Destroços dum póstumo sol,
sequestradores de disfarçadas libidos, tudo é incerto, monótono, e débil plágio de
vidas não vividas. Eis-me só, louco do desejo de viver, louco da insana lucidez de
querer amar, abraçar, ser cúmplice, e do lado de lá aconselharem calma,
soporíferos, analgésicos, derrotas a que outros chamam vida- vidinha será- sem
chama ou centelha. Tudo isto penso em torno dum bagaço neste boteco em Alfama
onde fugido do Telhal me acolhi, e exilado fiquei.
Para vós, leitores, aqui fica a minha história, a história de António Ameal, terminal quase.
Tudo começou no dia em que toldado pelo tinto do Higino, urinei as malvas da sua varanda esconsa. E, loucura das loucuras, acariciei as mamas da Mena, deixando-me louco de desejo, e abocanhando uma rosa, juntos dançámos um invisível Gardel, juntando os nossos corpos transpirados.
Muitos anos assim foi, desde que nos idos de setenta vim de Estremoz cursar Letras em Lisboa, e contra hipócritas costumes me passeei nu na estação do Rossio, apelando a que se desnudasse a Verdade, a diáfana, a do Eça, amordaçada em contentores de valores e etiquetas. Foi o meu primeiro internamento. Corria 1975, e Lisboa gritava nas paredes pichadas de hinos à liberdade. Não para mim, porém. Fugi, depois de amordaçar um enfermeiro, coitado, borrou-se à vista da minha dentadura de plástico. Gritei revoluções, dormi com putas, vivi à conta de amigos a quem a revolução sorriu, e, volta não volta, a silhueta do Telhal e eu, amigos inseparáveis e odiados. Voltei pela última vez há cinco anos, depois de tentar amassar pão no rabo enfarinhado da Violeta, brochista reformada que durante anos aviara estivadores no Campo das Cebolas. Para reeditar a Grande Farra. Azar! O médico decretou loucura, para mim era apenas ternura.
É domingo, e cada vez mais Inverno. Para quê sol nos corpos quando gela a alma? Odeio os domingos. Dantes a família almoçava, depois da missa, enfiada nos fatos domingueiros. Já não há famílias, nem missa. Que saudades do passeio ao Ginjal, para comer enguias. Nunca mais comi enguias. Têm passado, os sabores, muitos deles sem futuro. E o rádio, com o relato da bola, gritando cada canto quase antecedendo um enfarte.
É, o passado está todo aí, em álbuns e arquivos de vidas. Amigo, outro bagaço! É bonito falar do passado, por nostalgia ou arrependimento. Tem uma vantagem: ao menos tem-se passado. Ó chefe, apague a televisão, chega de electrodomésticos por hoje!
Não mexe uma palha lá fora, cá dentro corre um vento intranquilo. Que recordarão de mim daqui a vinte anos? Os copos que bebi? Queria ouvir o Morrison, mas estou intemporal, apetece-me música de salão, hoje. Ó chefe, passe aí a polka 117 de Strauss, grande música para um slideshow de vida, feliz e realizada. Não sabe o que é? Falta aqui o Fred para lhe explicar, mas o cabrão foi para o Miguel Bombarda, tem a mania que é um urubu. Eu quero é evadir-me, quero mais bagaço, aumente o som, diga aos vizinhos que enlouqueci e que o som é por conselho médico!
Sinto-me pássaro em melodia de Dvorák. Ainda bem que o domingo está a acabar. Naquele tempo não importavam os domingos, todos os dias eram de Vida, sem separar por semanas, décadas, gerações. Amanhã será segunda. Monday. Dia da Lua. Olhe, esconda a garrafa do bagaço e diga ao mundo que o louco do Telhal desistiu de viver. Só ouvia discos de vinil e num mundo onde não vendem pontas de diamante, riscou-se de membro. Que partiu, ao som da polka, levando os livros, os sonhos, o perfume da Sofia, os passeios ao Ginjal e o bolo de noz da avó. Auf Wierdersehn!. E diga ao Fred que ficaram contas na farmácia, quando lerem no jornal que o corpo de António Ameal foi recuperado do Tejo alguém terá de as pagar!.Mais um bagaço, porra, que não quero morrer sóbrio!
