Os príncipes já estavam no salão, impecáveis nos fatos
tiroleses que o tio Augusto comprara para a recepção que sua mãe, a rainha,
ofereceria ao corpo diplomático. A noite estava amena nas Necessidades, um
presépio gigante, ladeado por serafins dourados, adornava o salão contíguo ao
do trono. Pedro terminara as aulas de geografia com o visconde de Carreira, seu
preceptor, como sempre, sorumbático e calado. Seria rei um dia, o visconde
vigiava-lhe a postura. Lipipi, intrigado, contemplava um barco numa garrafa,
tentando descobrir como o terão enfiado dentro. Pelas sete horas, com o salão
profusamente iluminado e decorado com esculturas que Fernando comprara em
Paris, chegaram os embaixadores das nações amigas, ministros, inúmeros
convidados. O país estava pacificado por Saldanha, depois da convenção de
Gramido, e a família real ocupava-se com a educação dos filhos, sete já, com o
nascimento do príncipe Augusto, em Novembro.
À hora marcada, a rainha entrou na sala, com Fernando a seu
lado, duas camaristas secundavam-nos. As várias gravidezes haviam-na tornado
obesa, enfiada num vestido roxo que não lhe favorecia as formas, mais próprio
de uma burguesa que de rainha. D. Fernando, fardado de general dos exércitos,
com o cabelo louro em desalinho, fazia suspirar as cortesãs. Era um pinga-amor,
porém, respeitador de Maria, e zeloso da educação dos filhos. Nessa manhã
estivera em Mafra, montando o Monarch,
misterioso, avisou que se preparassem, pois faria uma surpresa durante a
receção da noite. Tinham nascido poldros à égua da rainha, ia vê-los, e no
regresso passaria pela Pena, a inspecionar as obras, carros de bois
transportavam por esses dias pedra de Ançã para a ala sul, onde já se
desenhavam os contornos do palácio.
Na sala, pontificavam os grandes do reino. O príncipe
Augusto, irmão de Fernando, de visita para o Natal, e para conhecer o novo
sobrinho, a quem puseram o seu nome, conversava com o barão Eschwege, que dava
pormenores sobre a construção da Pena, a outro canto, o visconde de Carreira
comentava com a marquesa de Lavradio como a rainha ficara desgostosa com o óleo
que Beaulieu pintara dos príncipes, para si, pouco favorecidos.
Após as boas vindas da rainha, Fernando, num português
atrapalhado, pediu silêncio, e mandou entrar o coro de S. Vicente de Fora. Doze
jovens impecavelmente vestidos, em canto ambrosiano entoaram canções de Natal,
perfeitamente afinados. No final, também D. Fernando fez questão de cantar uma
melodia austríaca, Stille Nacht, Heilige
Nacht, chamou ao piano Manuel Inocêncio, o professor de música dos
príncipes, e como combinado, cantou para a assistência, maravilhada e rendida à
sua voz possante. O ambiente, inicialmente formal e protocolar, estava agora
desanuviado. Intrigante, D. Fernando pediu a palavra:
-Majestade,
Excelências, se não vos importais, passemos à biblioteca, tenho uma surpresa
para vós!
Era a altura de desvendar o mistério da ida a Sintra de
manhã. Aberta a sala contígua, até então fechada, um pinheiro gigante,
profusamente engalanado, deslumbrava, repleto de velas e doces. Vários
candelabros luminosos e uma crepitante lareira aqueciam o ambiente, irrompendo
a sala numa salva de palmas, em sinal de admiração.
-Em Coburgo, conta-se a
história de São Bonifácio, que certo dia salvou um príncipe que ia ser
sacrificado num bosque por druidas. –explicou -Derrubada a
árvore onde o príncipe ia ser imolado, nasceu no local um pinheiro, que para
nós, simboliza a paz. É tradição desde então colocar em todas as casas uma
árvore pelo Natal, como símbolo de fraternidade!
Extasiados, Lipipi e Pedro correram para a árvore, enquanto a
rainha Maria, admirada, apreciava as velas que Fernando, com o auxílio de
Eschwege e dos criados, passara a tarde a colocar. Mas não ficavam por ali as
surpresas. A um bater de palmas, um indivíduo com enormes barbas brancas entrou
na sala, transportando um saco:
-Eis um Weihnachtsmann,
não sei como se diz em português, mas é alguém que no Natal premeia quem
praticou boas acções, distribuindo prendas, sobretudo às crianças! -explicou,
deitando um olhar misterioso na direcção dos filhos. Perante a alegria de
Lipipi, futuro rei D. Luís, seguiu-se a distribuição de presentes que o homem
das barbas ia tirando do saco e que Fernando entregava um a um. Para Maria, um
vestido, do atelier de madame Clochard, em Paris; para Pedro, livros, com
anatomia de animais, oferta da rainha Vitória, que adorava os primos
portugueses, um chapéu de almirante para Luís. Nenhum convidado foi esquecido,
e todos foram presenteados com aguarelas de flores e pássaros, pintadas por
Fernando nesse Verão em Sintra.
Naquela noite serena e feliz, iluminava-se pela primeira vez
uma árvore de Natal, sendo Fernando um perfeito weihnachstmann do Norte, invadindo as Necessidades naquele seu
Natal português. Finda a memorável noite, a todos saudou, de coração cheio:
-Feliz Natal para
todos, caros amigos!Frohliche weihnachten!
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