terça-feira, 28 de outubro de 2014

Nem tudo são rosas no paraíso ou 10 questões sobre o Património de Sintra


JOÃO RODIL

No próximo ano comemoram-se 20 anos da elevação de Sintra a Paisagem Cultural da Humanidade, pela UNESCO. É louvável e justo que se comemore esta efeméride, pois levou o nome e as belezas de Sintra mais além, trouxe mais pessoas com vontade de conhecer as nossas paisagens e monumentos, obrigou os portugueses e, muito particularmente, os sintrenses a defenderem e a zelarem por este lugar único no mundo. Temos, hoje, uma maior consciência patrimonial e ambiental. Estamos mais atentos e despertos para acudirmos ou denunciarmos atentados contra a Natureza ou a nossa História.

Mas nem tudo são rosas neste glorioso Eden que Byron tão bem soube cantar. Sintra merece mais e melhor. E para atingirmos outros níveis de excelência não são necessários projectos megalómanos, nem tiradas demagógicas e desculpas esfarrapadas com as quais já estamos habituados a conviver. Basta amor ao espírito do lugar.

Sem querer apontar o dedo ou melindrar alguém ou alguma instituição, porque o que está feito, feito está, e o que não está ainda vai a tempo, obrigo-me a deixar aqui dez questões sobre o património de Sintra. Porque me preocupo. Porque amo esta terra.

1.     Quem fiscaliza os espaços históricos, na posse de particulares, inseridos na área de Património Mundial? Tem a Câmara de Sintra, o IGESPAR, o Ministério do Ambiente, alguma entidade fiscalizadora das obras nessas propriedades? Alguém sabe o que se passa no interior do Paço dos Ribafria, em pleno Centro Histórico? Alguém sabe que obras foram feitas na Quinta da Penha Verde? Alguém sabe quando é que a Quinta do Relógio será recuperada? E o Convento da Trindade, ainda permanecem na casa e na cerca todos os seus valores artísticos?

2.     O património sob a alçada do Patriarcado é uma incógnita. Obras de dimensão foram feitas na Quinta do Saldanha. Sabemos quais e que possíveis danos causaram? As igrejas e capelas – mesmo as do Centro Histórico, como São Martinho, Misericórdia, Santa Maria – estão quase sempre encerradas ao público. Não seria bom abrir esses espaços, numa coordenação entre as paróquias e a Câmara Municipal?

3.     Quanto ao património da responsabilidade da empresa Parques de Sintra – Monte da Lua, apesar de reconhecer o bom trabalho efectuado em muito dele (Chalet da Condessa, Monserrate, Pena, Castelo dos Mouros, etc.) existem, no entanto, algumas questões pertinentes, sobretudo para a nova direcção que se avizinha. Para quando a recuperação da Quinta da Amizade? Vão deixar desaparecer de vez, já que se encontra em avançado estado de ruína, o Chalet da Tapada do Mouco, casa do Infante dom Afonso? E o Palácio de Queluz? Já existe um projecto de recuperação e restauro?

4.     A Quinta da Regaleira, nas mãos da CulturSintra que, parece, vai deixar de existir e a responsabilidade passará para a Câmara Municipal, é um espaço que dá lucro. Muito mais poderia dar, em meu entender. Mas, então, não podemos deixar de perguntar, passados tantos anos da sua aquisição, para quando as famigeradas obras de restauro do palácio? Vamos continuar, eternamente, com as salas emplastadas por painéis de contraplacado? Não seria de aplicar alguma da verba ganha nessa recuperação?

5.     Infelizmente, muitos dos edifícios degradados no Centro Histórico de Sintra são propriedade do Município. Basta assinalar o vasto conjunto de casas abandonadas das Escadinhas do Hospital ou a do Rio do Porto, que eram duas e uma delas já foi recuperada por um particular. Uma instituição com responsabilidade máxima no seu território, como é o caso da Câmara Municipal, tem que dar o exemplo. Exigir aos outros aquilo que não faz é imperdoável.

6.     Tenho ouvido falar do súbito nascimento de várias unidades hoteleiras em Sintra. Parece que estão para vir aí vários desses estabelecimentos. São úteis e necessários, pela fixação do turista no concelho, pela criação de emprego, pela geração de riqueza. Mas isso não pode ser feito a qualquer preço. A Câmara adquiriu o Hotel Netto e agora diz-se que o problema é o dinheiro que custa manter a sua fachada! Mas poderia ser de modo diferente? Não se sabia, de um saber obrigatório, que a fachada era para manter? É a Câmara que deve obrigar a manter todas as fachadas e, obviamente, obrigar-se a si própria. E a Quinta da Torre dos Ribafria? Aquele valiosíssimo património da História de Sintra e do país vai ser apenas uma unidade hoteleira, com obras e gestão a cargo de privados? Então e o Palácio dos Gandarinha? Esse celebérrimo esqueleto em pé (ainda), verdadeiro postal turístico para quem entra na vila de Sintra?

