segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um nicaraguense em Sintra em 1912


FERNANDO MORAIS GOMES

Rubén Darío (1867 - 1916), foi o pseudónimo literário de Félix Rubén García Sarmiento, nasceu em Metapa, hoje Ciudad Darío, Matagalpa, na Nicarágua, a 18 de Janeiro de 1867 tendo falecido a 6 de fevereiro de 1916 em Léon. Iniciador e máximo representante do Modernismo literário em língua espanhola, foi possivelmente o poeta com maior e mais duradoura influência na poesia do século XX no mundo hispânico. Para a formação poética de Rubén Darío foi determinante a influência da poesia francesa. Em primeiro lugar, os românticos, e muito especialmente Víctor Hugo. Mais tarde, e de forma decisiva, chega a influência dos parnasianos Théophile Gautier, Catulle Mendès e José María de Heredia. Por último, o que termina por definir a estética dariana é sua admiração pelos simbolistas, e entre eles, acima de qualquer outro, Paul Verlaine. 
 
Azul, de 1888, considerado o livro inaugural do Modernismo hispanoamericano, recolhe tanto relatos em prosa como poemas, cuja variedade métrica chamou a atenção da crítica. A etapa da plenitude do Modernismo e da obra poética dariana é o livro Prosas profanas y otros poemas, colecção de poemas em que a presença do erótico se torna mais importante e em que não está ausente a preocupação por temas esotéricos. Neste livro já está toda a imaginação exótica própria da poética dariana: a França do século XVIII, a Itália e a Espanha medievais, a mitologia grega, etc.

Pois Rubén Darío foi um dos poetas que também veio conhecer Sintra. Em Abril de 1912, viajando com o escritor argentino Alfredo Guido, Darío esteve em Lisboa, daqui enviando crónicas para o jornal de Buenos Aires La Nacíon, e nesse jornal sai a 21 de Junho de 1912 a sua crónica sobre Sintra, que embora em castelhano, aqui se transcreve, registando as impressões de mais um ilustre viajante, menos de dois anos após a proclamação da República Portuguesa:

“O carro sai de Lisboa a uma velocidade vertiginosa, com a minha admoestação ao chauffeur. O meu companheiro Alfredo Guido, que é automobilista, afirma-me que tudo vai perfeitamente. Assim, a passo diabólico, logo deixamos atrás a “coisa boa”, povoados e aldeias, pela estrada que conduz a Sintra, lugar de veraneio dos reis e das famílias aristocráticas do hoje “escangalhado” Reino. A estrada é ondulada, e vamos subindo. Logo se divisam fantásticas construções, no alto da serra, sobre amontoados de pedras, que poderiam ser da pedreira de mitológicos gigantes. Uma é um castelo em ruínas, cinzento, fantástico, o outro é o castelo da Pena, mansão de conto azul, de conto de “mil e uma noites”, com a sua torre esbelta e ligeira, suas cúpulas douradas, seu aspecto ilusório. Lá haveremos de chegar. Entretanto, vemos dum lado do caminho, entre a verdura fresca de uma vegetação profunda, villas, chalets, casas pitorescas. Um palácio surge, gracioso, aéreo, todo branco da espessura das árvores, dizem-me que pertence ao sr. Silveira, chamado pelas suas vistosas rendas “Silveira dos Milhões”. Passamos pelo pequeno povoado de Sintra e subimos por fim à moradia que foi real. Se o aspecto exterior é admirável e temeroso, quando se vê como construíram tal edifício à beira de enormes precipícios num país onde não foram raras as ocorrências sísmicas, o interior é desolador. Há o que se poderia chamar os despojos duma régia escassez. Alguns velhos móveis, precárias porcelanas, tristes antiguidades sem grandeza. E se vê como deve ter passado tristes e aborrecidas horas o jovem monarca nos últimos verões, antes que soprasse a revolução e seus ventos fortes.

O castelo parece algo vazio e abandonado, junto à entrada conventual circula um ou outro guarda da República, e sai-se dali como de um lugar de desolação”

Em Lisboa, Darío foi recebido pelo chefe do governo, Augusto de Vasconcelos, registando o clima frio entre diplomatas e as recentes autoridades republicanas, referindo subsistirem na paisagem lisboeta vidros partidos em cafés, produto de surtidas revolucionárias, nessa altura ainda frequentes, bem como cafés cheios de carbonários. E escreve:

“Lisboa está socialmente triste, pois todos os elementos de valia, os ricos e a nobreza, tomaram o caminho da emigração e fixaram em Paris e Londres e outras capitais europeias. Há quem espere por D. Manuel, e há quem ache que D. Manuel não voltará. Perguntei a um modesto funcionário do governo: “Há muitos partidários da República?” “Muitos!”.Não se sabe pois o que pode suceder a este país onde como em Espanha estão arreigadas as velhas tradições e onde um partido triunfante ensaia uma nova forma de governo o pior que pode!

Nostálgico dum passado perdido, são dele os versos

no hay dolor más grande que el dolor de ser vivo
 ni mayor pesadumbre que la vida consciente

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