sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Os três médicos

ANTÓNIO LUÍS LOPES   


Os médicos (eram 3) aproximaram-se da cama e disseram:

- Caro senhor, vamos ter que lhe cortar o pé esquerdo...

O homem (era apenas 1, doente e só) estremeceu e perguntou:

- Não há outra saída, senhores doutores?

- Não, sr. António, não há... Temos que cortar para estancar o mal e dentro em breve o senhor estará muito melhor.

Cortaram-lhe o pé esquerdo.

Semanas depois vieram novamente os médicos (eram três) e disseram:

- Lamentamos, caro senhor, mas é urgente que lhe cortemos o pé direito. E para termos a garantia de que, desta vez, será resolvido o problema na totalidade, o melhor é cortarmos as duas pernas.

O homem (continuava sozinho, doente e receoso do futuro) balbuciou:

- Não há mesmo alternativa?...Não será melhor ouvir a opinião de outros médicos?...

- Sr. António, desde já o avisamos que não há tempo a perder. Pode até ouvir outros médicos mas tememos que o tempo perdido leve depois à imposição de medidas ainda mais gravosas!...

- Pronto... Cortem... Eu quero é ver-me livre deste mal...

- Fique descansado, sr. António,  desta vez vamos resolver a situação.

Cortaram o pé direito. Aliás, cortaram o pé direito, que foi agarrado à perna direita e esta acompanhou a esquerda até à incineradora do hospital.

Um mês decorreu e os três médicos voltaram.

- Bom dia, sr. António...

- Bom dia, senhores doutores...

- Vínhamos dizer-lhe que está quase a poder sair do hospital...

- A sério?... - animou-se o homem (ele que era apenas metade daquilo que outrora fora).

- Há bons indícios, muito bons, aliás. Mas temos que estabelecer um programa cautelar...

- Vão mudar-me a medicação?...

- Mais ou menos, sr. António... Vamos realmente introduzir algumas alterações ao nível medicamentoso mas estamos inclinados para lhe fazer uma proposta que coloque um ponto final no seu sofrimento.

- Digam, por favor...

- Sr. António: nós propomos cortar-lhe a cabeça...

O homem (meio homem) mal conseguiu reagir, ele que nos últimos meses quase se habituara a viver com o medo na alma e se resignara ao seu triste destino. Meio aturdido, ainda balbuciou:

- E os senhores doutores garantem que este é um corte definitivo?... Começo a desesperar...

- Sr. António, desta vez damos a garantia absoluta, o problema será resolvido de vez.

O homem (ou o que restava dele) anuiu. Estava cansado, fraco, descrente.

Os médicos avançaram e a cabeça rolou.

A boca que ficava na cabeça do homem (aquela que rolou) ainda quis gritar que nada daquilo era aceitável, que bastava de cortes e mais cortes, que a morte não pode ser cura para quem deseja a vida - mas já era tarde.

Os médicos (eram 3) saíram mais cedo. Tinham que apanhar um avião para irem fazer uma amputação urgente em Atenas.

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