terça-feira, 22 de setembro de 2015

Palácio de Queluz, pretextos para uma reflexão

JOÃO CACHADO





É já no dia 22 de Setembro que a Parques de Sintra apresentará o programa do ciclo de música barroca Noites de Queluz – Tempestade e Galanterie, cuja segunda edição volta a ter como Director Artístico o Maestro Massimo Mazzeo, que falará detalhadamente sobre o programa.


Desde já, poderei adiantar não ter a menor dúvida de que, depois do êxito da primeira edição, esta próxima continuará exactamente na mesma linha. A Parques de Sintra é uma entidade que nos habituou a não deixar créditos por mãos alheias. E, porque assim é, também no domínio das propostas musicais, uma vez alcançado o patamar da excelência, vai saber mantê-lo.


Com os ciclos Tempestade e Galanterie, no Palácio de Queluz, no Outono e Primavera, Serões Musicais, no Palácio da Pena, durante o Inverno, e Reencontros – Memórias Musicais de um Palácio, em pleno Verão, no Palácio Nacional de Sintra, a Parques de Sintra tem vindo a promover a melhor música dos períodos clássico, barroco, romântico, medieval e renascentista, com palestras de enquadramento por especialistas do melhor nível.


Neste universo da actividade musical, Sintra está a beneficiar extraordinariamente com as iniciativas da Parques de Sintra, Monte da Lua, entidade que, afinal e novamente, a reposiciona como local onde se pratica a melhor música, por grandes intérpretes.


É com estas preocupações, tendo em conta os mais permanentes e exigentes padrões de qualidade e no quadro de propostas tão interessantes e requintadas, que consegue atrair a esta terra, não só os melómanos de toda a zona de Lisboa mas também de outros pontos do país, que se deslocam propositadamente, bem como estrangeiros de passagem que não perdem a ocasião para acederem a tais programas.


Regime mais-que-perfeito


É, portanto, no Palácio de Queluz, objecto de uma importante campanha de obras de recuperação e restauro em curso, que se vão concretizar os eventos do ciclo cujos detalhes de programação se aguardam. Pois bem, nada mais a propósito que a conveniência de mais uma chamada de atenção para assuntos, que, tão frequentemente, tenho abordado acerca de peças que, com o máximo orgulho, designamos como as jóias da coroa, pelo Estado português confiadas à Parques de Sintra.


Fê-lo de acordo com um regime de afectação em que, nem um cêntimo - dos vários milhões de que a empresa necessita para manter, administrar, gerir e, portanto, também financiar todas as obras congéneres com a qualidade que, é do domínio público, se reconhece como a melhor do mundo - nem um cêntimo, repito, sai do bolso dos contribuintes!


Nalguns casos, tais necessidades também são supridas por subsídios internacionais aos quais a Parques de Sintra se candidata. Contudo, é o produto das verbas obtidas através da venda dos bilhetes de acesso, isso sim e inequivocamente, que financia obras tão exemplares. Trata-se de um regime do maior interesse, cujos positivos e benéficos resultados estão à vista, nomeadamente, através das obras de preservação e restauro já efectuadas e em curso. E, não esqueçamos, tudo o resto como, por exemplo, as tão sofisticadas propostas de animação musical como a do caso presente…


Ninguém duvida de que tanto a Câmara Municipal de Sintra como a Parques de Sintra e o recentíssimo Gabinete do Património Mundial, este que surge de um Protocolo entre aquelas duas entidades, saberão estar à altura dos benefícios decorrentes daquele regime.


E, porque assim é, em função dos óptimos resultados que a experiência e a prática têm demonstrado, não me parece que careça de quaisquer alterações, nem ao nível do pacto social da PSML, nem quanto ao destino e à aplicação do importantíssimo volume das verbas resultantes dos bilhetes liquidados por cerca dois milhões de visitantes.


Por fim, não esqueçamos que, muito especialmente, em resultado da acção da Parques de Sintra, tão divulgada por esse mundo fora, a procura turística disparou para números que a comunidade de Sintra dificilmente acompanha, em particular, nos aspectos mais críticos do transporte e estacionamento, mobilidade em geral e acesso aos pontos altos da Serra.


Com o objectivo de contribuir para a resolução de tais questões, todos não seremos demais. E, pessoalmente, bem posso dar testemunho de que as associações cívicas e culturais de Sintra, nomeadamente, Alagamares, Associação de Defesa do Património de Sintra e Canaferrim - Associação Cívica e Cultural, chamadas ao envolvimento que lhes compete, não têm regateado os seus préstimos.

sábado, 19 de setembro de 2015

Escorreguei na cauda de um dragão

BÁRBARA JORDÃO RODHNER


Desci a cauda de um dragão. Escorreguei.


