sábado, 26 de outubro de 2013

Nem pensado está- um conto de Henrique Rodil

HENRIQUE RODIL


Muitos escritores procuram o silêncio, tristeza, paz, beleza e não só para atingir tal proeza como a escrita perfeita. Mas eu não, a minha inspiração são as pessoas com vidas desgraçadas ou vidas sortudas e atacar de certa forma os seus passados.

Bem…cheguei há pouco tempo à cidade parisiense, encontrei um bom hotel, onde posso finalmente começar o meu novo livro, recolher informações e recordações de pessoas cujo passado achava mais interessante e excitante para o meu novo livro.

Quando me estabeleci no hotel, vi um homem, melhor um senhor, cabelo loiro quase branco, um homem fino, rico, mas no entanto o que me mais chamara a atenção, acabara de ficar viúvo com apenas sessenta anos.

Perguntei ao recepcionista quem era aquele homem, e quase de imediato ele respondeu-me:
 -Aquele é Pierre Della Cour!

Foi tudo o que precisei de saber, o resto iria descobrir por mim mesmo.
Aproximei-me!

Estava a escassos metros de Pierre Della Cour, quando me apercebi da presença de uma rapariga jovem, bela, morena, com uma beldade fora de comum, fina e com um toque exótico como que se passasse a vida a viajar pelo mundo, estava ao lado de Pierre, não comentei, devia ter não mais que 20 anos.

Bem… continuei a avançar com o propósito de lhe dar não só os meus pêsames mas também ganhar a sua confiança e retirar informações, assim falei:

-Desculpe! Senhor Della Cour, não queria incomodá-lo de modo algum, mas sou novo cá e apenas quero que saiba que sinto muito a perda da Senhora Della Cour.

Calei-me!

Esperei uma reacção de Pierre Della Cour, de repente aquele rosto, outrora duro mas belo tornara-se doce e, de certa forma, tranquilizava-me. Apertou-me o ombro e disse:
-Meu rapaz, poucos têm esse bom coração… obrigado pelas amáveis palavras.
E abraçou-me!
Sem me aperceber, comecei o meu livro e chama-se “Passado dos Della Cour”.
No dia seguinte, ao passar pela suite dos Della Cour, antes de jantar, a porta abriu-se e dela apareceu Pierre, dizendo:
-Estava à tua procura meu caro rapaz, convido-te para jantares em minha casa, e não aceito um não como resposta!
Assim, sem hesitar aceitei de modo sereno o convite.
Descobri que a jovem cuja beleza me espantara era filha de Pierre, apresentou-se:
-Bon soir! Sou Philipa Della Cour filha de Josephine e Pierre Della Cour.
-Encantado, prazer!

Olhou-me directamente nos olhos e aí percebi que era amor à primeira vista... mas não era para isso que eu estava lá e, como tal, no jantar absorvi tudo o que podia, mesmo atrapalhado devido ao olhar penetrante mas doce que Philipa me lançava de vez em quando. Um olhar que me envolvia e desconcentrava do meu propósito.

No final do jantar Philipa fez questão de me acompanhar até ao meu quarto de hotel.

À despedida disse-me com aquela voz doce e terna:

-Boa noite, dorme bem e…

Encostando o lábio ao meu ouvido delicadamente terminou:
 - …Sonha comigo!
 Deu-me um beijo na face, afastou-se e, antes de fechar a minha porta, com um toque de inocência olhou para mim e piscou-me o olho.
Nunca na minha vida me sentira assim tão desejado e…envolvido.
Passei a vida a escrever passados, roubando de certa forma e traindo pessoas, ganhando a sua confiança e retirando informações para escrever e lucrar com o seu passado, desmascarando algumas celebridades e pessoas de alta importância.
Dessa forma ganhei uma alcunha, alcunha essa que me perseguira durante algum tempo, o que me fez mudar de Portugal para França. Chamavam-me “O Escritor de Passados”.
Bem...passaram-se semanas, meses e assim fui continuando a escrever e a frequentar mais a suite dos Della Cour e descobrindo mais e mais e envolvendo-me mais e mais com Philipa. De beijos e palavras passara a suspiros e encontros nocturnos.
Descobri coisas muito íntimas da vida de Pierre Della Cour. Que sua mulher fora advogada e que morrera depois de ganhar um caso polémico que interessara o país em peso, que ela morrera à porta do tribunal, e que o caso fora contra um chefe de contrabando de armas que, mais tarde, fora encarcerado na prisão perpetuamente. Mas não sem que antes morresse alguém.
Bem… passei momentos bastante agradáveis com Philipa pelos Les Champs Elysées, Museu do Louvre, torre Eiffel, alargando a minha cultura geral sobre a França.
Num passeio por Les Champs Elysées convidei Philipa a jantar fora, luz das velas, música… Essa ideia agradara bastante a Philipa.
O jantar correra maravilhosamente, e eu e Philipa estávamos mais apaixonados que nunca. Quando chegámos à minha porta Philipa despediu-se de mim dizendo apenas:
 
