O
jogo das palavras é um jogo muito delicado, direi mesmo extremamente delicado,
e que por isso mesmo carece de ser jogado com muita precaução, e ao qual
deveriam ser impostas regras, nomeadamente restrições à entrada neste jogo,
pois não é qualquer bicho careto que tem idoneidade para se aventurar nestas
andanças, não obstante julgar e considerar que é possuidor de mestria
suficiente, que domina com categoria e classe as várias jogadas.
Acontece
que cada jogada é sempre diferente da jogada anterior, e o que se disse hoje já
estamos a nega-lo amanhã. Depois, porque existem palavras de vários pesos e de
várias medidas. Umas redondas e outras mais chatas, umas ásperas e outras com
farpas, e nem toda agente tem arcabouço, estofo, coragem e força para as
aplicar no sítio certo, e no tempo exacto.
Por
vezes torna-se necessário recorrer a forças sobre humanas para as aplicar sem
tibiezas, sem deslizes, sem subterfúgios. Doa a quem doer. Bem de frente. Cara a
cara. Olhos nos olhos. E isso cansa, isso destrói, e é por vezes um esforço
vão. O jogo das palavras é leviano. Por vezes joga nos silêncios, e esses doem
e agridem mais do que as palavras propriamente ditas.
Num
mau jogador, as palavras fazem ricochete e acabam agredindo quem as proferiu.
Há
quem seja suficientemente velhaco e coloque na boca dos outros as suas próprias
palavras, ficando assim de lado assistindo ao digladiar, para poder surgir
depois como o apaziguador, o bonzinho da fita, que só ali estava de passagem e
nada mais, mas que se quiserem uma ajudinha até nem custa nada, faz-se já.
Para
participar no jogo das palavras, é necessário possuir igualmente um bom jogo de
cintura, que permita fintar e sair por cima, nunca dando o flanco nem parte de
fraco. Acusar o toque é meio caminho andado para a bancarrota, de nada valendo
os balões de ensaio, arautos das desgraças, nem querubins melíferos que venham
tentar equilibrar este jogo de forças.
Para
se combater o jogo das palavras e sair-se vitorioso, só conheço o jogo da
acção. Esse sim, é que através dos resultados visíveis e palpáveis, vence
seguramente o jogo da palavra, mesmo o da palavra fácil, mesmo o da outra
palavra que é a palavra escrita, a qual a maioria das vezes se arrasta no
tempo, circulando de gabinete em gabinete, de gaveta para gaveta, até vir a
cair no esquecimento.
No
jogo das palavras, as palavras ditas, benditas, desditas, ou são sempre
malditas, ou não passam de palavras ocas, como ocas são as pessoas que alinham
e participam nestes jogos, transformando-os em profissão de fé.
Ah!
Se as palavras mordessem, ou se pudessem manifestar ou rebelar contra a maneira
impune e vil como são utilizadas. São no fundo isso mesmo. Não passam de um
jogo, e nos jogos ganha-se ou perde-se, porque aqui ninguém joga para o empate,
para o equilíbrio, para a sua utilização racional directa e eficaz.
Vou
deixar-me do jogo das palavras e passar ao jogo da acção.
Vou
grelhar um cachorro na frigideira, entalo-o numa carcaça e abro uma cerveja
para acompanhar. As palavras que descansem em paz.
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