As coisas são aquilo que nós fazemos delas. A realidade é uma
percepção, a percepção cria a realidade. Olhar à distância é fotografar o mundo
que nos envolve, queremos observar o movimento das coisas sem sermos também uma
coisa. Somos grandes porque tememos a pequenez, tornamo-nos pequenos porque a
grandeza paga-se cara. Mas do que falo eu? De Salvatore, o protagonista do
brilhante cinema paraíso. Salvatore observa Helena à distância, enquanto não a
conquista. Risca os dias do calendário à espera da rapariga que acaba por
chegar. No primeiro beijo emocionamo-nos, gritamos vitória com a personagem. Ou
então não, revoltamo-nos com a sua sorte porque ela é falsa, é um embuste! Há
um guião por trás, assim também eu! A poesia é utópica porque é fingida…
Vou experimentar, arranjo uma musa e um calendário. Pode ser
aquele que compramos aos escuteiros porque não sabemos dizer não a uma criança…
Há também o outro, oferecido no talho do costume por meados de Novembro. Não
importa. Escolho a rapariga, todos temos alguém em mente. Se não temos fechamos
os olhos, deixamos o universo a conspirar a nosso favor, a ideia acaba sempre
por ganhar uma imagem. Amo-a secretamente, denuncio pouco a pouco a minha
intenção. Uma vez confiante, pergunto, a resposta é não. Entra o calendário em
cena. Aponto para o dia 31 de Dezembro, digo que à última badalada da
meia-noite desisto, faço do fogo-de-artifício o último arco-íris, o último
fogo.
Tlam, Tlam, Tlam, Tlam, Tlam… é anunciado o novo ano pela
igreja…. Viiiiiuu Pum, Viiiiiiuu Pum… Rebentam os últimos explosivos… Ela não
aparece… Tlam, Tlam, Tlam, Tlam, Tlam… Ela continua sem aparecer… Viiiiuu Pum,
Viiiiuu Pum… Continua sem aparecer, não vai aparecer… Tlam, Viiiiu Pum, Tlam…
Não apareceu. Percorro as estradas estreitas da cidade, de regresso a casa… Ela
não apareceu.
Uau... Estilo crónica literária; conjugação harmoniosa de elementos literários e jornalísticos. Grande beijo de uma fã!
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