terça-feira, 22 de novembro de 2016

Du Narish e de outras figuras

NUNO BASTOS





Du Narish, conde de Lá, visita frequente do duque Bemcolirado, anda enamorado por ambas as filhas do duque supra citado. As formosas moças, de nomes Nárriná e Linguá, mostram frontes desejadas por locais e lacaios e gozam de privilégios de ordem vária corpo fora. E tantos são, que pretendentes não lhes faltam, desde galantes cavaleiros a galope, até quixotes que montam mula emprestada.
Du Narish, enquadrado nos aspirantes, pretende assegurar-se de ambas as donzelas, mas o duque, progenitor fero de fogo, faísca ainda pelas ventas quando observa o conde em seus domínios. Foi largada a fúria por ter Du Narish maculado com odor característico o quarto de Nárriná que se via pronta para declinar esse dia. Deveu-se o odor ao aroma nutritivo que espalha o conde sobre si e que escorre corpo abaixo enquanto cobre pilosidades pele afora. Do aroma é segredo que nem vê-lo ou não fosse o conde ciente da exclusividade promissora.
Pois que estava em dias idos o odor em quarto alheio quando o duque, em passagem austera pelos arrabaldes, fungou o cheiro que se escapava, suprimindo a porta que encerrada se fazia. Reagiu veloz à primeira deliberação lembrada que era a de haver um estranho recostado no aposento de sua prole e irrompeu quarto adentro, intentando segurar às forças o malandro que se intrometera com Nárriná. Mas qual fabuloso espanto ao descobrir, recostada nas cabeceiras da cama, a sua mui amada filha, segurando entre mãos um livro que se dizia ser bom e de qualidade. Perguntou-lhe o duque da proveniência de tal odor e respondeu-lhe a moça que lhe desconhecia o paradeiro mas que poderia dar-se o caso de haver surgido rumando pela janela que permanecera dia fora tão escancarada quanto possível. E assim, de semblante satisfeito, deu as boas noites à protegida e extraiu-se do aposento, deixando atrás de si a porta tão cerrada quanto estava.
Novamente o odor, dessa vez ao fazer evoluir o passo austero diante da porta do quarto de Linguá, parando o duque Bemcolirado de ouvido colado à escura madeira que faz a divisória. Buscou voz masculina que salpicasse dos arredores da sua filha, mas nada ouviu e surgiu imponente no interior do quarto, assustando Linguá de tão rápido que aparecera.
Linguá, que se trocava para a noite, quedou-se de susto aberto e cobriu-se veloz com a roupa tirada. Ainda de ouvido atento e de olhar esgazeado, quis o duque saber da origem do cheiro sugado por suas fossas. A moça nada sabia, sugerindo o exterior como fonte da nascente e que algum vento de passagem o havia trazido para o interior. Sossegou-se o duque mas manteve-se de vistas acesas, perscrutando o cenário com olhar caçador. E dando as boas noites à moçoila aturdida, soltou-se dos interiores do aposento e continuou viagem em passo austero.
E tinham três passados quando ao quarto passo declinou a marcha por ouvir do aposento de Nárriná um riso agudo seguido de som de macho que montava a voz de sua filha. Dessa vez, furibundo quanto baste, entrou o duque no aposento, pegando com as vistas azuis, inconcebíveis cenas desenroladas no colchão de Nárriná. Da origem do odor tomou nota também, pois que era advindo do conde desnudado que se quedava tão nu quanto a moça.
Cobrindo-se Nárriná e fugindo Du Narish, largou-se o duque atrás do conde, citando-lhe impropérios e demais palavreado realçado. Du Narish, gritando não ter culpa fez, assim, pior por acusar Nárriná, tornando-a vadia de ocasião. Bemcolirado, de ventas fumegantes, lançou-se num salto tocando ao de leve as arrecuas do conde que se encontravam esbanjantes da substância odorífera que havia escorrido desde matina do topo do crânio cabeludo. Parando depois o duque, avistando a sua mão gordurenta, içou-a rumo ao nariz para sorver bem sorvido o aroma largado. E confirmando a resposta da origem do cheiro, já Du Narish se havia surripiado porta fora, ficando o duque olhando fero para Nárriná. A moça, que cobria as vergonhas, desviava os olhos do pai, baixando-os ao colchão.
Saiu, então, o duque correndo do quarto e entrando no vizinho, pensando encontrar Du Narish com Linguá. Para espanto fantástico, nada havia às vistas de ver, mostrando-se o aposento tão vazio quanto um copo vazado. Veio-lhe às ideias a perseguição do rasto odorífero para surgir de caras com Du Narish e, possivelmente com Linguá. Mas de parte foi posta essa criação por haver odor espalhado por área indefinida e abrangente. E, assim, largou-se sentado no aposento, aguardando a chegada de Linguá na demanda de justificação a propósito do acto de fuga.
Passou a noite e já o galo cantava alto quando Linguá retornou, encontrando as fuças ventosas do senhor seu pai que fumegavam a bom vento. Suspendeu-se a filha de movimentos, pois que trazia pressas nas pernas, gelando congelada diante do duque. Em silêncio se fez a pergunta da localização exacta do tratante a quem chamam Du Narish e disse-lhe a moça que havia regressado às suas terras.
Içou-se o duque do cadeirão e mandou emissário aos domínios do conde que na rápida cavalgadura entregou ordem de duelo a Du Narish. Recebendo e concordando com o anunciado, enviou o conde de volta o emissário aos domínios de Bemcolirado. E tudo se arranjou para o dia do duelo, esperando o duque no lugar por um conde que não apareceu por se haver enrolado, em simultâneo, com Nárriná e Linguá, largando-as ainda antes do retorno do pai. Desse dia em diante, esquiva-se Du Narish das vistas observacionais do duque que se desalma pela caçada do malandro.