segunda-feira, 20 de julho de 2020

O futebol em Sintra no tempo do meu pai

CAÍNHAS










Sintra, 23 de Dezembro de 1928.

Decorreu no campo dos Seteais, um desafio de futebol, num campo parte integrante da Quinta do Conde Sucena, que cedia aos clubes de Sintra o espaço fronteiro ao seu Palácio para a prática do futebol.

Na época haviam dois clubes na Vila, o Sintra Football Club, e o União Sportivo de Sintra. Da Estefânia, o Sport União Sintrense e o Sport Lisboa e Sintra, de São Pedro, a Sociedade União 1º de Dezembro. Havia ainda o Operário de Sintra, originário da Tuna Operária de Sintra, mas não sei se chegaram a jogar nos Seteais.

Naqueles tempos, os jogos tinham sempre um troféu em disputa, neste caso, num desafio entre o União Sportivo de Sintra, capitaneado por Américo Faria, e o seu maior rival o Sport União Sintrense, capitaneado por José André, considerados pelo repórter da época como os mais fortes grupos de Sintra, o troféu foi designado como “um artístico bronze”. Reza a crónica que os “Velhos Rivais”, levaram aos Seteais um grande número de ferrenhos adeptos, que durante o jogo se manifestarem “claramente”, tal o entusiasmo que estavam possuídos, (palavras do repórter), porrada de criar bicho, depreendo eu.

O jogo foi arbitrado pelo Senhor Adriano Resende, de novo convidado para arbitrar, “viu com aquela facilidade filha da competência” NR.(*)

O jogo foi de uma rijeza tal que o árbitro teve que fazer vista grossa a muita coisa, e teve que ser muito paciente, e surdo para as claques e cego para as cores em campo. NR

Começa o jogo. Não esquecer que estávamos em Sintra no dia 23 de Dezembro de 1928, pleno Inverno, diz a reportagem que, o tempo se cerrou por completo, mal os jogadores se viam uns aos outros. O Senhor árbitro queria adiar o jogo, aconselhando que não se devia continuar a jogar! Qual quê vamos a isto que é uma pressa, “não quiseram”, diz o relator.

Como a violência é inimiga da boa técnica, foi um jogo todo de peripécias, cujo epílogo representa vergonha trazer-se a lume. Mas eu trago, porque além de ainda não ser nascido, sei o epílogo.

A porrada começou dentro do campo, tendo acabado cá fora, com as duas claques, que estavam uma de cada lado da linha lateral, a invadirem o terreno de jogo. Foi uma autêntica batalha campal, em resumo, o costume nestes jogos.

Por estas e por outras, o Conde teve muita paciência, mas assim que pôde, correu de lá para fora com estes espetáculos degradantes. O repórter, muito punhos de renda, para não ofender nem gregos nem troianos, atenuou, dizendo que foi uma vergonha, enfim, o que lá vai, lá vai fazendo votos que o brio desportivo nunca abandone aqueles que prezam o seu nome e respeitam a sua colectividade. Um Senhor, este repórter.

Refere a determinada altura, o nome de CARLOS SANTOS, desportivamente, mais conhecido por “CAÍNHAS”, o melhor homem em campo, no jogo supra citado. CAÍNHAS, o meu falecido pai jogava no União Sportivo de Sintra (e também no Sintra Football Club), União Sportivo, que neste jogo levou de vencida o Sintrense por 2-1, sendo um dos golos de penalty, e o árbitro teve a coragem de anular um golo ao Sintrense. Faço ideia, aquilo era uma guerra. Se alguém dava um espirro, com estes ingredientes todos a alimentar a combustão, mesmo a chover, nada fazia apagar aquele lume.

Diz o repórter que o Sintrense não estava em Sintra. Toda a gente sabe que jogou mal. O Sintrense era regularmente o campeão destes jogos, daí o repórter dizer, às tantas, que estavam pouco habituados a perder, e que também é preciso “saber perder”. Refere ainda que a vitória do União se deve ao bom trabalho de toda a linha e ao seu melhor homem, aliás ao melhor homem em campo que foi “Caínhas” que “estava simplesmente colossal” NR É um óptimo defesa. Abusa por vezes do seu físico, lançando-se com uma violência que não é necessária” NR.  

Eu acrescento, era um poço de força, 1,80m, 80kg de peso, e uma vida de trabalho duro, e com muita natação nas presas de Monserrate, desde menino, onde iam tomar banho depois de grande parte dos jogos de futebol, a pé dos Seteais até Monserrate, e depois a pé para a Vila, não havia cá frio nem distâncias grandes, era tudo pujança, juventude, amor à camisola.

O meu pai era um homem muito respeitado na Vila, e não só, tinha amigos em todo o lado. Nunca esqueceu a rivalidade com o Sintrense, vá-se lá saber porquê, visto não ser pessoa de rancores nem de ter inimigos, talvez por ser uma rivalidade tipo Benfica /Sporting. A crónica diz também que os caseiros das quintas em redor, roubavam as bolas, que lhes iam lá parar, o que deve ter dado grande falatório, porque vem a desculpar-se e a tirar deste rol os “criados” da Quinta do Conde Sucena, que foi o grande impulsionador do futebol em Sintra, não só cedendo este espaço primitivamente, como mais tarde dando para os clubes de futebol os terrenos onde se situa hoje o património do 1º de Dezembro.

Se verificarmos as datas, isto era tudo como se fazia em Inglaterra, um autêntico Boxing Day, a terminologia do jogo era exatamente igual, os livres eram – free quick, penalty, corner, o team, os defesas eram os back’s, médios half-back, o árbitro era o refe, para simplificar o nome referee.

Na hora do fecho do jornal onde saiu esta reportagem, tinha acabado um jogo entre o Sport Lisboa e Sintra, e o União Sportivo de Sintra, ganho pelo Sport Lisboa e Sintra por 3-2. Ora este jornal saiu no dia de Natal de 1928, e o jogo que foi relatado jogou-se em 23 de Dezembro 1928, dois dias antes, tendo o União dois dias depois jogado de novo. Para amadores, é obra, um verdadeiro Boxing Day do futebol local. Dá ainda nota o Jornal que na quinta-feira, no Cine Tivoli haveria grande festa de homenagem ao Sport União Sintrense, campeão local.

Artigo escrito a partir duma notícia do jornal Sintra Regional de 25 de Dezembro de 1928, sendo redactor (NR) António Medina Júnior.


Carlos Caetano dos Santos, meu pai, terceiro da esquerda para a direita na fila de baixo
Terceiro, na fila de cima. Equipa do Sintra Foot Ball Clube em 1930
Quinto, na fila de baixo




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