Quando se fala de Sintra e do terramoto de 1755, até agora, tem-se
contado principalmente a tragédia da Vila Velha, da Igreja e da freguesia de
São Martinho.
De facto, regista-se apenas uma morte na freguesia de Santa Maria, em
Coutinho Afonso. Nenhuma morte na freguesia de São Miguel, assim como também
nenhuma na freguesia de São Pedro de Penaferrim.
Na freguesia de São Martinho, registaram-se, segundo o Livro de Registo
de Óbitos, 43 mortes.
«Desses quarenta e três mortos,
trinta e seis morreram na villa, incluindo o Rev. Prior, D. Raymundo de Miranda
Henriques, que néssa ocasião estava celebrando o Santo Sacrifício da Missa;
dois morreram no logar da Varzea; dois no logar de Cabris; dois no Casal da
Granja de Baixo, e um no Carrascal, logares da freguesia de S. Martinho»(1).
José Alfredo da Costa Azevedo, sempre muito rigoroso, conta as 43
mortes anunciadas no livro. No livro conta 35 nomes. Encontra mais 5 numa acta
da «Irmandade de Santo André e Almas». Faz 40. Dos 43, faltam-lhe 3 nomes que
diz não conseguir encontrar. Um deles deverá ser o de Anna Joaquina Quintela,
cujo óbito está registado no Livro de Óbitos de São Pedro de Penaferrim, mas
que faleceu, segundo se lê, «nos palacios
da Villa de Cintra».
Uma coisa, no entanto, é muito estranha e começou logo a ser notada
pelo nosso saudoso historiador. O Revº António de Sousa Seixas, prior da
freguesia de São Pedro de Penaferrim e redactor da Memória Paroquial de 1758 da
dita freguesia, não faz qualquer referência aos danos sofridos pelo Mosteiro da
Penha Longa.
Não sabia o nosso mestre que o padre Sousa Seixas , além de não referir
esses danos, entre os quais está a ruína da igreja, não refere a morte de vinte
e três pessoas que lá se encontravam. E isto é bastante estranho para quem
escreve somente três anos após o acontecimento. Porquê? Não sabemos.
Então, na historiografia até hoje produzida sobre a Penha Longa ou
sobre o terramoto de 1755 em Sintra, tem-se avaliado a ruína da Igreja da Penha
Longa somente por uma fonte documental(2).Diz-nos o documento que dois anos e
pouco mais tarde, em Maio de 1758, não se pode sepultar o cónego Gaspar Leitão
de Figueiredo na Igreja da Penha Longa, como ele tinha pedido, por esta estar
ainda entulhada devido ao terramoto.Documentalmente,
só por isto.
Porém, tem estado escondido, por estar registado de forma um tanto
anacrónica, um documento interessantíssimo, que nos dá uma informação mais
precisa do que aconteceu nesse fatídico dia em Sintra.
Às nove horas e três quartos desse dia primeiro de Novembro de 1755,
faleceram, num só acto, 23 pessoas no desmoronamento da Igreja da Penha Longa.
20 mulheres e 3 homens. 10 da Ribeira da Penha Longa, 10 do Linhó e 3 da
Beloura.
Por o documento ser muito curioso, muito interessante, e inédito na
historiografia de Sintra, fica aqui a sua transcrição(3).
«Aos dois dias do mês de Dezembro
de mil setecentos e cinquenta e cinco chegou a esta Igreja ( São Pedro de
Penaferrim) a certeza de terem falecido
no conflito do primeiro dia do mês de Novembro da dita era na ruína da Igreja
do Convento da Penha Longa as pessoas seguintes:
Manoel Rodrigues, Manoel
Rodrigues o velho, Francisca Maria, viúva, e suas filhas Luiza e Joana, Maria
Quitéria, filha de Aurélio Pedroso, Luiza Maria e sua filha Violante, Maria da
Encarnação, viúva de João da Silva, Felícia Teresa da Silva, todos moradores no
lugar da Ribeira da Penha Longa desta freguesia; Maria Michaela casada com
Matias da Silva e suas duas filhas Antónia e Romária(?), Antónia e Francisca,
filhas de Manoel Jorge, já defunto e de Domingas Francisca, Mónica(?)Maria,
viúva, Maria dos Santos, casada com José Gomes e sua filha Maria, Anna, filha
de Estevão da Silva e Barbara Teresa, todos moradores em o lugar do Linhó desta
freguesia; Manoel Francisco, casado com Agostinha Maria, Anna e Maria, filhas
de António Francisco e de Antónia Maria, todos moradores em o lugar do Linhó,
digo de Beloura desta freguesia.
Por ser verdade fiz este
assento...
O cura João Ribeiro de Azevedo »
Assim, refazendo as contas, morreram, pelo que se sabe, 67 pessoas no
terramoto de 1755 em Sintra: 43 na Freguesia de São Martinho, 23 na freguesia
de São Pedro de Penaferrim e 1 na freguesia de Santa Maria.
1-Livro
de Registo de Óbitos da paróquia de São Martinho, 1 de Novembro de 1755.
2-
Livro manuscrito existente no Arquivo Histórico de Sintra com o título: «Livro em q vão lancados os Religiosos
defutos deste Mostº de Pehalõga, dias de seus falecimentos, Patrias, Virtudes
morais de cada hum e nº das sepulturas em q forão sepultados – 1702». Foi
referido primeiramente por Tude Martins de Sousa no seu livro Mosteiro e Quinta da Penha Longa na Serra de
Sintra (Lisboa, 1951) e mais tarde por José Alfredo da Costa Azevedo em O Terramoto de 1755, Memórias do Tempo (Sintra,
1998).
3-
Livro de Registo de Óbitos da paróquia de São Pedro de Penaferrim, 2 de
Dezembro de 1755.
Artigo publicado no Jornal
de Sintra de 21 de Abril de 2017
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