história, mas também – SALVE! – a rainha das Cis em absoluto. Quer por conhecer o +Alto grau de abstracção / quer por se ocupar do Ser em geral / quer por tratar dos pressupostos das Ciências.

9.Complexidade C (de CIFRA, de CIMO, de CERTEZA): a Ci, as Cis, constituem um dos objectos da Fi ao lado dos outros; há por isso uma Fi da Ci (e das diversas Cis fundamentais) tal como há uma Fi da religião, uma Fi da arte, uma Fi da Indignação, etc.
10.Complexidade D (de DELEITE, de DESERTO, de DELÍRIO): a Fi é fundamentalmente a teoria do conhecimento das Cis. Isto porque o que distingue uma Ci de outra Ci, não é a natureza dos objectos que estuda, mas o ponto de vista sob o qual os estuda.

11.Complexidade E (de ESPELHO, de ESPANTO, de ESCURO): as teorias científicas mais compreensíveis – surpreendentemente – são teorias de teorias.

12.Complexidade F (de FELIZ, de FRÁGIL, de FARDO): a Fi está em relação de constante intercâmbio mútuo relativamente à Ci; proporcionando-lhe certos afagos, perdão, certos conceitos gerais (ou certas análises) enquanto esta proporciona àquela, dados sobre os quais desenvolve esses conceitos gerais (ou, enfim, leva ou tenta levar a cabo essas análises).

13.Complexidade G (de GRETA, de GRAVE, de GOZO) : a Filosofia examina certos enunciados que a Ciência supõe, mas que não pertencem à linguagem desta.





PARTE III



1.Enumerámos 7 complexidades: pensamos nós que a sua totalidade! Será fácil, no entanto, comprovar que a maior parte delas é de dramático carácter parcial.



2.Onde a tal parcialidade se fica a dever a um suposto prévio: o de que Ciência e Filosofia são conjuntos de proposições que se procuram comparar, identificar, subordinar, entrelaçar, enroscar, rivalizar, abocanhar, etc.



3.Não fora o caso pragmático de estarmos dentro deste espectáculo, teceríamos umas tantas considerações – nomeadamente o facto de, para não poucos cientistas, a Filosofia Não Ser um conjunto de sofismas nem de sistemas que emergem e se fundem continuamente…



4.… nem de mais ou menos lindas concepções, em última análise, de índole poética.



  MÚSICA + VÍDEO Nº….



5.A inquietude do ser Pensante desde sempre tentou classificar as Ciências. Parece unânime, no entanto, que as antigas classificações têm hoje apenas ridente interesse histórico.

6.Foi só no século XIX que apareceram classificações com valor doutrinal e fundadas na natureza dos problemas colocados pelas diversas Ciências. Um senhor importante como Augusto Comte reconheceu 6 fundamentais: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia. Teve, porém, a ideia de juntar uma 7ª ciência que ele classificou de suprema: a Moral. Esta bizarra categoria – Ciência Moral – fez abalar parte do edifício da racionalidade científica.

7.Óbvio que outros, muitos outros, vieram com outras ideias, tais como Ciências abstractas, abstrato-concretas e concretas,

8.            Ciências do logos,

9.            Ciências da realidade,

10.          Ciências naturais e artificiais,

11.          Ciências formais,

12.          Ciências do espírito,

13.          Ciências fenomenológicas, genéticas e sistemáticas,

14.          Ciências físicas precisas e imprecisas,

15.          Ciências físicas sinópticas,

16.          Ciências biológicas,

17.          Ciências empíricas e subjectivas – tal como as Sociais,

18.          Ciências matemáticas,

19.          Ciências filosóficas e por aí fora, fora e fora num vasto delírio de taxonomias.

20.Os exemplos apontados constituem simples indicadores de quanto é difícil encontrar critérios válidos de tipologização e de quanto parece fácil operar reduções, formular postulados e exibir preconceitos.

