quarta-feira, 2 de abril de 2014

Quarteirão das artes [I]

JOÃO CACHADO


Primeiramente, se me permitem, uma breve referência à designação Quarteirão das Artes, Uma Proposta para a Estefânea, tais os título e subtítulo de uma interessante proposta de animação cultural que os senhores Vereadores do PSD Paula Neves e Luís Patrício apresentaram a sessão de Câmara do passado dia 13, unanimemente aprovada pelos seus pares.

A verdade, caros leitores, é que logo se me impôs a relação com outro, talvez o mais famoso quarteirão das artes europeu, o Museumsquartier de Viena. Ora bem, salvaguardadas que sejam as coordenadas de escala, em todos os possíveis contextos de análise comparativa, tal conotação, nos seus meandros mais gerais, só remete para aspectos positivos.

Por isso mesmo, no quadro de alguns comentários seguidamente partilhados, se entenderá que, de modo algum, me será permitido elevar a fasquia ao nível do que acontece na capital austríaca. Tal não impedirá que deixe de fazer reparos relativos a alguns dos factores que, na zona de Sintra em apreço, se revelam menos positivos no contexto da avaliação tão sumária da proposta em apreço e que, se não forem colmatados, comprometem o êxito que merece.

A Cultura, integradamente

À partida, é indiscutível que, no Bairro da Estefânea se concentra um muito apreciável potencial de oferta cultural da sede do concelho de Sintra. Perante tal evidência, a aparente tentação dos autores terá sido a de considerarem o aspecto cultural, sticto sensu, se bem que, por exemplo e significativamente, não tenham poupado referências à necessidade inerentes da requalificação do espaço.

No entanto, tê-lo-ão feito à revelia de uma concepção mais abrangente, nos termos da qual as actividades, atitudes e iniciativas de animação cultural, quer as mais institucionais quer as menos formais, se devem enquadrar e apresentar à comunidade num quadro de oferta geral de qualidade do espaço urbano, indissociável da qualidade de vida, quadro aquele integradamente propício à vivência, usufruto e benefício da Cultura sob todos os aspectos.

Mas afinal a que me refiro eu? Muito simplesmente, por exemplo, num primeiro tempo, ao aspecto do estacionamento e ao facto de não poder render-me à evidência de ir assistir à representação de uma peça de teatro na Casa de Teatro de Sintra, na Rua Veiga da Cunha, a um concerto ou recital no Centro Cultural Olga Cadaval, na Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, ver uma exposição no Casino de Sintra, na Avenida Heliodoro Salgado ou na Vila Alda, ali à Rotunda Nunes Carvalho, e não ter à disposição uma solução civilizada para estacionar o carro.

Como admitir que a viatura fique de qualquer maneira, em cima do passeio, a atravancar a saída de prédios e garagens, quiçá, perigosamente, constituindo obstáculo à segurança de pessoas e bens? E que, a poucos metros de distância, na zona de implantação do edifício do Departamento do Urbanismo, todas as noites dos dias úteis e aos fins de semana, permaneça vazio um parque de estacionamento que, para efeitos de utilização, carece de requalificação, nomeadamente, nos aspectos da iluminação, vigilância e segurança?

Será admissível que, em Sintra, ainda se não tenha assumido – afinal e invariavelmente, como sucede nas latitudes civilizadas às quais, tão justamente, reclama pertencer – que qualquer acto cultural começa por e integra o modo como se acede aos lugares onde a Cultura acontece? Ou seja, que os transportes e o estacionamento, apenas referindo dois items de um quadro muito compósito, só podem ser civilizados, operacionais, fiáveis?

Heliodoro Salgado

Será possível pensar em actividade cultural numa zona que, tão manifestamente, é servida por uma das mais desqualificadas artérias de Sintra? Será de qualquer interesse, sequer conveniente e seguro, promover animação de rua na sua parte pedonal, a descaracterizada e actual «chinatown», que perdeu a maior parte do comércio tradicional, espaço físico inestético, cinzentão, tecnicamente mal resolvido, cuja impermeabilização o transforma em ribeira em dias de chuva?

E na via transitável? Aquele perfil ondulado, aos altos e baixos, onde automóveis e autocarros, com os amortecedores à prova, não raro batem com o chassis, lançando faíscas perante o olhar dos basbaques? Pois, também não é por ali que, ao volante, circulam e hão-de circular os destinatários dos programas culturais subordinados à sofisticada marca promotora do Quarteirão das Artes? Então, não é isto um paradoxo inconciliável com a promoção de eventos culturais?

No meu caso, não é fácil, mesmo nada fácil, escrever acerca deste assunto. E, como não compreensível se, ao longo de tantos anos, tenho apontado estes e outros negativos aspectos sem que tal denúncia cívica – aliás, minha e também alheia – tenha resultado em qualquer concreta atitude da obra que se impõe incontornável e inevitável? E não deve ela acontecer previamente e em articulação com os aspectos da animação cultural e do comércio locais, em prol da tranquilidade e da qualidade de vida dos residentes e forasteiros?

Por exemplo, na sequência das Jornadas de reflexão sobre a Estefânea, levadas a cabo no dia 22 de Março de 2004, na organização das quais estive envolvido, foi prometida a abertura da via à circulação dos eléctricos, a caminho da estação terminal da CP e da Vila Velha, como antigamente acontecia. Essa animação da via, tão desejada e consabidamente eficaz, a exemplo do que sucede noutros lugares, compatível com a montagem de esplanadas e com a circulação de peões, pura e simplesmente foi esquecida, não aconteceu, mas é indissociável de qualquer requalificação consentânea com esta proposta. 

Casino de Sintra

Continuarei na próxima semana. No entanto, desde já, cumpre corrigir um enormíssimo «detalhe», qual seja o da situação actual do Casino de Sintra, referido na proposta como “(…) espaço multiusos, hoje claramente desaproveitado (…)”. De facto, actualmente vazio, o edifício não está desaproveitado mas, isso sim, comprometido para acolher a Colecção Bartolomeu Cid dos Santos cujo valor ronda os cinco milhões de Euros.

Tenhamos em consideração que, nos termos do Protocolo de Cedência, oportunamente celebrado entre a Câmara Municipal de Sintra e a cedente, Sra. D. Maria Fernanda dos Santos, viúva do artista, além das obras de Barto, ainda está incluído um valioso espólio de valiosíssimas peças de seus amigos, tais como Paula Rego, Júlio Pomar, Vieira da Silva e até algumas do galáctico Francis Bacon!!! E, que, publicamente, o executivo liderado pelo Presidente da Câmara Dr. Basílio Horta, do qual fazem parte os Senhores Vereadores proponentes do documento objecto destas linhas, já confirmou tratar-se de um compromisso anterior cuja concretização apenas está pendente da clarificação de aspectos jurídicos do referido Protocolo.

Portanto, indubitavelmente, não se tratando de promessa, é já certeza confirmada da mais significativa mais-valia de dispositivo de animação cultural da zona da Estefânea, adivinhando-se como polo catalisador de atracção de visitantes nacionais e estrangeiros.



[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia] 

Sem comentários:

Enviar um comentário