quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Baldios do Algueirão- entre a posse e o prazer de possuir

RUI OLIVEIRA

O usufruto dos terrenos baldios nas pequenas comunidades de génese rural é uma questão, podemos dizer, de quase sobrevivência tanto ao nível individual como colectiva. Porém, e porque são baldios a sua gestão tem através dos tempos conhecido várias vicissitudes, por um lado, mas proporcionando, por outro lado, um rico manancial de regras tradicionais locais, de prática engenhosa que, secularmente, se foram consolidando no Direito Consuetudinário.
A verdade é que, a posse dos baldios conheceu várias alternâncias entre a posse pura colectiva das comunidades locais e a posse plenipotenciária de instituições, sobretudo canónicas e, ou de gente com poder, decorrente do seu peso político e prestígio junto da Coroa ou das autoridades. É neste contexto que devemos entender este Alvará Régio de D. José I passado a Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão do Marquês de Pombal.
Da leitura deste Alvará Régio sobressaem várias pistas interessantes: a primeira, prende-se com a movimentação na esfera de influência politica em torno da Rainha, D. Mariana Vitória, de quem as mulheres da família eram aias; A segunda pista, também muito interessante, prende-se com o formalismo de máxima legalidade que o Rei põe na mercê dos “baldios” do Algueirão à família. É assim pois na realidade os terrenos não eram verdadeiros baldios, uma vez que integravam uma Doação Régia, ao tempo de D. Afonso Henriques, à Canónica de Santa Cruz de Coimbra dos Cónego Regrantes de Santo Agostinho. Tratava-se de uma enorme extensão de terras, cuja designação era o de Prazo de Meleças, e no qual os ditos “baldios” compunham uma área considerável de terreno consignado, desde os primórdios, ao pasto de gado que a toponímia local consagra com a designação de Pascigaes > Possilgaes > Pexiligais. Todos de derivados do radical Latino pas[cigos] que significa pastos.
Contudo, e ainda pela leitura do Alvará, verificamos que o Rei, também viu uma oportunidade para incorporar nos seus bens parte da propriedade, neste caso os terrenos de pastos que estavam, cremos, devolutos e provavelmente eram utilizados pela população local, ao tempo, assegurando que não podiam: “pessoas ou eclesiásticos em comunidade” possuir terras em reguengo que estes baldios passaram a integrar, razão pela qual eram, separados, murados e marcados. Acção de que ainda, na actualidade, existem vestígios, no terreno, como muros e marcos em pedra.
A leitura deste alvará Régio ainda não está completamente esgotada. Com o tempo, seguramente, sobressaíram outros aspetos interessantes para a História Local do Algueirão. Para já fica esta primeira abordagem.


Marco de delimitação de 1765
Muramento do baldio da Barrosa-Algueirão



                                Alvará Régio de 1765

        Paulo de Carvalho e Mendonça
   Tem A. [lvara] na p. [agina] 13 de S. [ua] Mag.de [estade] f. [olha] 409



 Eu Rey, fasso saber aos q’ [ue] este meu alvará virem q’ [ue] Paulo de Carv.o [alho] / e Mendonça Me presentou por sua p.am [etiçam] q’ [ue] elle era possuidor de um cazal / sito no termo de Cintra denominado de granja de N.S.ra da Nazaret o qual / necessitava e pudesse fabricar do[a]s m.das[anadas] boys, vacas e egoas q’[ue] no tempo de Inverno não / podiam nella subsistir porque consistia em terras baixas alagadiças destituídas de / moitas com arvoredo que servissem de abrigo aos sobreditos gados e q’[ue] lhe dessem pasta / gens necessárias para se poderem no referido tempo cujos os motivos sendo pre / zente à Raynha minha sobre todas m.to[uito] amada e prezada mulher havemos  /  porbem fazer m.ce[ercê] ao suplicante da porção do baldio no sítio do Algueirão q’[ue] constava / da carta de doação, q’[ue] seja separada com a faculdade de a poder tapar (isto é: murar e arborizar) e de ficar / perpetuamente vinculada ao sobred.o[ito] cazal da granja com uso leg.mo[ítimo] pasto e / abrigo dos gados da sua lavoura no tempo do Inverno E porq.[ue] de mayor fir / meza e perpetualidades das referidas graças necessitava de confirmação Mi / nha pedia [que] fosse servido fazendo lhe m.ce [ercê] confirmar as doações e permissão de podus / se em todo o tempo continuar a lavoura e creação dos gados do referido /  cazal sem q’[ue] aos seus sucessores do sup.e[licante] se pudessem suscitar duvidas de legitimidade de que viessem / a levantar embaraços. Dispensando eu também da ordenação do L.o [ivro] Seg.do [undo] / Art.o [igo] 16 e 18 q’[ue] proieibiam as pessoas e eclesiásticos em communida.des possuírem / bens nas terras do reguengo visto q’[ue] o mesmo sup.e[licante] unia a referida tapada / ao do cazal de que já tinha feito doação a seu irmão o Conde de Oeyras a fa / vor da sua caza e não obstante outo fim q’[ue] o referido baldio q’[ue] se devia tapar / se acha no limite da coutada de Cintra. E atendendo ao p.o [edido] do sup.e [licante] Me apre / sentou hey porbem aprovar e confirmar a doação desta porção de baldio / no sitio do Algueirão no te.o [rmo] da V.a [ila] de Cintra deq’[ue] a Raynha minha sobre todas m.o[uito] / amada e prezada mulher fez mce[ercê] ao mesmo sup.e[licante] por carta de 28 de / Março por ser producente na forma q’[ue] nelle se contém E quero e man / do q’[ue] tenha o seu devido esplenado apesar nas obstante a desposição da Ordena / ção do L.o[ivro] Seg.do[undo] art.o[igo] 16 e 18 concedendo o d.to[ito] baldio q’[ue] se ade murar dentro no / limite da coutada da referida V.la e de quaisquer seus regimen.tos disposições / ordenem em contrário. Pelo q’ [ue] mando a todas as justiças e mais pessoa q’ [ue] / o conhecim.to [ento] deste Alvará pertense o cumprão e guardem e o fassão (……..….) / cumprir e guardar como nelle se conthem e valem posto q’[ue] O sulicita.mos E aja de / durar mays de hum anno sem embargo da ordenação do L. Seg.do[undo] a.o[rtigo] 40 (……) / E se registara as marca.ções que se fizerem e constar a todo o tempo q’[ue] o houver / porbem E pagou de novos dir.tos[eitos] 1480 reais q’[ue] se carregarão os honorar.os[ios] / delley [n]a f.[olha] 219 e v.o [erso] do L.o [ivro] S.o [egundo] de sua receita E se registou com conhecimen.to em forma / [pública] no L.o [ivro] do Reg.to [isto] G.al [eral] [de Mercês] f.a [olha] 30. Lx.a [isboa] 11 de Mayo 1765 = Rey = sigla Real //
Pedro Virgolino o fez e escreveu = José Anastácio Guerreiro o fez.//
                                           Assinatura Real


Nomenclatura:
  Optamos por fazer uma transcrição do texto, do documento, respeitando a sua pontuação e construção de frases, apesar de este apresentar uma grafia por vezes abnóxia. Desdobramos as abreviaturas entre parêntesis rectos “[ ]” e, dentro destes, os caracteres que completam a palavra são postos por nós a vermelho “[!]”. Na indicação de mudança de linha, na transcrição é feita, é assinalada com a barra oblíqua “/”; o paragrafo é assinalado com dupla barra obliqua “//. A não realização de leitura de palavra é assinalada com reticências dentro de parêntesis curvos.


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