A beleza de um animal ancestral é a sua brutalidade, a sua ausência de medo. Garras em vez de mãos. Escamas em vez de pele. Queimada do sol, suei. O corpo-crocodilo imanava um cheiro ácido de sexo versus a minha virgindade árida e adocicada. Sabia ao que ia. Sabíamos os dois...


Nenhum vacilou. Nenhum se demorou...


Desviando o olhar um do outro, procurámos as bocas onde ainda não moravam beijos. Respiramos juntos...


No entreaberto-pequeno por onde vibram os corações humanos as línguas encontraram-se num ninho. Unindo-se, uniram-nos. Senti as pernas encharcadas, as costas feridas sangravam pequenas gotinhas de fel.


Silêncio! A boca fechou-se. O arco da cabeça vibrou. Entregamo-nos os dois...


Não há amor onde existe ego. Não houve performance. Nem tão pouco houve só sexo. Houve tudo o resto... Mão na mão. Peito a favor de peito.


- Porque demoraste tanto?


- Acho que perdi o foco no caminho...


Palavras a mais para quê? Chegámos onde éramos destinados. Reconhecemo-nos. Reencontramo-nos. O resto são literalmente restos sem nexo...


Senti o líquido sagrado subir-me as entranhas.


- És meu?


- Todo teu.


As bocas reuniram-se em paz e foi assim que o primeiro beijo da humanidade se deu.


Desci a cauda do dragão... Escorreguei mas não cai.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Mulher Braba

BÁRBARA JORDÃO RODHNER






Os sapatinhos vermelhos ardem-nos nos pés.

Quem somos nós?

As brabas...

Mulher carcomidas em suas almas.

Mulheres desmembradas.

Mulheres mal-amadas...

Somos as mulheres-filhas-da-mães que fazem o fogo nos seus fogões, que assam a comida nas suas entranhas, que lavam o chão com o seu suor, que limpam os talheres até brilharem no escuro e com as suas lágrimas ainda esfregam o fogão...

Somos as Sylvias Plath fartas deste caminho. As mulheres sem mãos...

Perdemos o norte, o sul, o oeste e o faroeste.

Perdemos os índios porque fomos comidas por cowboys...

Em noites de lua cheia fugimos das camas perfumadas e passadas a ferro para corrermos nuas e inteiras nas clareiras das fogueiras.

(Pois) Já não somos ninguém...

Procuramos o "tudo" para encontrarmos rigorosamente nada.

Já não somos ninguém...(?)

Ergueram-nos estátuas-frias para depois nos arderam junto dos livros antigos.

Fomos adoradas para rapidamente sermos esquecidas...

Já não somos ninguém (...)

Mulher braba, também eu ando perdida, estende-me o teu braço que eu dou-te a minha mão.

Quando a lua regressar com os seus segredos de negrume-preto vamos prometer(nus) caminhar juntas pelas entradas da loucura até ao vale da imensidão.

Mulher braba, calaram-nos a voz mas não nos calaram a alma que ainda arde ao sabor do vento nas lareiras vazias de fogo cheias de teias de aranha esquecidas...

Trocaram-nos por ares condicionados, é um facto, mas não estamos totalmente perdidas.

Mulher Braba, que as tuas noites de horror se juntem às minhas, que o teu útero jorre, agora, somente de alegria, que a tua avó sossegue junto da minha porque nem tu, nem eu, nem as nossas filhas, devem sofrer esta agonia de cantar um canto cândido que toda a alma dança mas só ás escondidas...

Que se fodam as torradeiras!

Que se queimem as assadeiras!

Que vão para o inferno as barrigas-gordas cheias de fome porque o nosso destino é dançar loucas e sem destino até nos cortarem os pés.

E já agora "Sapatinhos vermelhos"...

Esses fodidos e estrupidos "sapatinhos vermelhos" que se expludam em mil pedaços!

Até ao final de todas as Brabas.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Eros Extático

PAULO BRITO E ABREU












EROS EXTÁTICO

( convoco, para a Musa minha, o 10 de Copas caroal )

Os meus lábios são húmidos da boca
Que aprendi a beijar como ninguém,
Que Maio é comoção, a terra é pouca:
No mar, o teu Amor é mais além.

