No passado dia 4 de Março, ao comemorar o seu décimo aniversário, a
Alagamares-Associação Cultural, promoveu um participado debate sobre os 20 anos
de Sintra, Património Mundial, na categoria de Paisagem Cultural, que teve
lugar no Casino de Sintra, em instalações do MU.SA, evento que, oportunamente
divulgado, me dispensa de referências que já foram notícia.
É naquele contexto que, para o efeito das ideias a
partilhar convosco, gostaria, mais uma vez, de fazer minhas algumas das
preocupações que, a propósito do trânsito e da mobilidade em geral,
nomeadamente na sede do concelho, Fernando Morais Gomes, Presidente da referida
associação, evidenciou ao proferir as palavras de abertura e de apresentação da
iniciativa.
Mas, antes de o citar, permitirão que, em breve aparte,
relembre as duas décadas passadas sobre a data em que a UNESCO contemplou
Sintra com distinção tão honrosa como desafiante. E, na verdade, depois de
tanto tempo decorrido, sabem os leitores que nada, absolutamente nada de
substancial foi feito, que pudesse ter obviado o natural agravamento de uma
situação há muito degradada.
Pelo contrário, aliás, algumas das medidas entretanto
concretizadas, por exemplo, no âmbito da parcial pedonalização da Av. Heliodoro
Salgado – resultando naquela desgraça estética, tão mal resolvida em termos
técnicos – que ainda pioraram o estado das coisas, desde o Ramalhão, a
montante, até à Portela, ao Lourel e à Ribeira, a jusante daquela artéria,
impondo a adopção de circuitos absolutamente labirínticos, gerando perdas
incalculáveis nos domínios do tempo, da qualidade do ambiente e da qualidade de
vida em geral, sem qualquer mais-valia e, muito menos, sem atingir qualquer dos
objectivos que se propunha.
Periféricos prioritários
Retomo o fio da meada para citar Morais Gomes: “(…) residir
num Património Mundial pode ser um benefício, mas também um pesadelo: as
questões inerentes ao despovoamento do centro histórico, o estacionamento, o
que é o fim-de-semana em Sintra no Verão. (…) Há soluções que podem passar pela
proibição de circulação a partir de determinadas zonas. Aliás, há modelos
internacionais a este nível: ou se proíbe o estacionamento ou se criam parques
periféricos (…)”.
Com a autoridade que se lhe reconhece, recuperou suas
próprias palavras, ditas e repetidas anos a fio. Em aditamento a estas, poderia
eu trazer à colação testemunhos de outros militantes da causa da defesa do
património de Sintra cujo entendimento da situação e propostas de resolução não
divergem substancialmente. Porque a defesa do património, nos seus superiores
desígnios, tem de se articular e, concomitantemente, promover a solução dos
problemas de acesso aos lugares, portanto, questões afins dos transportes,
trânsito e estacionamento.
Vezes sem conta, também eu não me tenho poupado a permanentes
contributos que, como a todos nos compete, nunca se limitam à sistemática
denúncia mas, isso sim, sempre insistindo na apresentação das respectivas
propostas de solução. Sem ponta de humor, nem o Morais Gomes nem eu corremos
qualquer hipótese de risco de
originalidade já que se trata de quadros há muito adoptados nas mais
diferentes latitudes, com inequívoco sucesso.
Embora já o tenha escrito em inúmeras oportunidades, ao
longo dos últimos vinte anos, tanto no Jornal
de Sintra como noutros media,
nada me custa repetir. Tudo se resume à instalação de parques de estacionamento
periférico, a partir dos quais funcionará um sistema integrado de transportes
públicos, através de carreiras de autocarros de diferentes tipos e
características.
Não poderá deixar de se optar pelo regime de subida e
descida, de acordo com as opções do utente, praticando-se uma tarifa incluindo
a da viatura estacionada, o mais reduzida possível, sempre tendo em
consideração que o lucro desse serviço se obtém não na bilheteira mas através
da satisfação dos padrões habituais em contextos similares, ou seja, um lucro
implícito nas atitudes de consumo suscitadas nos diferentes domínios
abrangidos. É por isso que, provavelmente, os bilhetes que os operadores
cobrarão, deverão ser subsidiados pelas entidades implícita e explicitamente
beneficiárias do regime em apreço.
