sábado, 27 de setembro de 2014

Um italiano em Portugal

RUI OLIVEIRA


De seu nome Leonardo Torriani ou Torreano, na sua versão aportuguesada, foi um engenheiro e arquiteto militar que chega a Lisboa na comitiva de Filipe I de Portugal e Segundo de Espanha. Natural de Cremona, na atualidade uma comuna da região da Lombardia, mas que na época, isto é, finais do século XVI, integrava o famigerado Sacro Império Romano-Germano. Temos notícias da sua presença no Termo do Concelho Senhorial de Belas, concretamente nas Águas Livres, em Carenque, conjuntamente com o Rei D. Filipe I, que desta maneira averiguavam in loco as condições em que nasciam as águas, a sua abundância, a sua qualidade e os custos de as voltar a conduzir a Lisboa, bem como da sua passagem e do Rei pelo Palácio dos Senhores de Belas [Lavanha;1622,p73].




Ora, se o seu trabalho, no termo e região de Lisboa, que sabemos por várias nomeações para a função de aquilo, que chamamos hoje de diretor ou engenheiro responsável de obra, acontecem entre 1594 para o Forte de São Lourenço do Bugio; em 1597, para o Forte de São Julião da Barra e também de São Filipe, em 1598 e que a par destes tinha, ainda, um acompanhamento técnico das Ferrarias de Barcarena, necessariamente Leonardo Torreano tinha de se "enraizar" ou na Corte em Lisboa, praticamente inexistente, na época, ou em laços de família sustentáveis emocionalmente e economicamente. Assim, Leonardo Torreano casa com uma senhora nobre, D. Maria Manuel, filha de Paulo Afonso, cavaleiro D’El Rei e de D. Joana Cabeia Faria. Família que contava com importantes interesses económicos nos Termos de Lisboa, Sintra e Mafra, como se pode aferir na relação de bens ou rendimentos de uma Capela instituída por esta família, na Paróquia de N. Senhora da Purificação, em Oeiras, consagrada a Nossa Senhora da Piedade. Texto que transcrevemos de seguida, e que para além da informação direta sobre quem administrou e que meios administrou, também é esclarecedor das significativas alterações de posse de terras, em meados de setecentos: «.....capela instituída por D. Mécia Dias, filha de D. Diogo Martins e de D. Helena Dias. De Oeiras, foi Moça de Camara da Rainha D. Leonor esposa de D. Manuel I; casou e não teve filhos. Instituiu Capela de Nossa Senhora da Piedade, na Igreja paroquial de Oeiras, que contava com os rendimentos de três casais situados respetivamente em Cacilhas e Leão [ou Leião, na sua forma mais recente], a que andavam juntos outros bens. O primeiro administrador da Capela foi seu irmão Antão Martins Cabeia; o segundo administrador o filho deste Tomé Antunes Cabeia; ao qual sucedeu Joana Faria, sua filha, como terceira administradora, da dita capela. A joana Faria casou com Paulo Afonso, Cavaleiro d’Rei e desse casamento nasceu D. Maria Manuel, que foi a quarta administradora. Esta senhora D. maria Manuel casou com o famoso Leonardo Torreano, [Engenheiro e arquiteto de Filipe I de Portugal, que sendo de origem italiana aqui se radicou]. O filho destes, Luís Torreano de Faria, foi o quinto administrador. Casou com D. Isabel de Faria e tiveram um filho de seu nome Leonardo Torreano de Faria que foi o sexto administrador; Casou com D. Isabel Francisca da Rosa Sobrinho de quem teve uma filha por seu nome D. Cláudia Maria Veríssima da Rosa. Esta senhora casou com Manuel Serra Bernardes e do casamento nasceu o Leonardo Torreano de Faria, que foi o sétimo administrador e assim estava em 1739.»
 Ora os bens que integravam desde a primeira metade do século XVI a Capela consagrada a Nossa Senhora da Piedade, instituída da Paróquia de Nossa senhora da Purificação de Oeiras, são em parte desanexados por sub-rogados [transferência dos direitos de posse] ao Marquês de Pombal por D. Joana Manuel Torreano de Faria e seus imediatos. Esta senhora era casada com Rafael Carlos Siver da Silva. A transferência de Direitos ocorreu em 16 de Setembro de 1755. Assumem então um papel de rendimento principal, da dita Capela, outros bens que não sabemos se já estavam incluídos desde a sua instituição, ou se terão sido incorporados em 1755, que se encontravam no termo de Sintra, a saber: «o Casal de Apoletim: paga 35 alqueires de trigo; 35 alqueires de Cevada e um carneiro. O Casal de Alvarinhos: 30 alqueires de trigo e 30 de cevada e duas galinhas. o Casal do Arneiro do Arreguenha: 40 alqueires de trigo 40 de cevada. Casal do Godinheiro [Sem localização precisa]: 30 alqueires de trigo e 30 alqueires de cevada e um carneiro. Casal da Reboquia [sem localização precisa]: 30 alqueires de trigo e 30 de cevada. Casal de Armés: 30 alqueires de trigo e 30 de cevada.»
Nos bens desta capela, Nossa Senhora da Piedade, andam ainda arrolados outros bens de natureza financeira  nomeadamente: «.....Damião João: 8 alqueires de trigo salvajo e duas galinhas; Cabecinho: 500 reis; Alcasoval: 12 alqueires de trigo e duas galinha; Um juro na Casa da Moeda da Cidade de Lisboa: 120$000 reis; Outro juro no Concelho Ultramarino: 30$000 reis» (In: Memorial Histórico de Oeiras, ou Coleção  de Memórias de Oeiras, Tomo II - Instituições de Capelas, 28ª, página 117, Edição de CMO de 1992).
Estas foram as últimas contas prestadas pela administradora da Capela, D. Joana Manuel Torreano de Faria, no ano de 1821, depois desta data perde-se o rasto da Capela instituída e dos seus bens, começava-se a viver tempos de mudança e de esvaziamento das Obras Pias.
De Leonardo Torreano sabe-se, também, que este detinha o cargo de Engenheiro Mor do Reino em 1598; em 1605 tinha a seu cargo a construção da fortaleza de São Salvador da Bahia, sem que se tenha a certeza da sua presença física no Brasil, tanto mais que um tal João Torreano, Freire Beneditino, seu filho também foi engenheiro militar.

Sem comentários:

Enviar um comentário