7.     Há, no Centro Histórico, por inépcia ou ignorância, alguns pedaços do património verdadeiramente esquecidos. Um deles, e que me dói particularmente, é o medieval Celeiro da Jugada. Não se pode adquirir aquele espaço, recuperá-lo e torná-lo público? E para quando um restauro integral do V Passo da Via Sacra, em frente ao Museu Ferreira de Castro? E a reposição das duas cobaias junto ao monumento ao Dr. Carlos França? Sintra é feita de pormenores. Todos eles são importantes na dimensão universal do seu património.

8.     Três destacados edifícios, todos eles carregados de História longínqua, que se encontram devolutos e, por enquanto, sem destino que se conheça. Falo do antigo Hospital de Sintra que pertenceu, ou ainda pertence, à Misericórdia. Que solução? E o edifício dos Correios, encerrado há tempos? Mais recentemente, a antiga Casa da Câmara, mais conhecida como Museu do Brinquedo. Para que vai servir? Não me digam que vai ser mais uma unidade hoteleira… Acho que ali ficaria muito bem um espaço museológico da caricatura e do cartoon ligado a Sintra (Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Bordalo Pinheiro, Vasco de Castro, Maria Almira, Leal da Câmara, José Smith, etc.). Fica aqui uma sugestão para o nome: Museu do Traço.

9.     O trânsito na Vila de Sintra. Filas intermináveis de automóveis e autocarros a expelirem fumo horas a fio, no coração de um espaço que se diz Paisagem Cultural da Humanidade. Que preocupações ambientais e patrimoniais temos nós que permitimos este absurdo? Não são medidas pontuais que resolvem este grave e nocivo problema. Mais silo menos silo, mais parque menos parque, a solução deve passar por um projecto integrado. Porque não voltar a colocar o Eléctrico a fazer o trajecto Estefânia – Vila, passando pela estação de comboios? Creio que seria uma solução positiva com duas faces: por um lado, o Eléctrico não é poluente e, por outro, poderia rentabilizar aquele histórico meio de transporte, mesmo na época baixa. Porque não utilizar autocarros não poluentes a fazerem o transbordo dos parques e silos? Porque não restringir o trânsito e estacionamento a moradores, com horários definidos para cargas e descargas?

10.   O Património Imaterial de Sintra. É urgente a sua difusão e o seu aproveitamento, como mercado cultural de excepção. Valorizar esse património é valorizarmos a nossa memória, a nossa identidade. A Literatura, nacional e estrangeira, relacionada com Sintra é, talvez o maior monumento que possuímos. As nossas lendas, usos e costumes são verdadeiramente únicos e deveras cativantes para quem nos visita e com eles contacta. Não se fixam turistas apenas com hotéis. É preciso muito mais. Cultura, diversão, espaços de lazer e de contemplação. Sem o trânsito caótico de hoje, pode trazer-se cultura para as ruas, esplanadas e música, teatro ao ar livre e poesia. Muita poesia, sobretudo, que é, actualmente, coisa escassa no coração humano.

7 comentários:

  1. Questões bem pertinentes, a merecer uma resposta clara, célere e prática (que não retórica e demagógica), por parte de quem deve dá-la.

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  2. Sintra não é so vila, espaços verdes one estão? Zonas de lazer?centros comerciais em cogumelos com vair ser o jumbo,forum e continente na mesma zona....etcetcetc

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  3. Excelente texto João. Há coisas que têm que ser ditas directa e claramente. Honestidade intelectual acima de tudo, sem ter que se estar a gerir posições conforme o ambiente. Tivessem outros "companheiros de causas" a tua franqueza e estaríamos todos bem melhor.

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  4. Parabéns pela forma clara e pertinente como apresentou os vários pontos.

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  5. Cumprimento-o João pela explanação em 10 pontos de todas as coisas que os sintrenses de Sintra falam todos os dias. As ideias não são novas como sabe o mais importante ao fim e ao cabo é saber mesmo porque as soluções que existem em teoria e prática não chegam nunca mais. O ponto nº1 não me agrada particularmente porque os vigilantes teriam que ser tambem vigiados e em Portugal ainda existe o direito da propriedade privada, alem de que como bem deve saber a Câmara e os funcionários da dita preocupam-se com o que não dará muito trabalho e sim alguma entrada de verbas. Se soubesse da minha experiencia para fazer um portão de acesso ao MEU jardim compreenderia melhor a que me refiro. Este blog João será que chega às entidades "competentes"? Falar e escrever já é bom para que todos abram bem os olhos para a realidade mas há que ir muito mais longe. Já leu o Orçamento da Autarquia para 2015? Aí se pode ver o que este presidente tem em mente e, francamente 150 milhões de €uros acho muito pouco. Onde estará o resto?

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  6. João,
    Concordo consigo em todos os aspetos, de facto também nós (cidadãos) nos temos alheado das nossas responsabilidade perante o executivo camarário.
    Temos de questionar, e exigir, a CMS não pode continuar de costas voltadas as necessidades da população e ao seu património!

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  7. Caro João, a Quinta da Penha Verde foi e é fiscalizada pelo IGESPAR e pela CMS sempre que há obras de restauro, mais o informo que o restauro da quinta na década de noventa foi completa e manteve-se ao máximo o original. A quinta está muito bem tratada e bonita, não tem visitas públicas porque é uma propriedade particular.

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