No caso de Sintra, três parques deverão ser
estrategicamente instalados, em áreas ainda disponíveis nas diferentes entradas
da sede do concelho, ou seja, Ramalhão, Lourel e Ribeira. Ainda outro, menos
periférico, na zona da Portela, entre a estação dos caminhos de ferro e o
Tribunal, podendo-se perspectivar uma ampliação bastante significativa da
actual capacidade já que terreno não falta para o efeito.im
Pena: Caso especial, estratégia específica
Caso especial, a merecer particular atenção, o do acesso à
Pena. De uma vez por todas, haverá que interditar a Rampa da Pena às viaturas
particulares – aliás, atitude vigente durante parte do mandato de Edite Estrela
e, portanto, apenas autorizando o acesso no sentido ascendente, exclusivamente
aos transportes públicos de dimensão e lotação apropriadas – bem como acabar,
definitivamente, com todos os parques de estacionamento actualmente
disponibilizados in loco.
Logicamente, se o acesso apenas for permitido a transportes
públicos para utentes que, a montante e muito civilizadamente, tiverem
estacionado as suas viaturas nos parques periféricos, nada justifica manter a
possibilidade de estacionamento lá em cima. Mais uma, talvez pela enésima vez,
trago à colação o exemplo de Neuschwanstein, um dos famosos castelos de Luís II
da Baviera, ao qual se acede, maioritariamente a pé, depois de ter estacionado
o carro num parque periférico. Sim, a pé, havendo que vencer rampa muito íngreme,
no fim da qual se espera horas para uma visita o mais rápida possível!...
Em termos gerais, passa por este dispositivo integrado a
oferta de estacionamento, articulada com uma rede coerente de transportes
públicos para os diversos destinos, principalmente os turísticos, na qual
também caberá a linha do eléctrico que, de acordo com o que temos advogado,
acaba por coincidir com o projecto da CMS, pretendendo prolongar o percurso,
desde o actual término na Vivenda Alda até à estação de Sintra e à Vila Velha.
Tal como em tempos alvitrei, para implementar todo este dispositivo, deveria
recorrer-se a uma campanha de divulgação sistemática, recorrendo a conhecidas e
mediáticas figuras que Sintra tem sabido distinguir no passado recente.
Tefeférico e funicular: JAMAIS!
No termo do debate inicialmente referido, e, em resposta a
uma questão que lhe coloquei acerca das soluções teleférico ou funicular, com o
objectivo de aceder aos pontos altos da Serra, nomeadamente à Pena, o conhecido
arqueólogo José Cardim, descartou qualquer hipótese de Sintra concretizar uma
ou outra, opinando de forma peremptória e definitiva.
No caso do teleférico, o flagrante impacto na paisagem “(…)
num dos troços mais emblemáticos nas antigas gravuras ou na Literatura (…)” e,
quanto ao funicular, os vestígios arqueológicos, por toda a Serra: “(…) Não
estou a ver ponto nenhum entre o Ramalhão e o Castelo dos Mouros e entre este e
a Vila, em que fosse possível um trajecto sem ferir variadíssimo património
arqueológico (…)” eis, em suma, as razões fundamentais da sua frontal recusa.
Aliás, também ali, em conversa informal com os arquitectos
Thiago Braddell e Gerald Luckhurst, aos quais Sintra também tanto deve, colhi a
mesma opinião quanto ao teleférico e, tal como eu próprio, acrescentando muito
mais argumentos em seu desfavor. Na realidade, quando estes – e, mais do que
ninguém, envolvido na defesa do património de Sintra como o Dr. Cardim,
responsável pela candidatura à classificação pela Unesco de Sintra como
Património da Humanidade – são tão definitivos, sinto o conforto da minha
atitude do máximo respeito e acatamento.
Quanto a Cardim, a sua não é só uma opinião mas a expressão
do empenho de toda uma vida dedicada às mais nobres e dignas causas da defesa
do património de Sintra. É a razão da Ciência Histórica aliada à emoção
suscitada por uma terra que está farta de ser ofendida e que carece de trabalho
profícuo no sentido de resolver questões pendentes, há tempo demais, questões
bem concretas e nada fantasiosas, como a da urgentíssima instalação dos parques
periféricos e da rede integrada de transportes públicos que, como há tantos
anos está demonstrado, tudo resolverá sem necessidade daquele tão controverso
meio de transporte a sobrevoar zonas urbanas.
Portanto, «rendo-me», total e boamente perante a
impossibilidade decretada pelo famoso
arqueólogo. Imagino a extrema dificuldade da Câmara Municipal de Sintra e
potenciais financiadores de tão polémico projecto. Na realidade, muitas já são
as reacções, e altamente negativas, que vamos detectando entre historiadores,
ambientalistas, engenheiros e arquitectos paisagistas, técnicos
actualizadíssimos que se espantam perante a ousadia.
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