Um destes dias, à noite, regressava a casa, a pé, depois de ter concluído sessão de formação que estive a conduzir em horário pós-laboral.
À
minha frente caminhava um grupo de 5 pessoas - um casal na casa dos 30 e
poucos anos e, pelo que pude aperceber-me, três filhos, de idades entre
os 12 / 13 anos e uma pequenita com cerca de 4 ou 5. Pelo percurso que
faziam concluí que vinham da igreja local, que àquela hora mantinha
ainda aberta uma área de distribuição de alimentos e outros produtos
para apoio a famílias necessitadas, creio que com apoio da Junta de
Freguesia.
O
homem e a mulher levavam grandes sacos onde era possível vislumbrar
arroz, massas, batatas, enfim, os víveres necessários para a alimentação
do mês. Todas as crianças ajudavam, transportando também sacos mais
pequenos com alimentos, incluindo a pequenita, que saltitava e sorria,
na inconsciência e pureza da sua tenra idade.
Fui
vendo aquela família dirigir-se para casa, em silêncio, no início da
noite, saberá Deus com que preocupações para o dia seguinte, talvez com o
desemprego a roer a alma, talvez já com a ameaça de perder a habitação,
certamente um espaço para o medo e incerteza para criar e educar os
três filhos... Serão milhares, infelizmente, as famílias portuguesas
nesta situação... Mas aquela, sem o saber, acordou em mim a memória de
um outro tempo distante em que também vi os meus pais fazerem mil e um
malabarismos para viverem com dignidade, numa outra época difícil, sem
que nada faltasse aos filhos, mas onde tantas vezes as dificuldades
apertavam o coração na calada da noite. Regressou este meu País às
trevas da fome, do desemprego, da miséria envergonhada, da incerteza no
futuro...
Numa
curva mais adiante, a família carregada de sacos com alimentos para o
mês, desapareceu - antes de entrar em casa e regressar para junto da
minha própria família tive que fazer um breve momento de espera, apenas o
tempo do vermelho dos olhos e da pressão no peito já não serem visíveis
para os meus.
Mas
não consigo esquecer aquela menina que, de saquito com alguns alimentos
na mão, inocente, livre, doce, sorria e saltitava no meio da família
que, abrigada pelo anonimato da noite, carregava o parco sustento para
escassas semanas...
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