quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A Libertação

EURICO LEOTE



Olhei no espelho do mar e vi-me reflectido no sol.

Abri os braços e fundi-me nos seus raios.

Uma gaivota passou voando e transportou-me com ela. Fechei os olhos e deixei-me ir nas asas do tempo

Senti um arrepio de frio e despertei para a realidade.

O sol há muito se fora nos braços do mar.

Só, na praia, recolhi os tarecos e caminhei de regresso ao carro, que agora estava igualmente solitário no parqueamento, esperando por mim.

As lâmpadas iniciavam um breve piscar, enquanto aqueciam lenta e gradualmente, até inundarem de luz o espaço envolvente.

Fora surpreendido pelo rápido cair da noite.

Mais um dia se passara sem que contudo ganhasse coragem para marcar a consulta médica que me propusera fazer, face a alguns sinais estranhos que vinha a sentir, de há uns tempos a esta parte.

Uma ligeira sensação de enxaqueca instalada, ia para um mês, aliada a tonturas pontuais, vinham bulindo ligeiramente com o meu sistema nervoso.

Faltava-me a coragem para dar o passo seguinte.

E se tudo não passasse de imaginação minha, de mãos dadas com o excesso de trabalho a que fora sujeito recentemente?

O certo, é que iniciara as férias ia para 3 dias, e ainda me não conseguira desligar daquela situação incómoda, e encontrar o equilíbrio relaxante.

Vagueei um pouco pelo vazio pontão junto ao mar.

Não me apetecia recolher ao carro, e acto contínuo rumar até casa.

O mar vinha lamber de manso as rochas postadas ao longo do paredão. As mesmas apoiavam, ajudando a quebrar o ímpeto das águas.

As lâmpadas postadas de cada lado do pontão, estavam agora no máximo do seu apogeu irradiante.

Uma vez chegado ao final do pontão, debrucei-me levemente olhando em baixo as águas, que iam e vinham num breve sussurrar.

De repente senti clarear, e a superfície das águas virou dia.

Levantei os olhos para poder apreciar uma grande e redonda lua cheia, que acabara de se erguer aparentemente do seu leito húmido, e que se punha em bicos de pés, tentando alcançar uma estrela grande, visível no claro azul do céu. Sorri perante as dádivas da natureza.

Pela primeira vez em muito tempo, senti vontade de desabafar. De gritar alto. De me fazer ouvir na quietude da noite.

Ultrapassei os receios. Pus de lado a vergonha. Encontrava-me apenas acompanhado com os meus receios infundados, e preconceitos calcados e recalcados.

Ouvia uma voz falar-me baixinho. A impelir-me para diante.

Subi para as estacas da vedação. Abri os braços à lua, e deixei sair um grito. Inicialmente meio contido e em voz baixa confesso. Mas foi só o princípio.

Senti cortarem-se as amarras. Romperam-se as barreiras. O grito saiu forte. Ecoou na noite. Ao primeiro outros se seguiram, e a sensação de alívio e de leveza era tamanho, que dei por mim já no chão, aos pulos no pontão.

Sentia-me bem. Livre. Algo que me oprimia soltara-se.

Começaram a surgir luzes de faróis. Com eles vinham os carros que agora começavam a ocupar os espaços até então vazios do estacionamento. Olhei o relógio. 22 horas.

Iniciei o percurso até ao carro. Sentia-me estranho e alegre.

Desatei a cumprimentar todos quantos por mim passavam, e que me olhavam de soslaio.

Cheguei ao carro e liguei o rádio, num gesto já repetido e gasto. A música ecoou vibrante e melodiosa. Todo eu comungava daquela melodia suave e quente.

Algo acontecera comigo, e eu não tinha resposta para o que se passara. Era maravilhoso. As desagradáveis sensações haviam cessado. Os maus pensamentos haviam ficado de lado, dando lugar a novas sensações e ao gosto de viver e de comungar com os outros.

O meu estômago acusou as horas. Na verdade, ainda não jantara. Conseguira quebrar uma série de rotinas, uma das quais passava precisamente pela hora sagrada do jantar, que ocorria impreterivelmente pelas 20 horas.

Talvez fosse esta a mudança necessária. O quebrar de rotinas. O fazer coisas diferentes em locais especiais e naturais.

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