21.Mas, Senhoras e Senhores, urge dizê-lo: a classificação das ciências em pormenor é simples matéria de conveniência. Tem muito maior e duvidoso valor prático do que concreto significado teórico

……………………………………………………….(TAMBOR)



22.Pois … acontece é que as relações entre Filosofia e Ciência estiveram sempre marcadas e …

23.… e continuam a estar marcadas, acaso mais do que nunca …

24.… pelo sinal da am-bi-gui-da-de.

25.É essa ambiguidade que se estabelece com frequência excessiva, ao tornar sinónimos e unívocos os conceitos “exactidão & verdade”…

26.… “verdade & objectividade”!

27.Falar mais para quê?





 (GONGUE)

*********TEXTO DA CONVERSA AO TELEFONE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!





(segue Parte IV– Arte ………………………………………………..e final)



Eduardo Sérgio Pessoa de Magalhães Figueiredo é 2ª Barão da Costeira. Nasceu a 11 de Abril de 1937 e é professor universitário aposentado, escultor, músico e art performer.
Representado, como músico, em

domingo, 22 de novembro de 2015

Teleférico adiado,eléctrico na ordem do dia

JOÃO CACHADO



Segundo fonte fidedigna, a Câmara Municipal de Sintra decidiu considerar não prioritária a ideia da instalação do teleférico para acesso a um dos pontos altos da Serra, mais especificamente, num circuito entre São Pedro e a Pena. Cumpre sublinhar que, nunca tendo apresentado qualquer projecto mais ou menos formal nem contraído compromissos de ordem alguma quanto à sua concretização, a decisão da autarquia surge na melhor altura.

É natural que, já tendo ultrapassado a primeira metade do mandato, o executivo autárquico se sinta na obrigação de dissipar quaisquer dúvidas relativamente aos projectos que, efectivamente, não tenham pés para andar nos próximos dois anos. De facto, porque haveria o executivo municipal de manter alguma expectativa em relação àquilo que acolheu apenas como uma ideia que, por maioria de razões, tanta controvérsia, dúvidas e melindres tem suscitado? Porque insistiria na hipótese de solução do teleférico, se outras existem e até pouco ou nada contundentes, quando, por todo o concelho, não faltam situações carentes de urgente remediação, impondo uma criteriosa aplicação de empenho, engenho, arte e de todos os recursos materiais e humanos disponíveis?

Se, por enquanto, anuncia uma decisão que ainda deixa porta aberta para uma futura e eventual reconsideração da ideia, a Câmara Municipal de Sintra nada deverá recear quanto a favorecer o aparecimento de algumas reacções de circunstância, aparentemente menos positivas ou indesejáveis, porque estaria exibindo provas de hesitação e/ou de flagrante tibieza perante contrariedades de percurso… Enfim, mesmo que, num ou noutro caso, assim possa suceder, é um absoluto nada que nem sequer merece um minuto de reflexão.

No meu caso, há muito subscrevendo posição frontalmente contra a solução do teleférico, apenas me cumpre saudar a posição da Câmara. Como soe dizer-se, só os burros é que não mudam…  É por isso que saúdo calorosamente a decisão, confiante no discernimento que há-de prevalecer e que, uma vez instalado o sistema integrado de trânsito, articulando com as soluções de estacionamento a concretizar – nomeadamente, os parques periféricos e bolsa de proximidade que advogo há tantos anos –  o mesmo discernimento que, mais tarde ou mais cedo, acabará por alicerçar a victória de outra solução pela qual, em concomitância, tenho pugnado ao longo de tantos anos.

Refiro-me à proibição do acesso à Pena em transporte particular e, portanto, para aquele efeito, como tantas vezes escrevi nas páginas do Jornal de Sintra, apenas a autorização para circulação do transporte público colectivo que, naturalmente, descarta qualquer necessidade de permanência dos parques de estacionamento nas imediações das entradas do Parque.

