quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sob a égide da Senhora Marquesa de Cadaval

JOÃO CACHADO

Ainda o Festival de Sintra cuja programação detalhada tive oportunidade de partilhar convosco na última edição deste jornal. De algum modo, se hoje volto ao assunto, faço-o com um diferente objectivo ao qual, como verificarão, dificilmente me poderia subtrair.

O regresso tem a ver com as justíssimas referências ouvidas no MU.SA à Senhora Marquesa de Cadaval, inicial e principal mentora desta prestigiada iniciativa cultural, que também patrocinou ao longo de várias décadas, para benefício de sucessivas gerações de melómanos.

De tal forma a sua figura se tornou indissociável do Festival que bem pode falar-se de uma omnipresença que, tão significativamente, se mantém mesmo depois de nos ter deixado em 1996 e, em especial, em vésperas de celebrar o meio século de edições já no próximo ano. Ora bem, a partir deste momento, vão permitir que introduza uma vertente pessoal.

Senhora Marquesa de Cadaval, meu mito

Além de balizarem um tempo de contemporaneidade da vida musical portuguesa, estas também são datas que fazem parte da minha cronologia pessoal. Comecei a frequentar as primeiras edições do Festival de Sintra, ainda criança, de calções. E cá estava a Senhora Marquesa de Cadaval. Pela mesma altura, sempre pela mão de meu pai, também em Lisboa, via a Senhora Dona Olga nos recitais e concertos, fossem os do Ciclo de Cultura Musical ou do Festival Gulbenkian e outros, quando, nos anos cinquenta, fui iniciado no gozo da boa música, ao vivo, nos auditórios.

Nessa época, para mim, a Senhora Marquesa já era um mito. E tão impressivo como alguns dos grandes músicos russos que ela própria se empenhou em trazer a Portugal num período em que isso não era nada fácil. Estou a vê-la, por exemplo, no Coliseu, quando cá veio o David Oistrakh, há 54 anos, interpretar o Concerto para Violino em Ré Maior de Beethven, com a Orquestra da Emissora, sob a direcção do Maestro Pedro Freitas Branco, seu grande amigo…

Totalmente fascinado pela sua personalidade, a coisa mais natural deste mundo acabaria por suceder muitos anos mais tarde quando, com Mário João Machado na produção, João Santa Clara na realização, me envolvi na concretização do projecto Marquesa de Cadaval, uma vida de cultura, o filme biográfico de que somos autores João Pereira Bastos e eu próprio.*

Para o efeito, entrevistámos amigos, como Maria de Jesus Barroso Soares, Jorge Sampaio, João Paes, Nella Maissa, Maria Germana Tânger, Luís Pereira Leal ou Luís Santos Ferro – este último como uma colaboração de grande destaque – bem como grandes artistas que beneficiaram do seu desinteressado mecenato, como Daniel Barenboim, Stefan Kovacevitch, Nelson Freire ou  Olga Prats.

Não tem descrição o que, a nível pessoal, aprendi e partilhei. De seu admirador desde criança, posso dizer, sem qualquer ponta de presunção, que passei à condição de membro do círculo dos seus mais afectos, portanto, daqueles que, por todos os meios ao alcance, não perdem oportunidade para lhe honrar a memória e divulgar a sua tão importante como discreta obra.

Por tudo isto, não admira que, na passada sexta-feira, durante a referida sessão de apresentação, além do júbilo, também muito me tivesse emocionado com as informais e tocantes alusões à Senhora Marquesa de Cadaval e à Quinta da Piedade, por parte quer do Prof. Adriano Jordão, actual Director Artístico do Festival quer do Presidente da Câmara Dr. Basílio Horta, quando se dirigiam a Teresa, Condessa de Schönborn-Wiesentheid, neta da ilustre patrona do contíguo Centro Cultural.

Pública promessa

Mantendo-me, tal como indica o título, sob a égide da Senhora Marquesa, confesso que estava à espera das palavras que ouvi de louvor ao trabalho de um seu grande e bom amigo pessoal, o Dr. Luís Pereira Leal que, durante cerca de trinta anos, foi competentíssimo Director Artístico do Festival de Sintra. A ele devemos, tanto em tempo de maior desafogo financeiro como no das recentes dificuldades, a vinda a Sintra dos mais consagrados intérpretes e de jovens valores do universo da música. Estou certo de que, a breve trecho, a CMS não perderá a oportunidade de concretizar a homenagem que é devida.

Finalmente, uma promessa que tem foros de compromisso público do maior realce. Com a satisfação que se lhe adivinha por poder concretizar tão auspicioso anúncio, o senhor Presidente da Câmara, informou e, perante a insistência de Adriano Jordão, confirmou que, em 2015, por ocasião da sua quinquagésima edição, o Festival de Sintra vai ter meios especiais para poder apresentar uma programação digna de Salzburg!... Nem mais nem menos!

Enfim, com os «descontos» que se me impõem perante a tão generosa hipérbole do Dr. Basílio Horta, eu que, há tantos anos, tão bem conheço a esplêndida oferta de Salzburg, adivinho, nas suas palavras, isso sim, um empenho digno da jubilar efeméride e da memória de quem foi a grande impulsionadora do mais sofisticado produto cultural de Sintra.


*O documento biográfico, com cerca de uma hora de duração, foi apresentado pela primeira vez no Centro Cultural Olga Cadaval, em 17 de Janeiro de 2014, por ocasião do aniversário natalício da Senhora Marquesa de Cadaval, já depois de ter sido adquirido pela RTP que assegurou os direitos exclusivos de teledifusão nacional e internacional pelo período de cinco anos. Logo que possível estará disponível no mercado uma versão em DVD.



[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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