sábado, 16 de novembro de 2013

Intempéries do Século XVII

RUI OLIVEIRA


A História da humanidade está longe, muito longe, de ser completamente inteligível. Creio até que tal objectivo seja de difícil alcance, ou mesmo mera utopia pensar que a História, tal como a conhecemos, seja, afinal, o clímax da História do Homem e das Sociedades Humanas. Antes pelo contrário, o conhecimento cada vez mais apurado de outras Histórias e Ciências, por um lado, o cruzamento de dados, a afinações das interpretações de registos vários, por outro lado, estão a obrigar a reformulações constantes, nos cânones da História da Humanidade. E, diga-se, é deveras uma tarefa que proporciona “viagens” sedutoras, logo gratificante.

Uma viagem sedutora e gratificante é sempre a leitura dos velhos Registos Paroquiais. Monótona, dirão alguns, é possível! Mas, o seu conhecimento decorrente de uma leitura completa é bastante importante para a História Local, das Comunidades populacionais e dos próprios locais a que se reportam. São fundamentais quando cruzadas com outras Histórias, validam ou desmentem factos que, como em tudo na vida, cristalizam em arquétipo que aceitamos sem grande contraposição. No caso concreto, que aqui trago hoje, é um desses casos em que o Registo Local, o Registo de Baptismos da Paróquia de Belas, Livro B-1, confirma uma situação mais ou menos generalizada, pela Europa, de intempéries devastadoras, de colheitas e vidas, ocorridas no princípio do século XVII, cuja base de origem foram alterações do ciclo Solar, também elas agora em Registo Historiográfico, razoavelmente completo e em fase de cruzamento interdisciplinar. Os primeiros dados são eloquentes. O padre Francisco Gil Soares deixa-nos um registo de graves intempéries ocorridas, na sua paróquia de Belas e da qual era Prior, nos anos de 1611 e 1612. O registo estas exarado no Livro B-1 de Baptismos e ocupa três páginas, a 212, 213 e 214. Transcrevemos e transliteramos, para já, parte o texto, contido na página 212. As normais são as correntes: mantemos no máximo de pureza a fraseologia, desdobramos as abreviaturas utilizando os colchetes retos [], e introduzindo os caracteres que faltam a [A] vermelho; bem como as nossas considerações. A mudança de linha é marcada com barra /, que passa a dupla nos parágrafos //.        

 “No primeiro dia do mês de janeiro de / [1]611 entre a meia noite e huma ora choveo m.to [muito] / q’[ue] huma das grandes cheas que sevio há m.to [muito] / annos e fes tamanha tormenta qual nan / sevio há muitos anos e me quebrou neste meu oulival m.tas[muitas] /  ouliveiras e de modo as quebrou q’[ue] nunca / se tal vio q´[ue] ha todo as pessoas q’[ue] as viram / causou espanto do modo como as deixou / e levou m.tos[muitos] ramos pelo ar e levou hum / ramo q’[ue] dous homes naó podiaó có[m] elle / mais de um tiro de espingarda e fes este ramo / grande perda numa parede onde deu com / elle e juntamente esta tormenta desmandou / m.tas [muitas] cazas por lhes levar as telhas dos telhados / e foi a tormenta de maneira no lugar da / Idanha q´[ue]obrigou às gentes a desampa / rarem [isto é, a abandonarem] suas cazas e se recolhere’[m] na ermida / de Nosa Sora da Consseissaõ do mesmo lugar / e logo no outro dia que foi no domingo deu / o ar nesta vila a uma molher q’[ue] maguoo / livrou em caza do lavrador por nome de Fr.co [Francisco] / Jorge e incho [como] hum’ boie de q’[ue] morreo e / na segunda feira pella manhã deu o ar num home da Idanha.//

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