Para vós, leitores, aqui fica a minha história, a história de António Ameal, terminal quase.
Tudo começou no dia em que toldado pelo tinto do Higino, urinei as malvas da sua varanda esconsa. E, loucura das loucuras, acariciei as mamas da Mena, deixando-me louco de desejo, e abocanhando uma rosa, juntos dançámos um invisível Gardel, juntando os nossos corpos transpirados.
Muitos anos assim foi, desde que nos idos de setenta vim de Estremoz cursar Letras em Lisboa, e contra hipócritas costumes me passeei nu na estação do Rossio, apelando a que se desnudasse a Verdade, a diáfana, a do Eça, amordaçada em contentores de valores e etiquetas. Foi o meu primeiro internamento. Corria 1975, e Lisboa gritava nas paredes pichadas de hinos à liberdade. Não para mim, porém. Fugi, depois de amordaçar um enfermeiro, coitado, borrou-se à vista da minha dentadura de plástico. Gritei revoluções, dormi com putas, vivi à conta de amigos a quem a revolução sorriu, e, volta não volta, a silhueta do Telhal e eu, amigos inseparáveis e odiados. Voltei pela última vez há cinco anos, depois de tentar amassar pão no rabo enfarinhado da Violeta, brochista reformada que durante anos aviara estivadores no Campo das Cebolas. Para reeditar a Grande Farra. Azar! O médico decretou loucura, para mim era apenas ternura.
É domingo, e cada vez mais Inverno. Para quê sol nos corpos quando gela a alma? Odeio os domingos. Dantes a família almoçava, depois da missa, enfiada nos fatos domingueiros. Já não há famílias, nem missa. Que saudades do passeio ao Ginjal, para comer enguias. Nunca mais comi enguias. Têm passado, os sabores, muitos deles sem futuro. E o rádio, com o relato da bola, gritando cada canto quase antecedendo um enfarte.
É, o passado está todo aí, em álbuns e arquivos de vidas. Amigo, outro bagaço! É bonito falar do passado, por nostalgia ou arrependimento. Tem uma vantagem: ao menos tem-se passado. Ó chefe, apague a televisão, chega de electrodomésticos por hoje!
Não mexe uma palha lá fora, cá dentro corre um vento intranquilo. Que recordarão de mim daqui a vinte anos? Os copos que bebi? Queria ouvir o Morrison, mas estou intemporal, apetece-me música de salão, hoje. Ó chefe, passe aí a polka 117 de Strauss, grande música para um slideshow de vida, feliz e realizada. Não sabe o que é? Falta aqui o Fred para lhe explicar, mas o cabrão foi para o Miguel Bombarda, tem a mania que é um urubu. Eu quero é evadir-me, quero mais bagaço, aumente o som, diga aos vizinhos que enlouqueci e que o som é por conselho médico!
Sinto-me pássaro em melodia de Dvorák. Ainda bem que o domingo está a acabar. Naquele tempo não importavam os domingos, todos os dias eram de Vida, sem separar por semanas, décadas, gerações. Amanhã será segunda. Monday. Dia da Lua. Olhe, esconda a garrafa do bagaço e diga ao mundo que o louco do Telhal desistiu de viver. Só ouvia discos de vinil e num mundo onde não vendem pontas de diamante, riscou-se de membro. Que partiu, ao som da polka, levando os livros, os sonhos, o perfume da Sofia, os passeios ao Ginjal e o bolo de noz da avó. Auf Wierdersehn!. E diga ao Fred que ficaram contas na farmácia, quando lerem no jornal que o corpo de António Ameal foi recuperado do Tejo alguém terá de as pagar!.Mais um bagaço, porra, que não quero morrer sóbrio!
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