terça-feira, 9 de maio de 2017

A tragédia nunca contada da Penha Longa


JORGE LEÃO

Quando se fala de Sintra e do terramoto de 1755, até agora, tem-se contado principalmente a tragédia da Vila Velha, da Igreja e da freguesia de São Martinho.
De facto, regista-se apenas uma morte na freguesia de Santa Maria, em Coutinho Afonso. Nenhuma morte na freguesia de São Miguel, assim como também nenhuma na freguesia de São Pedro de Penaferrim.
Na freguesia de São Martinho, registaram-se, segundo o Livro de Registo de  Óbitos, 43 mortes.
«Desses quarenta e três mortos, trinta e seis morreram na villa, incluindo o Rev. Prior, D. Raymundo de Miranda Henriques, que néssa ocasião estava celebrando o Santo Sacrifício da Missa; dois morreram no logar da Varzea; dois no logar de Cabris; dois no Casal da Granja de Baixo, e um no Carrascal, logares da freguesia de S. Martinho»(1).
José Alfredo da Costa Azevedo, sempre muito rigoroso, conta as 43 mortes anunciadas no livro. No livro conta 35 nomes. Encontra mais 5 numa acta da «Irmandade de Santo André e Almas». Faz 40. Dos 43, faltam-lhe 3 nomes que diz não conseguir encontrar. Um deles deverá ser o de Anna Joaquina Quintela, cujo óbito está registado no Livro de Óbitos de São Pedro de Penaferrim, mas que faleceu, segundo se lê, «nos palacios da Villa de Cintra».
Uma coisa, no entanto, é muito estranha e começou logo a ser notada pelo nosso saudoso historiador. O Revº António de Sousa Seixas, prior da freguesia de São Pedro de Penaferrim e redactor da Memória Paroquial de 1758 da dita freguesia, não faz qualquer referência aos danos sofridos pelo Mosteiro da Penha Longa.
Não sabia o nosso mestre que o padre Sousa Seixas , além de não referir esses danos, entre os quais está a ruína da igreja, não refere a morte de vinte e três pessoas que lá se encontravam. E isto é bastante estranho para quem escreve somente três anos após o acontecimento. Porquê? Não sabemos.
Então, na historiografia até hoje produzida sobre a Penha Longa ou sobre o terramoto de 1755 em Sintra, tem-se avaliado a ruína da Igreja da Penha Longa somente por uma fonte documental(2).Diz-nos o documento que dois anos e pouco mais tarde, em Maio de 1758, não se pode sepultar o cónego Gaspar Leitão de Figueiredo na Igreja da Penha Longa, como ele tinha pedido, por esta estar ainda entulhada devido ao terramoto.Documentalmente, só por isto.
Porém, tem estado escondido, por estar registado de forma um tanto anacrónica, um documento interessantíssimo, que nos dá uma informação mais precisa do que aconteceu nesse fatídico dia em Sintra.
Às nove horas e três quartos desse dia primeiro de Novembro de 1755, faleceram, num só acto, 23 pessoas no desmoronamento da Igreja da Penha Longa. 20 mulheres e 3 homens. 10 da Ribeira da Penha Longa, 10 do Linhó e 3 da Beloura.
Por o documento ser muito curioso, muito interessante, e inédito na historiografia de Sintra, fica aqui a sua transcrição(3).
 
 
«Aos dois dias do mês de Dezembro de mil setecentos e cinquenta e cinco chegou a esta Igreja ( São Pedro de Penaferrim) a certeza de terem falecido no conflito do primeiro dia do mês de Novembro da dita era na ruína da Igreja do Convento da Penha Longa as pessoas seguintes:
Manoel Rodrigues, Manoel Rodrigues o velho, Francisca Maria, viúva, e suas filhas Luiza e Joana, Maria Quitéria, filha de Aurélio Pedroso, Luiza Maria e sua filha Violante, Maria da Encarnação, viúva de João da Silva, Felícia Teresa da Silva, todos moradores no lugar da Ribeira da Penha Longa desta freguesia; Maria Michaela casada com Matias da Silva e suas duas filhas Antónia e Romária(?), Antónia e Francisca, filhas de Manoel Jorge, já defunto e de Domingas Francisca, Mónica(?)Maria, viúva, Maria dos Santos, casada com José Gomes e sua filha Maria, Anna, filha de Estevão da Silva e Barbara Teresa, todos moradores em o lugar do Linhó desta freguesia; Manoel Francisco, casado com Agostinha Maria, Anna e Maria, filhas de António Francisco e de Antónia Maria, todos moradores em o lugar do Linhó, digo de Beloura desta freguesia.
Por ser verdade fiz este assento...
O cura João Ribeiro de Azevedo »
 
Assim, refazendo as contas, morreram, pelo que se sabe, 67 pessoas no terramoto de 1755 em Sintra: 43 na Freguesia de São Martinho, 23 na freguesia de São Pedro de Penaferrim e 1 na freguesia de Santa Maria.
 
1-Livro de Registo de Óbitos da paróquia de São Martinho, 1 de Novembro de 1755.
2- Livro manuscrito existente no Arquivo Histórico de Sintra com o título: «Livro em q vão lancados os Religiosos defutos deste Mostº de Pehalõga, dias de seus falecimentos, Patrias, Virtudes morais de cada hum e nº das sepulturas em q forão sepultados – 1702». Foi referido primeiramente por Tude Martins de Sousa no seu livro Mosteiro e Quinta da Penha Longa na Serra de Sintra (Lisboa, 1951) e mais tarde por José Alfredo da Costa Azevedo em O Terramoto de 1755, Memórias do Tempo (Sintra, 1998).
3- Livro de Registo de Óbitos da paróquia de São Pedro de Penaferrim, 2 de Dezembro de 1755.
 
 
Artigo publicado no Jornal de Sintra de 21 de Abril de 2017

 

 


 

 

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