Aliás, a esmagadora maioria dos visitantes, cerca de noventa por cento de estrangeiros, está conforme ao tipo das civilizadas medidas que aqui volto a referir. Por outro lado mas, no mesmo sentido, apontar aqueles objectivos como praticáveis contribuirá decisivamente, estou certo, para evitar os evidentes pontos de fricção prevalecentes, tanto a nível local como em relação aos que os próprios peritos da UNESCO tiveram oportunidade de salientar em anterior visita e que, naturalmente, não deixarão de considerar na próxima, já em 2016.

A breve trecho,

reedição do trajecto da saudade!

Não deixa de ser curioso que, ao declarado adiamento da ideia do teleférico acabe por corresponder, também no domínio dos transportes, uma urgência manifesta que, como verificam, a ilustração desta página logo esclarece. Na cena, bem real há algumas décadas, até quase ao início dos anos sessenta, pontifica o famoso eléctrico de Sintra, no seu perfeito sossego da estação terminal da Vila Velha, cena que, não tenho a menor dúvida, todos muito gostaremos de partilhar, ou de voltar a partilhar, como é o meu caso e o de alguns leitores, num futuro relativamente próximo.

Para já, para já, tenhamos em consideração que, de acordo com anterior informação do Senhor Vereador Luís Patrício, a quem está afecto o pelouro da Mobilidade Urbana, confirmada durante a reunião com os representantes das associações cívicas e culturais de Sintra (*), no dia 9 do passado mês de Junho, foi salientado que, até ao fim do actual mandato autárquico, em Setembro de 2017, a referida linha vai ser prolongada, com o propósito de reinstalar o troço entre a Vila Alda, no Largo Nunes de Carvalho, e a estação ferroviária de Sintra.

É através desta medida que, finalmente, a Câmara Municipal de Sintra porá termo ao hediondo sarcófago da Heliodoro Salgado, pedonal cartaz do pior que Sintra tem oferecido a residentes e visitantes, que tanta polémica gerou nestes últimos quinze anos. A exemplo do que acontece noutros contextos nacionais e estrangeiros, com o eléctrico atravessando aquela artéria, prevê-se que recuperada será toda uma perdida animação que, de modo algum, é incompatível com a permanência das actuais e eventual instalação de mais esplanadas.

Esta é uma solução que se articula e conjuga perfeitamente, tanto com a circulação dos peões como com a eventual abertura de trânsito, condicionado e apenas num dos sentidos, como tem sido sugerido, alternativa que o referido senhor Vereador confirmou como estando em estudo. De vocação exclusivamente pedonal e a explorar em todas as vertentes de animação sociocultural, haverá que, inequívoca e convenientemente, dinamizar o tão favorável e vizinho espaço da Correnteza que tão desaproveitado tem sido. E, assim, também por esta via, se poderão compensar os desastrosos prejuízos e inconvenientes da pedonalização da Heliodoro Salgado.

Portanto, no prazo de dois anos, uma vez concretizada a primeira etapa do prolongamento da linha do eléctrico, a Estefânea em particular e Sintra em geral, logo poderão começar a colher os respectivos e previsíveis benefícios. Posteriormente, com o objectivo da Vila Velha no horizonte, teremos o especial gosto de rever, de reviver e de propiciar a grata experiência que a foto reproduz. Cerca de sessenta anos depois, é já o sonho a funcionar...

Na altura em que a referida reunião se realizou, tendo entendido que já havia estimativas de orçamento, é com certa tranquilidade que mantenho o ânimo em relação à concretização do projecto. Sei que o meu entusiasmo também é partilhado por milhares de munícipes, de olhos postos nesta promessa que, simultaneamente, já é uma das mais aliciantes propostas para o ganho de uma qualidade de vida urbana que Sintra tanto merece e tanto tem tardado.

