terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Saudades

EURICO LEOTE


Eu choro e chorando as saudades vou lavando. E ao lavar as saudades mais depressa as esqueço. Esquecendo as saudades, mais tempo tenho para pensar em ti. Pensando em ti maior a tua presença junto de mim na tua ausência. Se penso em ti, não estás ausente. Estás aqui ao pé de mim, ao alcance de um afago, de um sopro. Basta o querer. Querendo a nossa imaginação transporta-nos para longe. Leva e trás o desejo. Com o desejo vão-se as saudades e com elas, as lágrimas que chorei quando te tive nos meus braços. Abraçados alcançámos o porvir e entrámos noutra dimensão. Aí ambos deixámos de existir para passarmos a coexistir. Nesse patamar de existência deixamos de usar as palavras. As palavras são fáceis de dizer, fáceis de incorretas interpretações. As palavras são meramente palavras que deixamos de ouvir e que interpretamos como queremos, e mais como nos convém.

Abaixo as palavras e os palavrosos papagaios palradores semelhantes a ratos guinchadores.

Limpemos a mente como quem limpa uma lente suja de passado. Saibamos deitar fora os discos riscados e de velhos sons empoeirados e borolentos. O bolor pode tornar-se virulento e particularmente contagioso. Abaixo os passadores de falsas ideias e de preconceitos recalcados. Calquemos nos vampiros e nos cabeças de chicharro em decomposição. Saibamos compor a música das nossas vidas. Embalemos os nossos desejos como se faz a um bebé. Sejamos crianças para todo o sempre. Saibamos manter viva a criança que há dentro de cada um de nós. Soltemos esse choro inocente e verdadeiro. Construamos o dia a dia de verdades aceites e não consentidas e muito menos impostas. Saibamos correr com os impostores e oportunistas, sanguessugas e parasitas. Eliminemos os vermes que tudo contaminam e deitam a perder. Digamos não à ganância e ao oportunismo. Saibamos construir as nossas próprias oportunidades alicerçadas no nosso saber e na partilha de experiências. Experienciai as várias hipóteses que vos surgem. Não vos escondais atrás de falsos saberes ou de doutores do templo, que vomitam osgas e lagartas como quem come uma fatia de pão barrada com doce acabado de fazer pela nossa avó. Aquele ser mítico e único, para quem poucas serão as palavras de agradecimento pelo bem que souberam espalhar. Espalhai essa alegria de viver. Contaminai as gerações vindouras desse saber e saber estar. Esse saber estar aprende-se, pratica-se, cultiva-se e transmite-se.

É precisamente neste ponto, aqui, que tu entras e estás, minha avó, mãe e amada. São para ti estas palavras onde a palavra saudade não existe, porque tu existes sempre dentro de mim.

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