EURICO LEOTE
Pé
ante pé, umas vezes saltitando e outras tropeçando, caminhei devagar, rumo ao
objectivo previamente alinhado e traçado. Enquanto caminhava ocorriam-me à
imaginação vários pensamentos. E se num repente alguém entrasse e decidisse
acender a luz? Que susto não apanharia ao ver-me ali àquela hora, descalço,
semi-nu e de cabelos desgrenhados, caminhando aos tropeções, qual sonâmbulo
mecânico, receoso porque cauteloso, procurando desviar-me dos móveis vários que
habitavam na casa. De tantos cuidados colocados na deslocação rumo ao meu
objectivo, acabei inevitavelmente por bater com o meu dedo mindinho, mesmo o
mais pequenino, precisamente na perna de uma cadeira, acidentalmente depositada
fora do seu lugar habitual. Vociferei. Tapei a boca e gritei para dentro. Devo
ter assumido todas as cores do arco do íris. Fiz caretas medonhas que deviam
assustar seguramente o Adamastor. Dobrei-me e acariciei o dedo magoado.
Esfreguei-o e apertei no sentido de tentar acalmar a dor crescente. Suspirei.
Contive-me a muito esforço poupando algumas imprecauções prontas a serem
vomitadas da boca para fora. Senti-me banhado por suores frios. Respirei fundo
absorvendo a maior quantidade de ar possível. Forcei-o a sair lentamente,
perdendo gradualmente pressão e esvaziando por completo os pulmões. Sentei-me
momentaneamente no chão. Cerrei os olhos com força. Curvei o tronco numa
postura de prostração. Fi-lo subir lentamente puxando as costas para trás.
Inspirei e expirei rápido. Senti-me mais calmo e aliviado da dor que aos poucos
se desvanecia e afastava. Soergui-me devagar tendo o cuidado de rolar
lateralmente, não fosse ser apanhado por alguma tontura momentânea, que me
conduzisse ao desequilíbrio e atirasse de novo ao chão, e aí tudo poderia
complicar-se e piar de outra maneira. Já refeito e mantendo-se o total
silêncio, concluí que ninguém dera por nada e que tudo se mantinha normal e
tranquilo.
Acerquei-me
da janela e entreabri os fortes cortinados para espreitar para o exterior. A
lua estava baça, difusa e desfocada. Sinal de chuva, costumam dizer os mais
velhos servindo-se da sua sabedoria de observação, quando a lua se apresenta
com um halo em seu redor. Uma ligeira brisa própria da hora matutina soprava
visível nas ramadas altas das árvores, as quais compunham a alameda da rua
fronteira à casa.
Os
incidentes anteriores e a contemplação da rua com os candeeiros alinhados, cuja
luz se perdia no fio contínuo e convergente da faixa de rodagem, levaram-me a
alterar e a suspender os propósitos e desígnios programados inicialmente.
Decidi
regressar ao ponto de partida, e iniciei o caminho de retorno, com atenções e
cautelas redobradas. Havia que evitar repetir o incidente e a dor sofrida.
Consegui
regressar ao meu destino. Entrei no quarto. Calma e placidamente deitei-me
sobre a cama. Cobri-me com o cobertor e rapidamente adormeci.
Fui
despertado pelo barulho do estore da janela do meu quarto a ser puxada e
levantada. A claridade irrompeu e a luz revelou todo o meu quarto. Minha mãe em
pé, olhava para fora observando o movimento da rua. Aguardava que aos poucos
fosse despertando e acordando. O sol havia penetrado no quarto. Voltou-se
sorridente e perguntou-me se por acaso e acidentalmente durante a noite, eu não
teria dado uma escapadinha até à cozinha, afim de comer uma saborosa fatia de
tarte de cereja, pois pela manhã encontrara migalhas por toda a parte da casa.
Fiz cara de estranho, neguei veementemente e desculpei-me. Concluí que o meu
irmão mais novo concretizara o que eu não fora capaz de levar por diante. Contudo,
sentia-me igualmente culpado, pois todo o meu ser e pensamento comungou da
mesma ideia, apenas não realizada face ao incidente do qual fora protagonista.
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