No ano passado, depois de ter anunciado que, em
2015, para celebrar a sua quinquagésima edição, o Festival de Sintra contaria
com todos os meios adequados – chegando a dar como exemplo o incomparável caso
de Salzburg, e assim usando uma hipérbole que expressava a inequívoca
disposição e a conforme disponibilidade de o executivo autárquico se adequar ao
desafio – o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra criou a natural e
boa expectativa que, de facto, esta iniciativa cultural merece.
Convenhamos que não se afigurava fácil a tarefa,
tanto mais que se acrescentou a responsabilidade de contar com a Senhora
Marquesa de Cadaval, a mais desinteressada mecenas a quem o Festival, Sintra e
o país tanto devem, como figura tutelar deste jubileu. Na sua condição de mais
antigo e mais prestigiado do país, eis o Festival de Sintra, com pergaminhos
tais que, para estar à sua altura, preciso é trabalhar com a fasquia muito
alta, em todos os domínios, desde a concepção do programa e sua coerência
temática, ao contrato atempado dos artistas e, necessariamente, até ao detalhe
de todos os aspectos organizativos.
Pois bem, tendo terminado no passado dia 6, é tempo
de partilhar algumas ideias, não à guisa de formal avaliação mas, tão somente,
com o propósito de que, acerca da quinquagésima edição, fiquem elas alinhadas à
consideração de quem pode e deve concluir se os objectivos inicialmente
formulados terão sido alcançados e, eventualmente, em que medida poderão ser
rectificados alguns procedimentos.
Não me deterei em referências a qualquer dos eventos
já que, em tempo oportuno, tanto no Jornal
de Sintra, sobre o concerto de Abertura como, posteriormente, nas redes
sociais, me fui pronunciando à medida que iam sucedendo. Tal não significa que
me furte a indicar momentos ou circunstâncias que considero terem constituído
pontos mais altos e menos positivos do Festival.
Deixem-me, porém, voltar à questão dos pergaminhos
para vos confessar que, por vezes, chegam a intimidar. É que, pelo Festival de
Sintra, passaram só os melhores do mundo, desde maestros, a pianistas,
violinistas, violoncelistas, agrupamentos de câmara, orquestras, etc. É
verdade! Há poucos dias publiquei o palmarés que impressiona qualquer melómano
por mais rodado que seja…
Gostaria de confirmar que o tal prevalecente
propósito de estar à altura do passado, não equivale à absoluta necessidade de
contratar galácticos de nível
idêntico. Absoluta e inequivocamente indispensável, isso sim, a manutenção do
maior respeito pelo serviço à Arte e nenhuma concessão à facilidade, ao
improviso ou à falta de dignidade na celebração da grande Música.
2015,
altos e baixos
Em geral, nada houve que tivesse posto em causa os
exigentes e exigíveis padrões de qualidade. Pelo contrário, momentos como o do
recital inicial de Nelson Freire, no Centro Cultural Olga Cadaval, ou de ambos os
concertos que contaram com Olga Prats, no Palácio da Vila bem como, na Quinta
da Piedade, os eventos com o Quarteto Moscovo e o recital do pianista Jeffrey
Swann, incluíram momentos da maior elevação. Pelo contrário, infelizmente,
terei de registar – não inerentes a momentos de vivência musical mas a falhas
de organização – circunstâncias que, de todo em todo, por não terem sido
evitadas, afectaram o usufruto do público.
Muito especificamente, mesmo não entrando em
pormenores, de referir uma série de indícios de manifesta escassez de recursos
que acabariam por comprometer o nível
desejável. Desde os pianistas que, na maioria dos casos, não tinham quem lhes
virasse as folhas das pautas, até aos programas de sala e programa geral,
paupérrimos, pouco mais se limitando do que ao registo das biografias dos
artistas, estivemos perante uma indigência que, hoje em dia, é raro encontrar.
Não esqueçamos que, além de lugares geométricos de
relação com e de partilha da Música, um recital, um concerto, um festival também
são lugares de aprendizagem, de profundo enriquecimento pessoal. Para o efeito,
suposto é que os programas impressos se apresentem e sirvam como elementos
imprescindíveis do acesso às obras, para consulta no momento e memória futura.
Nos programas da 50ª edição do Festival de Sintra nem uma palavra sobre as peças,
nada sobre os compositores, e, francamente, muito pouco, praticamente nada
sobre a grande homenageada, a Senhora Marquesa de Cadaval.
Ainda de registar uma falha de organização que terá
impedido a apresentação dos Carmina
Burana, de Carl Orff, tal como anunciava o programa do concerto de
encerramento, com a Banda da GNR, as vozes solistas de Ana Paula Russo,
soprano, Mário João Alves, tenor e Armando Possante, barítono, bem como o Coro
Lisboa Cantat. Em sua substituição, imprevistamente e sem qualquer relação
programática, cronológica, temática ou outra, a referida formação musical apresentou
peças de Samuel Hazo, Schostakovitch, Duarte Pestana, Saint Saens, Manuel de
Falla e Tchaikovsky.
Sob a designação de Contrapontos, as conferências
e concertos por bandas filarmónicas correram de forma bastante satisfatória. Entretanto,
a transmissão televisiva dos eventos do Festival para as comunidades – em
diferentes pontos do concelho, via streaming,
em directo ou diferido – foi um programa que deu uns primeiros e tímidos passos
que será necessário melhorar significativamente para que o resultado ora
perspectivado seja efectivamente alcançado.
Em suma, uma edição do Festival de Sintra cujo
interesse, num ano particularmente crítico de celebração e de homenagem, foi
potenciado pela efeméride que alimentaria expectativas algo mitigadas por
dificuldades que importa avaliar convenientemente.
Tal como tenho vindo a insistir em diferentes
oportunidades, considero de toda a pertinência de operacionalizar o
funcionamento permanente de pequena
equipa, não mais de dois elementos, exclusivamente afecta à preparação de todas
as operações de uma iniciativa cultural com o gabarito que o Festival de Sintra
já teve e que cumpre recuperar a todo o transe.
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