quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A torre e o passado

EURICO LEOTE



A torre erguia-se para o alto, inerte e silenciosa na paisagem desnuda. Outrora sentinela alerta, teimava em resistir aos elementos da natureza que haviam derrubado e destruído tudo o que à sua volta se encontrava.

Sineira que fora em tempos passados, a torre deixava ver duas janelas em arco esventradas, permitindo antever os suportes dependurados dos quais os sinos   repicavam chamando e alertando o povoréu, quem sabe se para um acontecimento notável, ou então para os chamar a pegar em armas e defender o que lhes era pertença.

Do alto da torre enxergava-se tanto quanto era possível enxergar, fazendo desta a primeira linha de defesa da aldeia situada na planície em pleno campo aberto, banhada por um cristalino e sempre eterno ribeiro, cujas águas nunca faltaram ao abastecimento das populações.

Era assim fértil a aldeia, com os seus campos cobertos de verde e de amarelo, onde não faltavam as cabeças de gado, contribuindo com os seus mugidos e balidos para animar a pacata aldeia. As crianças fruto das circunstâncias e necessidades faziam-se cedo pequenos homens, ajudando no que preciso fosse, educando-se na escola da vida, tendo por mestres os ensinamentos de toda uma aldeia, que via neles, o seu futuro e continuidade. Brincadeiras também as havia. Era no tempo das festas e folganças. Aí todos se divertiam, cada um à sua maneira e de acordo com a sua idade, e porque não estatuto. Quer queiramos, ou gostemos ou não, as classes sociais sempre existiram e coexistiram. Sempre houve necessidade de chefias e de reconhecimentos, com base por vezes em coisa nenhuma, o que não invalidou a criação de castas e de nobres, dons e de outros. A ganância e o desejo de poder terão feito o resto, conjugado com o facto de que quem tem um olho é rei, e cego é todo aquele que vive na ignorância, pois o verdadeiro cego conhece os seus limites e barreiras, e luta para as ultrapassar.

A outra torre gémea igualmente sinaleira e sineira, construída para o mesmo fim, e à vista uma da outra, há muito que fora abaixo, fruto das lutas de outros tempos, do próprio tempo, e da insensibilidade dos homens, esgotada que foi a sua utilidade e função.

A tudo isto, com mais ou menos convulsão, a altaneira torre sineira assistira, reclamando também ela de tempos a tempos por uma reparação, um aconchego, de pronto atendida, não fora qualquer contratempo colocar em causa a sua eficácia e eficiência, razão sobeja para a sua existência..

Hoje, volvidos que foram muitos anos, a nossa torre continua a ser alvo de admiração dos homens e mulheres que se deslocam até junto da sua base, para a observar na sua plenitude, e recuar no tempo sonhando outros tempos, imaginando o imaginário porque não vivido, mas profundamente sentido pelos múltiplos registos e relatos.

A torre é hoje património histórico e da humanidade. É importante preservar a história dos homens, que mais não seja para que possamos aprender com os erros do passado, lutando pela construção de um mundo cada vez melhor para as gerações futuras.

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