segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O jogo das palavras

EURICO LEOTE


O jogo das palavras é um jogo muito delicado, direi mesmo extremamente delicado, e que por isso mesmo carece de ser jogado com muita precaução, e ao qual deveriam ser impostas regras, nomeadamente restrições à entrada neste jogo, pois não é qualquer bicho careto que tem idoneidade para se aventurar nestas andanças, não obstante julgar e considerar que é possuidor de mestria suficiente, que domina com categoria e classe as várias jogadas.

Acontece que cada jogada é sempre diferente da jogada anterior, e o que se disse hoje já estamos a nega-lo amanhã. Depois, porque existem palavras de vários pesos e de várias medidas. Umas redondas e outras mais chatas, umas ásperas e outras com farpas, e nem toda agente tem arcabouço, estofo, coragem e força para as aplicar no sítio certo, e no tempo exacto.

Por vezes torna-se necessário recorrer a forças sobre humanas para as aplicar sem tibiezas, sem deslizes, sem subterfúgios. Doa a quem doer. Bem de frente. Cara a cara. Olhos nos olhos. E isso cansa, isso destrói, e é por vezes um esforço vão. O jogo das palavras é leviano. Por vezes joga nos silêncios, e esses doem e agridem mais do que as palavras propriamente ditas.

Num mau jogador, as palavras fazem ricochete e acabam agredindo quem as proferiu.

Há quem seja suficientemente velhaco e coloque na boca dos outros as suas próprias palavras, ficando assim de lado assistindo ao digladiar, para poder surgir depois como o apaziguador, o bonzinho da fita, que só ali estava de passagem e nada mais, mas que se quiserem uma ajudinha até nem custa nada, faz-se já.

Para participar no jogo das palavras, é necessário possuir igualmente um bom jogo de cintura, que permita fintar e sair por cima, nunca dando o flanco nem parte de fraco. Acusar o toque é meio caminho andado para a bancarrota, de nada valendo os balões de ensaio, arautos das desgraças, nem querubins melíferos que venham tentar equilibrar este jogo de forças.

Para se combater o jogo das palavras e sair-se vitorioso, só conheço o jogo da acção. Esse sim, é que através dos resultados visíveis e palpáveis, vence seguramente o jogo da palavra, mesmo o da palavra fácil, mesmo o da outra palavra que é a palavra escrita, a qual a maioria das vezes se arrasta no tempo, circulando de gabinete em gabinete, de gaveta para gaveta, até vir a cair no esquecimento.

No jogo das palavras, as palavras ditas, benditas, desditas, ou são sempre malditas, ou não passam de palavras ocas, como ocas são as pessoas que alinham e participam nestes jogos, transformando-os em profissão de fé.

Ah! Se as palavras mordessem, ou se pudessem manifestar ou rebelar contra a maneira impune e vil como são utilizadas. São no fundo isso mesmo. Não passam de um jogo, e nos jogos ganha-se ou perde-se, porque aqui ninguém joga para o empate, para o equilíbrio, para a sua utilização racional directa e eficaz.

Vou deixar-me do jogo das palavras e passar ao jogo da acção.

Vou grelhar um cachorro na frigideira, entalo-o numa carcaça e abro uma cerveja para acompanhar. As palavras que descansem em paz.

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