-Deixa-me a chave na porta do teu quarto e… logo verá!
E assim, sem mais nem menos, foi-se embora.
Entrei no quarto embalado por tais palavras, pus a chave da parte de fora da porta, despi-me, mas não coloquei o pijama. Era uma noite extraordinariamente quente para Paris. Fiquei apenas de roupa interior em cima da cama.
Adormeci!
Não sei ao certo mas deviam ser duas ou, talvez, até três da manhã. Acordei com o barulho da minha porta a abrir. Sentei-me na cama, fiquei espantado, uma mulher estava à frente da porta, andava em minha direcção, a luz do luar acariciava cada traço do seu corpo, cada membro, cada sítio, até eu identificar aquela perfeição, era Philipa!
Ela estava com um vestido de noite feito de seda, era quase transparente, justo, que mostrava cada pormenor do seu corpo.
Assim, Philipa chegara à frente da minha cama e despiu a parte de cima mostrando os seus seios perfeitos, ombros delicados e a sua pele suave de seda.
Fiquei surpreendido:
-Philipa…
Deixou cair o resto do seu vestido… E simplesmente o mundo parou quando para mim, e somente para mim, ela disse:
 -Sou tua!
Aquela noite era só nossa, passaram-se horas, cada momento era ouro, deixei… deixei de pensar no mundo tinha parado para mim, não havia nada senão paixão…paixão louca e ardente e com essa sensação olhei em redor, parecia-me tudo tão belo, a mesa, a porta, as cortinas, a…não!
À secretária onde tinha escrito até agora acerca de Pierre, pai de Philipa, tanto, era como se uma faca me trespassasse. Estava a trair mais uma vez as pessoas que confiavam tanto em mim por…por dinheiro!
O que me custara mais é que estava a trair Philipa também. E eu que pensava que só interessara por ela por causa do pai! E eu que só queria fazer um grande livro…
Repugnou-me essa sensação!
Levantei-me, fui em direcção à secretária e agarrei nas folhas onde, como título estava “Passado dos Della Cour” e quando estava prestes a destrui-las Philipa acordara:
-Que estás a fazer?
Não aguentei de tanto ódio que tinha por mim naquele momento. Tinha de lhe contar tudo e agora:
-Philipa, ouve-me até ao fim e não me interrompas, por favor! É muito sério!
-Está bem.
- Tenho de te contar porque é que me aproximei do teu pai…não me odeies…eu…eu estava a escrever o passado do teu pai, tudo o que ele me confiou íntimo ou não! Foi por isso que me aproximei do teu pai…não por ti…mas pelo dinheiro que iria ganhar pelo passado do teu pai…sei que é horrível mas mudei, apaixonei-me por ti e comecei a ver quem era…desculpa Philipa…talvez nunca mais me queiras ver…
De repente os dedos de Philipa tocaram nos meus lábios e disse:
-Amo-te!
E assim beijou-me com todas as suas forças, e aí percebi que essa palavra bastara para eu me aperceber que era realmente a mulher de minha vida!
E assim passei a ser um Della Cour!
Bem…perguntas-te certamente que se passou ao “O Escritor de Passados” eu digo-te:
-Está aqui! Escreveu este conto e escreverá muitos mais! 

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