Assim sendo, a todo o momento, depois dos habituais e morosos trâmites, esperemos pelo início das obras. Porque, na realidade, o tempo é escasso! Entretanto, como condição sine qua non da viabilização e concretização da obra em perspectiva, indispensável se torna proceder a uma série de alterações muito significativas, quer ao nível do trânsito quer em relação ao estacionamento, regime de cargas e descargas, rígido condicionamento e exclusividade de circulação a determinados veículos, em vias tão sensíveis, não só como a já aludida Heliodoro Salgado mas também Miguel Bombarda e Volta do Duche.

Trabalho imenso, em tempo tão reduzido, é um grande desafio que as mencionadas associações não deixarão de acompanhar com o empenho e a disponibilidade que a autarquia sabe poder contar sem reservas.

_________

(*) Reunião coordenada por Rui Pereira, Vice-Presidente da Câmara, acerca das previstas alterações de trânsito e soluções alternativas de tráfego e estacionamento, com representantes das associações de Defesa do Património de Sintra, Alagamares- Associação Cultural e Canaferrim- Associação Cívica e Cultural.


[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Agustina Bessa-Luís- a obra e a crítica



MIGUEL REAL

A edição de cinco romances incompletos de Agustina Bessa-Luís (AB-L) pela Fundação Calouste Gulbenkian, coincidente com a realização do I Congresso Internacional do Círculo Literário AB-L, “Ética e Política na Obra de AB-L”, fica a dever-se ao trabalho de Silvina Rodrigues Lopes (SRL), e o próprio título geral do volume, Elogio do Inacabado, espelha a visão específica dos romances de Agustina desta professora da Universidade Nova de Lisboa. Digamos que a sua teoria estética sobre o romance e em particular sobre a arte do romance de Agustina contaminam positivamente, muito positivamente, esta edição de inéditos da escritora mais importante de Portugal da segunda metade do século XX.
Com efeito, existe uma tal fusão entre a crítica de SRL e a obra romanesca de AB-L que é hoje difícil ler a romancista sem o olhar analítico expresso pela primeira. De facto, publicadas em Portugal, existem diversas leituras descritivas da obra de Agustina, mas poucas, pouquíssimas, interpretações teóricas da sua obra. Entre as primeiras, citaríamos Catherine Dumas (Estética e Personagens nos Romances de Agustina, 2002) e Laura Bulger (diversos livros, especialmente sobre O Ângulo Crítico do Entendimento do Mundo, 2007). Entre os segundos, sublinharíamos três autores: Eduardo Lourenço (os dois artigos publicados na Colóquio e no Tempo e o Modo em 1963 e 1964), que estabeleceu o modelo historiográfico da leitura da emergência de Agustina na literatura portuguesa na década de 50; Álvaro Manuel Machado (sobretudo em AB-L. O Imaginário Total, 1983); finalmente, a leitura de SRL que, em Alegria da Comunicação, 1989, e AB-L. As Hipóteses do Romance, 1992, inscreveu a obra da romancista de um modo original no panorama da literatura portuguesa contemporânea.
Em 1984, em “Bruscamente – Sobre a Obra de AB-L” (inserto em A Aprendizagem do Incerto, 1990) a autora refere que “… inacabamento e complexidade são os dois eixos que orientam a escrita dos romances de Agustina” (p. 119). De facto, fundamentada histórica e hermeneuticamente a teoria do “Incerto” e do “Inacabado” na sua obra maior, A Legitimação em Literatura (1994), SRL defende que nos romances de Agustina não existem “um princípio e um fim estruturais” (AB-L. As Hipóteses do Romance, p. 12), ficções construídas sem modelo nem plano, sem critérios prévios de hierarquia categorial (espaço, tempo, acção…), como uma tapeçaria fina de pormenores descontínuos e fragmentários em torno de situações e personagens, na qual “é a própria construção do romance que concretiza a ideia de romance ou que dá a pensar as suas hipóteses” (p. 11). Dito de outro modo, “a história [narrada] não só nunca é completa mas aquilo que nela é hipótese, puro possível sem realidade na ordem de sucessão temporal, é essencial para que ela se desencadeie ou para que prossiga” (p. 12).
