No passado dia 10 de Maio participei na visita à Quinta da
Ribafria que a Alagamares promoveu, integrando um grupo que compreendia alguns
cidadãos sintrenses interessados e activos na defesa do património local.
Depois daquela esclarecedora jornada, continuando preocupados
com o estado de abandono e degradação que o local tão manifestamente vinha
acusando, reunimos algumas vezes no sentido de equacionar a melhor atitude a
tomar, tendo resolvido apresentar à Câmara Municipal de Sintra um documento
síntese de propostas de actuação, instrumento de trabalho esse que entregámos
ao Senhor Vice-Presidente e Vereador do pelouro da Cultura no dia 17 do passado
mês de Julho.
Lembremos que a história da Ribafria nos remete para Gaspar
Gonçalves e André Gonçalves Ribafria, prosseguindo a sua posse até Jorge de
Mello e, a partir de 2002, passando a património municipal. De então para cá,
sem actividade, sem obras de manutenção, a Quinta precisa de uma intervenção
muito significativa e urgente para salvaguarda e recuperação do palácio,
anexos, capela/mãe d’água e jardins, bem como dos terrenos agrícolas e do
estupendo bosque. (*)
No entanto, além da recuperação do património edificado e
natural em presença, impõe-se equacionar a vida futura que lhe será mais
conveniente, na perspectiva de concretização das mais diversas iniciativas e
atitudes culturais, parecendo pacífica a ideia de que o enquadramento epocal
daquele magnífico lugar há-de determinar a maioria, senão a totalidade das
iniciativas que convém equacionar e promover.
Renascença e Música
Antiga
Neste contexto, permitam que, do documento entregue à CMS,
passe a citar:
“(…) A Quinta da Torre de Ribafria é um dos espaços patrimoniais
mais emblemáticos de Sintra e um raro exemplo da cultura renascentista e das
apetências quinhentistas numa busca do locos amoenus, na construção e
idealização dos espaços como paraíso terreal. É, só por isso, um património que
deve merecer toda a atenção e empenho das entidades competentes na sua
preservação e restauro.
Acresce ainda a este valor filosófico - que preside aos
gostos do século XVI, com o inevitável retorno à aurea mediocritas ruralis -
ser uma propriedade carreada de História e mandada edificar pela única família
nobre de origem inteiramente sintrense. Juntamente com a Quinta da Penha Verde,
o Palácio Nacional de Sintra, o Paço dos Ribafria na vila, e os mosteiros da
Penha Longa, o que resta do Real Mosteiro da Pena e o Convento dos Capuchos,
forma um conjunto que possibilita uma viagem bastante interessante pelo
Humanismo e pelo Renascimento português. (…)”
[Relatório da visita técnica promovida pela
Alagamares-Associação Cultural e por um grupo de cidadãos à Quinta da Ribafria
em 10 de Maio de 2014]
São estas considerações que, na sequência dos parágrafos
anteriores, me autorizam à abordagem do assunto que pretendo partilhar. Pois
bem, tratando-se de um espaço cujas características tão singulares nos remetem
para o período da Renascença, parecerá conveniente que um dos mais importantes
factores de actuação aponte para que a programação geral das actividades
culturais a desenvolver na Ribafria obedeça a uma grelha cuja matriz tenha
aquele específico período como primordial do seu enquadramento.
Ou seja, neste entendimento, que ali aconteça Poesia da
Renascença, Teatro da Renascença, Música da Renascença, etc, sem que,
naturalmente, vínculo tão determinante, impeça qualquer intervenção de contexto
epocal diferente, inclusive de vanguarda.
Em Portugal, no que à Música então produzida diz respeito,
são escassas as iniciativas que têm por objecto a proposta de eventos cujos
programas integrem peças da época que, para todos os efeitos, compreende um
longo período de composição, bem podendo afirmar-se jamais ter sido
ultrapassada quer em qualidade quer em quantidade.
Pois, se alguma tese eu defendo quanto aos locais onde a
música erudita se faz em Sintra, se não posso estar mais de acordo
relativamente à prática de os Palácios do período Romântico acolherem as obras
mais afins, marca distintiva da programação do Festival de Sintra, nomeadamente
no âmbito da pianística, então, também se me impõe que a Ribafria se possa
afirmar como lugar geométrico das propostas daquela que, lato sensu, é abrangida
pela designação de Música Antiga.
No entanto, terminando já, tal apenas será possível se houver
o discernimento bastante para especializar o lugar nesse preciso sentido.
Naturalmente, haveria que contar com o apoio dos bons especialistas portugueses
do período em questão que, estou certo, transformariam esta hipótese de
trabalho em mais outra grande mais-valia para Sintra.
(*) Entretanto, já estão em curso trabalhos de limpeza, sob
orientação da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra,
intervenção cuja qualidade é proverbial garantia de qualidade. Enfim, bons
sinais não faltam para que mantenhamos a esperança.
[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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