Sempre existiram bailaricos na aldeia de Fontanelas. Presenciei uma
fase de transição entre os bailes de dançar “a dois” e os de dançar “sozinho”.
O “rock” e os “Slows” deram cabo dos bailes com música a metro. Lembro-me, particularmente,
da década de 70 e dos grandes bailes abrilhantados por conjuntos muito
conceituados que reproduziam músicas dos Rolling Stones, Beatles ou Led
Zeppelin. Eram os Orpor, Intento, Black Stars, etc, etc. Toda uma geração mais
velha do que eu apanhou em pleno essa época, recheada de contestação ao Status
Quo vigente e às músicas da Eugénia Lima ou do Jazz Flôr da Aldeia. Deixou de
se dançar a dois, excepto nos “slows”. Muita coisa mudou nos anos 70, em
Fontanelas e no mundo.
Existiam denominadores comuns a todos os bailes. Contestação à música
alta, mães vigilantes, filhas a tentarem contornar a vigilância, bifana 5 paus
e sandes de molho 10 tostões, pais a beber copos no bufete e a velha tradição
da bofetada no final do baile, por esta ordem e aumentando de intensidade com o
avançar da noite.
Quanto à música alta muito se ralhava mas pouco se fazia. Era moda e a
vantagem era dos órgãos “Farfisa”, das baterias “Yamaha” e das guitarras
“Fender”.
No que toca a vigilância das mães, esta assumia contornos ridículos,
que ia desde a ocupação ininterrupta da primeira fila do camarote,
estrategicamente sobranceiro à sala, proporcionando um posto de observação
privilegiado, à permanência em pé na sala ou até, por mais do que uma vez, à
permanência em pé nas cadeiras de madeira gingonas que bordejavam o salão da
Sociedade em dupla fila. Havia de tudo. Esta vigilância assumia especial
cuidado quando tocavam aquelas músicas mais calmas, os “slows”. Aí sim, o radar
era accionado a 500% e a vigilância feita à lupa. Não há registo de que alguma
mãe alguma vez tenha conseguido conter as hormonas malucas das filhas que
teimavam em pular que nem doidas.
As filhas fugiam como podiam. Davam um pulo à casa de banho com
passagem pela rua. Combinavam encontros, dançavam mais apertadas ou,
simplesmente, saltavam a janela do quarto depois do baile.
Bifana 5 paus, sandes de molho 10 tostões.
Minis, médias, copos de tinto e branco, cheio ou meio, interessava era
molhar o bico. Aquela música maluca baralhava a cabeça e fazia sede.
Normalmente antes do baile
acabar havia sempre bofetada. Era o sal e a pimenta da coisa. Tinha sempre que
haver zaragata, normalmente provocada por um copito a mais, uma raiva antiga ou
uma disputa de saias.
Quando o motivo eram saias, a coisa resolvia-se à bulha na rua com
intervenção feminina ou ficava prometida nova investida na próxima vez. Raivas
antigas era só letra. Não passava de trinta e um de boca, ameaças e “segurem-me
senão eu mato-o”.
Copitos, dependia da rezinguisse dos intervenientes. Quando estavam os
dois “carregados”, a coisa prolongava-se. Quando só um estava “tocado”, daqueles
que qualquer copito fazia despoletar o azedume da vida e vir ao de cima o
amargoso fel que lhes temperava a alma, era mais ou menos simples. Era a história
do beberrão de má fé, do Bocage:
“Um beberrão
de má-fé,
numa tasca
amotinando,
dá tamanho
pontapé
Num sábio
que ia passando
que dá com
ele no chão.
Esperava-se
função.
Mas este
levantou-se,
dizendo para
a taberna:
Por uma
besta dar um Couce
Há-de se lhe
arrancar uma perna?
E acabava a
zaragata e o baile. Boa noite.
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