Em Fontanelas e Gouveia, grandes zangas se deram por questões de
partilhas.
Famílias inteiras cortaram relações por questões relacionadas com a
divisão da herança dos pais e avós. Era comum caminharem para Sintra em disputa
de uma extrema de meio palmo ou três
pinheiros mansos. Qualquer coisa que não estava em modos, tribunal, quando não
terminava tudo com uma sacholada nas fontes.
Gastavam dez vezes o valor da herança em advogados tarimbados nestas
disputas de aldeia e iam sendo chupados a troco da promessa de que iriam ganhar
a acção. Somavam-se as perdas de meios-dias a caminhar para o advogado, de
chapéu na mão e passo acautelado. O ego não perdoava e sair vitorioso era a
paga maior, independentemente do custo. Era um ponto de honra levar de vencida
a contenda. Era preciso que a aldeia ficasse a saber quem tinha razão!
“Não queres lá ver que o teu
irmão quer o pinhal? Queria mais nada, não?” Dizia a Bombarda ao Tóino Marreco em
jeito de aviso, não fosse o marido prometê-lo ao irmão.
“Se ela olha mais alguma vez assim para mim, vou-lhe à cara”, dizia a
Clotilde ao Chico Gordo depois das picardias no enterro da sogra por causa do
cordão de oiro.
O Zé Rabeca foi ameaçado de forquilha pela Marieta, depois de lhe
dizer que só ficava com a Terra do Alto se o matasse. Esteve quase...
Já a coitada da Lisete teve que fugir. Se não desse um pulo para o
lado, o João Manias, que era cunhado, passava-lhe com o tractor por cima por
causa de uma talha de barro, em disputa ia para 6 anos.
No meio de tanta picardia, existiam alguns que simplesmente deixavam
as coisas correr, quer por não terem posses para litígios, serem pessoas mais
pacatas ou simplesmente não era da sua índole gerar discórdia e criar
conflitos.
O Tóino Marreco, opinioso e banana, a aturar a Bernarda há mais de 30
anos, que era cabra como tudo (em vez de ser duas casas estragadas foi só uma),
quando os velhos fecharam os olhos e tocou a partilhas, prepararam tudo para
ficar com as Terras de Semeadura, Pinhais e Pomares de Maçã Reineta, afastadas
da aldeia mas com bom rendimento. Valiam muito mais do que Serrados, Quintais e
bocados cheios de pedra dentro da aldeia, quer pela sua dimensão, quer pela sua
utilidade. A Bernarda “pintou a manta” ao Moca e à Ernesta. Ameaçou, fez banzé
no posto leite, queixou-se na loja das ratas, foi falar com as vizinhas a dizer
mal dos cunhados, chamou-lhes tudo, falou com a bruxa da Várzea, prometeu um
cordão à Sra. de Fátima, só para levar a dela avante e ficar com o quinhão
melhor. O Moca, coitado, sem posses nem ânimo para contrariar a cunhada nem o
irmão, lá concordou e assinou a partilha e o seu prejuízo. À data o Dr. Ulisses,
vizinho de longa data, pessoa séria e experimentada nestas lides e com as
vistas rasgadas até à nuca e sabendo da contenda, disse-lhe para não se
preocupar que eles iriam ficar a ganhar, com o passar do
tempo.
Nem mais.
Os pinhais foram consumidos por um valente fogo no Verão seguinte.
Ficaram só cavacos e pontas queimadas. As terras de semeadura deixaram de ter
utilidade, já que eles estavam a caminhar para velhos, sem forças, a jorna
encareceu muito e não eram propícias a maquinaria. Deixaram de ter rendimento e
ficaram de campo, bem como os pomares de Maçã Reineta que tinham que ser podados,
cavados, sulfatados e raposados à unha. A herança desvalorizou para uma quarta
parte ao fim de cinco anos. Já do lado do Moca e da Ernesta, os Quintais,
Serrados e outros bocados dentro da povoação valorizaram para a construção,
passando a valer dez vezes mais do que na altura da partilha, quando entrou um
PDM que excluiu para construção todos os terrenos que estavam fora do perímetro
urbano, onde se encontravam aqueles que lhes tinham sido negados. Passados dez
anos o arranjo do Moca e da Ernesta era muito melhor do que o do Tóino Marreco e
da Bernarda. Nessa altura o Moca, que tinha ficado com a conversa do Dr.
Ulisses na ideia, perdeu a vergonha e perguntou ao vizinho:
“Ó Sr. Dr. Ulisses. Porque é me disse para não me apoquentar com a
minha cunhada?
Responde-lhe prontamente o Dr. Ulisses:
“Ó Moca. Maçã podre cai
sozinha, não é preciso apanhar”.
E caiu...
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