E à noite, a cor é vela em nossa toca,
A rosa a ti, Maria, te convém.
Marina e a fiar, navio ou roca,
A voz rouca, tu lias em Belém.

Por isso à Bela eu amo. Ao lado o círio
Me diz que ela é Cibele, e eu fecundo;
Gritamos, ela grita em seu delírio,

Infinita ela jaz, e eu no fundo......
Por isso a Paz, a Lua até ao lírio,
Bela vás, vás até ao fim do mundo.

SIC ITUR AD ASTRA


Domingos Caldas Barbosa, O Lereno

RUI OLIVEIRA


Poeta vulgarmente é um farroupilha
Osga do ofício: antípoda do agrado
Duns iludido d’outros procurado
A capa do vestir da sopa a pilha.
(Domingos Caldas Barbosa, 1780).

Domingos Caldas Barbosa nasceu no Rio de Janeiro, em 1738, filho do capitão António Caldas Barbosa e de Antónia de Jesus, negra forra angolana (libertada pelo seu senhor para que o seu filho não nascesse também escravo), e faleceu em Lisboa, em 1800, no palacete dos Condes de Pombeiros, à Bemposta, em Lisboa. A sua formação inicia-se como aluno do Colégio dos Jesuítas do Morro do Castelo, onde teria escrito sátiras mordazes ao Conde de Bobadela, então representante do poder Real na Província do Rio de Janeiro do século XVIII.

Após uma carreira militar infrutífera, no Brasil, ruma a Portugal, matriculando-se em 1º de Outubro de 1763, na Universidade de Coimbra, onde concluiu a sua formação académica, em Leis. Foi, inicialmente, protegido pela família Vasconcelos e Sousa, família muito ligada ao Estado do Brasil, onde exerceram elevados cargos políticos e militares, a qual o acolheu e o introduziram na melhor sociedade portuguesa da época, o mesmo será dizer: os Condes de Pombeiro.

Nas festas da Corte Portuguesa destacou-se como o “Trovador de Vénus e Cupido”, como podemos constatar na sua obra compilada e editada com o título: a Viola de Lereno. Obra dividida em dois volumes (1798, vol. I - 1836, vol. II), preciosa colectânea de suas modinhas, as mais famosas entre os Serões da Corte, de D. Maria I, e da Sessões da Nova Arcádia, do qual era membro ilustre. Agremiação de raiz cultural então sediada no Paço dos Condes de Pombeiros e marqueses de Belas, em Lisboa, e, em Belas, na sua monumental Quinta de Recreio vulgo Quinta dos Marqueses ou do Senhor da Serra. Porém, parte da sua obra, expressa em vários documentos e, também, em poemas, mostram outra faceta do poeta, até então tido, apenas, como trovador e cantor de modinhas. Domingos Caldas Barbosa passa, então, a ser visto como autor de poesia encomiástica, isto é: poesia que visa enaltecer uma determinada pessoa ou situação social, tão comum na Era Neoclássica.

Precisamente, uma poesia, que serviu segundo a indicação do próprio editor, como cantiga de caracter encomiástica, que trazemos, novamente, à estampa neste nosso artigo. É de referir, ainda, que AMIRA era o pseudónimo, na Nova Arcádia, de D. Maria Rita Castelo-Branco, Marquesa de Belas.




 Amira formosa,

 Escuta os louvores,

 Que os simples Pastores

Vem hoje entoar:

O seu Nome ilustre,

Subindo as Estrelas,

Nos Bosques de Bellas

Já vai reôar:



Offrendas singelas,

Das suas campinas

Cheirosas boninas

Te vem offertar:

E o Pomo, que pende

Para ti nascido,

Para ti colhido

Te vem entregar



O Pomo da China

Que cresce em teus campos,

C’os figos que lampos

Eu ouço chamar:

Os Limões pontudos,

Esféricas Limas,

te dão a gostar.

Em honra a teu Nome

Contentes trabalhão,

Num louro o entalhão

Por vê-lo durar:

Em honra a teus Filhos

Seis plantas creáram,

E a Outras preparão

Bastante lugar.



Teu Nome tem feito

Que do canto gostem,

Tu fazes que apostem

Teu Nome cantar:

No rude Psalteio,

Na harmónica Lyra

O Nome de Amira

Se ouve resoar.



Assim tua vida

Durar sempre possa,

Que he vida q’adoça

O nosso pezar:

Seremos alegres,

Não digo mentira,

O Tempo em q’Amira

Bellas animar.