quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pessimistas de Estimação


FERNANDO MORAIS GOMES


Nos dias que passam é corriqueiro e quase inevitável falar da famigerada crise, não se passa sem ela, nos jornais, nos cafés, no emprego, no parlamento, creio mesmo que se um dia porventura acabar a sensação de orfandade será tão grande que se terá de arranjar logo outra se possível pior para pôr à prova o nosso sadismo colectivo. Desde Alcácer Quibir que assim é, é endémico. O certo é que vamos estando (aliás, em Portugal, país do gerúndio, não se vai, vai-se andando...)

A idiossincrasia dos povos tem destas coisas, mas analisando à lupa, a História encarrega-se de provar que apesar do fado nacional , sempre soubemos domar os Adamastores, fossem eles  o grande e desconhecido Mar-Oceano ou os mais prosaicos e invisíveis "mercados". Já vêm da época dos descobrimentos os velhos do Restelo, contudo não deixámos de ousar lutar e ousar vencer, contra castelhanos, terramotos, franceses, ditaduras, e afinal ainda cá estamos, o país mais antigo da Europa e com as fronteiras mais estáveis, a 5ª língua mais falada em todo o mundo, em 32º no ranking mundial de 194 países (com o detalhe de sermos dos mais pobres entre os ricos, mas ainda assim no clube...).Ponha-se os olhos em povos como o alemão, devastados por guerras que provocaram milhões de mortos e destruição em massa e contudo sempre a renascer das cinzas. Temos sempre a tendência para achar que a culpa é “deles”, os que nos governam (porque se governam) mas “eles” somos nós, todos, no que temos de bom e mau, como qualquer outro país. O pessimismo é como o auto-golo, só serve para perder pontos.

Vem isto a propósito da responsabilidade que em minha opinião têm certas elites e certa opinião publicada nos estados de alma que moldam o carácter nacional dos portugueses. O pathos nacional é marcado pelos vencidos da vida de várias gerações, desde o conformado "ainda o apanhamos" do Eça até essa peça sublime e igualmente derrotista que é a Mensagem, de Pessoa. Obras belas, plástica e literariamente, mas hinos à descrença, à resignação e ao fatalismo. Se olharmos com atenção, todos os grandes gurus nacionais são-no na medida em que se assumem como profetas da desgraça, (os optimistas chamam-lhes "visionários...). Quanto mais baterem no ceguinho mais premiados e idolatrados, pois eles, premonitórios é que viram para lá da nuvem. Um exemplo: a nossa cena de comentadores, os ditos opinion makers. Quem são os mais convidados e “respeitados”? Os que autofagicamente anunciam a “piolheira” do país, os frustrados, os que querem ajustes de contas com os adversários ou ex-amigos. Dê-se-lhes uma caneta ou um teclado e ei-los a zurzir inflamados a desgraça nacional e o fado de ser português, o "isto só cá", como se todos soubessem em profundidade como é exactamente "lá". Já Almada dizia que o pior de Portugal eram os portugueses, e eles aplaudiram claro, porque nunca é nada "connosco", mas tudo com"eles".

Faça-se uma experiência: ouçamos um dia inteiro iluminados como  Medina Carreira,  Vasco Pulido Valente, a equipa do Eixo do Mal ou o inenarrável Mário Crespo, e, se não estiver deprimido e enterrado em whiskies veja qual o contributo positivo destes profetas da desgraça para melhorar o estado de coisas, profetas da desgraça depois da desgraça ocorrer, na onda do “estava-se mesmo a ver, eu avisei”, mas entretanto nada viram e nada avisaram.

Entre nós, as veneradas elites pensadoras são sobretudo faladoras, e sobretudo maldizentes, imensamente responsáveis pela degeneração da ideia de Portugal, e pouco ou nada mudou desde a fuga de D. João VI para o Brasil e o ciclo de declínio que endémico se seguiu. Porém, mal ou bem cá vamos, e sobretudo, cá estamos, apesar de sermos o país que nasceu com o filho a bater na mãe. Somos uma matriz da civilização ocidental e um berço de culturas, (eu sei, cheira a discurso de 10 de Junho, mas é verdade!), O que faria então se nos entendêssemos sobre as grandes questões, separando a árvore da floresta e fazendo planos para a floresta.

Temos a particularidade de estarmos sempre desavindos uns com os outros e desconfiarmos mais depressa de outro português do que do primeiro estrangeiro desqualificado que nos metam na frente. Como aquele velho anarquista que dizia: há governo? Sou contra!

Com crise ou sem crise, os povos não acabam, apesar de poder suceder como nos vírus da gripe, com o tempo estes degenerarem noutros, com novas roupagens e atitudes, e a geração que abriu o século XXI poder vir a sair mal na fotografia da História. Mas depois do tempo, tempo vem, e um pouco de azul sempre é melhor que o cinzento, apesar de pairar negro nos espíritos. Como um dia disse o general De Gaulle, "o fim da esperança é o começo da morte". E aos velhos do Restelo, uma temporada nas termas não faria nada mal...

2 comentários:

  1. Bom texto! Força, confiança mútua entre nós, optimismo, capacidade de concretização. É preciso reler com urgência "A Arte de Ser Português", da Pascoaes.

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  2. E ver o mar azul a partir duma Casa Branca, não é Till?

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