Existe assim uma “subjectividade empírica” (p. 12) ou, diríamos nós, um intuicionismo estético (porventura marcado pela predominância no Porto, na primeira metade do século XX, da obra filosófica de Henry Bergson) na obra de Agustina que a impede, enquanto autora, de reflectir o âmago da experiência em forma de tipos sociais (neo-realismo) ou de caracteres psicológicos (presencismo) cristalizados e definidos, devido à sua visão da radical incompletude e complexidade da realidade, transposta esteticamente em forma de fluxos ou correntes sintácticas (as “hipóteses de romance”), que, posteriormente, ao longo da teia assim tecida, ora se concretizam ou não. Ou, como afirma Álvaro Manuel Machado no que diz respeito às personagens criadas por Agustina: elas são “a manifestação simbólica (…) de uma complexidade imensa de elementos heteróclitos, sobrepostos no tempo” (AB-L. O Imaginário Total, 1983, p. 189). Para este crítico, Agustina reconstrói pela imaginação, não raro em forma de aforismo, a totalidade da experiência vivida que, por sua vez, SRL defende não só não poder nunca ser reconstruída literariamente como a expressão da sua carência, da sua incerteza, da sua incompletude, do seu “inacabado”, constituem a singularidade estética da literatura de Agustina. Daí o título do volume ora publicado: Elogio do Inacabado.
Diferente de Fernando Pessoa, que experimenta este íntimo, essencial e ontológico inacabamento do mundo, espelhando-o de um modo disperso por via da pluralidade dos seus eus autorais, Agustina funde a constitutividade fragmentária do real numa oscilação “sem cessar entre o buraco negro e o lago cintilante”, no dizer imagético de Eduardo Lourenço (“Prefácio” ao livro citado de Laura Bulger, p. 7), numa espécie de fusão luxuriante de vida das palavras que o mesmo autor considera ser semelhante a uma “floresta amazónica”.
Enquanto Óscar Lopes vincula a obra de Agustina, seja às profundas mudanças sociais ocorridas no Norte de Portugal na passagem, no século XX, entre uma vida rural, fundamentalmente católica, e uma sociedade urbana e europeia, seja ao efeito de dissolução e decadência de uma burguesia originariamente rural, SRL considera que Agustina é dos poucos autores portugueses contemporâneos que acolhe na sua obra o permanente e contínuo ritmo de mudança de toda a sociedade e história, e, no interior desta mudança, a incapacidade de a razão humana a entender de um modo claro e distinto. Neste sentido, toda a obra de arte culminaria num retrato inacabado da realidade, e o grande autor seria aquele que desse conta na sua obra deste constitutivo inacabamento. Assim, SRL refere que a obra de Agustina é marcada pela ”resistência à comunicabilidade total e imediata. Daí que a proliferação de matéria romanesca [o que Álvaro Manuel Machado designa por “complexidade imensa de elementos heteróclitos” e Eduardo Lourenço identifica, imageticamente, com “floresta amazónica”], aparentemente agenciado por simples acumulação e associação, sem hierarquização visível, se fecha sobre um centro pleno e vazio, como um segredo indecifrável que provoca uma explosão de respostas e dúvidas” (SRL, Exercícios de Aproximação, 2003, p. 127). É justamente para este mistérico “centro pleno e vazio” (um “buraco negro” e ao mesmo tempo um “lago cintilante”) que os textos de Agustina nos convocam, revelando e ocultando simultaneamente, de um ponto de vista estético, a incerteza, a imperfeição-perfeita e o inacabamento do mundo.
Porém, observa SRL, “os finais inconclusivos dos romances de AB-L não são puramente inconclusivos, eles são uma espécie de conclusão da impossibilidade de concluir, que se vai reafirmando de romance em romance, como se fosse essa a «moral da história» do escritor, da sua história de escrever romances” (As Hipóteses do Romance, p. 17).

Elogio do Inacabado
(pref. Silvina Rodrigues Lopes)
Fundação Calouste Gulbenkian, 534 pp. 40 euros.