“A ideia já é antiga. Reunir poetas, actores, leitores, ouvintes. Reunir seres humanos em redor da mais acolhedora das lareiras: a Poesia. Saudosos de outras tertúlias que o tempo consumou e consumiu, sentimos chegada a hora de retomar o hábito de nos desabituarmos da vida em prosa. Eis-nos regressados ao convívio das palavras!”. Assim se apresentava em Dezembro de 2004 um grupo de artistas e poetas de Sintra que durante cerca de 3 anos se reuniu e reuniu a família da poesia em torno da tertúlia Meninos d'Avó.
Reunidos informalmente nas primeira e terceira 4ª feiras de
cada mês, na desaparecida Casa da Avó, perto do palácio Valenças, onde hoje se
encontra um hotel, ali se discutiram ideias, apresentaram livros e soltaram
poemas, impulsionados por figuras como Jorge Telles de Menezes, Rui Lopo, Rui
Brás e outros. E muitos foram os cúmplices em torno da lareira literária:
António Naud Júnior, Fernando Dias Antunes, Paulo Brito e Abreu, Francisco
Palma Dias, Nuno Vicente, Fernando Grade, Helena Langrouva, Miguel Real, Luís
Filipe Sarmento, Alexandre Vargas, António Salles, Rui Mário e Pedro Hilário,
Manuel Silva Ramos, Filomena Marona Beja, Ricardo Rodrigues, Duarte Braga,
Diogo Carvalho, Maria Almira Medina e outros.
Durante 52 sessões e até Dezembro de 2007, Sintra bebeu da
palavra dos Meninos e escutou os Mestres, inicialmente nesse mítico espaço,
posteriormente demolido para dar lugar a um hotel, e, a partir de 2006, em
locais como o Regalo da Gula, na Quinta da Regaleira, no bar 2 ao Quadrado, ou
no restaurante Culto da Tasca.
Do espólio desse baú, sagrado e maldito, um poema de Fernando
Grade, do seu livro “Sempre tive um vinho
muito ciumento"
A maior morte que
aconteceu na minha infância
foi Billy the Kid.
Por esse tempo há muito
tempo passaram
frutos e pedras e,
então, havia aves a descerem
para o mar, havia
névoas da cor das uvas
moscatéis e, talvez, a
salsugem
e as sestas saboreadas
dormidas em cima da caruma
nos Capuchos; era uma
altura
em que o teu corpo
ainda não me ameaçara
com o mar dos feitiços.
Volto atrás e sou
meninos
tenho uma madrinha que
era fanática
pela praia da Adraga:
os méis ainda estavam
todos vivos,
não havia um verme
lustroso
a roer a maçã,
foi numa noite de Verão
com vento
que apareceu morto
Billy the Kid
apunhalado na minha
caixa dos brinquedos.
Agora quando vou aos
Capuchos são outros os meus fantasmas:
o teu corpo está à
beira do tempo:
os segredos que nos
uniram
a mim e à parte
fumegante que de ti resta
são como trapos
sangrentos;
olho para o retrato da
tua boca
como se fosses feita de
Lama,
nuvens que nunca vi.
Mas gostava da maneira
como tratavas as plantas:
as plantas são crianças
indefesas
que sentem as
catástrofes
lambem a neve das
estradas.
Vivi uma destas tardes
a praia toda
o mar fulo, rebolei-me
na areia velha onde cresci alguns verões,
lá estavam os mirones,
porventura os filhos dos outros mirones,
o coxo sábio e o
maneta,
tudo a cheirar a chuva
e a muito sal,
as casas grandes eram
sempre neuróticas
ter uma casa enorme
aberta às brisas
era como sustentar uma
rapariga neurótica.
Bem, havia sombras
afugentadas por olhos de
pedra, lábios submersos
por maçãs
vinhedos, o sabor bruxo
dos pêssegos
a resina a escorrer
para o rio de Colares
A praia da Adraga
foi o vinho mais feliz
da minha vida.
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